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Economía

O que há por trás dos abalos financeiros

09/08/2007

Durante o ano de 2007 os mercados financeiros globais quebraram recordes históricos. O índice Dow Jones, que agrupa as principais ações dos Estados Unidos, quebrou a barreira dos 14.000 pontos e até a semana passada acumulava um aumento de mais de 27% nos últimos 12 meses. Entretanto, desde a terça-feira passada o panorama mudou abruptamente e as ações norte-americanas fecharam o pior mês em três anos. O índice S&P 500 caiu em 1,3% no dia 31 de julho, perdendo 3,2% durante julho, seu pior resultado mensal desde julho de 2004. Estas quedas em Wall Street foram acompanhadas por quedas nas principais bolsas do mundo. O nervosismo dos mecados também se transferiu para a América Latina. A Argentina foi um dos países mais afetados. Na quarta-feira passada o dólar em relação ao peso chegou a $ 3,20 (depois caiu para $ 3,16) e cresceu a venda dos bônus da dívida externa argentina (entre outros) no marco de um "fly to quality" (um vôo para a qualidade) desde os "mercados emergentes" até coisas mais seguras como os títulos do Tesouro norte-americano. A taxa de interesses interbancários na Argentina, que na quarta-feira era de 12%, chegou na sexta-feira aos 28%. As intenções nos mercados não dão sinal de deter-se, ao menos por agora.

O que está acontecendo com os mercados mundiais?

Evidentemente estamos no começo de uma crise financeira internacional. Os primeiros sintomas se manifestaram por dificuldades no mercado de hipotecas, especialmente as de menor qualidade creditícia ou subprime (pessoas que assumem empréstimos com histórico inadimplência), mediante as quais se tem financiado uma alta porcentagem ou quase totalidade do valor das moradias. A morosidade nestes créditos aumentou significativamente a medida que os devedores descobriram que suas dívidas são maiores ao valor de mercado de sua propriedade. Em fevereiro e março deste ano houve uma série de bancarrotas de empresas nesse segmento que começou a se enfurecer com os mercados. Mas todos diziam que era um problema localizado, seguiram subindo as bolsas e o mercado de créditos seguiu sua expansão, alcançando inclusive novos recordes.

Mas uma série de más notícias mudaram o humor dos mercados. O primeiro golpe foi a existência de problemas em dois hedge funds pertencentes a Bear Stearns, o banco de inversão de Nova York, que estava fortemente exposto no setor subprime. E nos últimos dez dias houve um salto. Primeiro Countrywide, um dos maiores bancos hipotecários dos Estados Unidos, anunciou péssimos resultados em suas operações. Este foi um sinal de que o problema dos créditos hipotecários estava afetando o segmento prime, ou seja, de primeira linha, onde tem crescido a taxas incobráveis dos empréstimos.

No entanto, o mais significativo é que as dificuldades no mercado de créditos hipotecários estão se transferindo para o resto do sistema financeiro, provocando um racionamento e um encarecimento dos créditos em outros setores pra além do imobiliário. A medida que os bancos restringem e se tornam mais exigentes para o outorgamento de créditos, o custo dos mesmos aumenta. Deve levar-se em conta que as condições de acesso ao crédito fácil tem dado até agora um forte impulso ás ações de empresas dos principais mercados da bolsa, através do financiamento de operações de leveraged buyout [1], fusões, aquisições e recompras de ações.

Com um custo crescente de endividamento, as empresas e os agentes financeiros se vêem forçados a rever suas decisões e seus planos de inversão. Durante o mês de julho suspenderam uma grande quantidade de créditos importantes destinados a financiar compras, fusões e aquisições ou emissões de dívida e ações. Entre os prejudicados se encontram empresas de primeira linha a nível mundial de diversos setores da economia. Por exemplo, na semana passada se suspenderam os leilões da dívida de fusões de grandes corporações, como Daimler Chrysler, que financia a venda da subsidiária norte-americana desta automotriz a Cerbeus, um hedge fund norte-americano, ou o fracasso dos bancos para vender 5 milhões de libras de empréstimos senior da Alliance Boots, uma rede de farmácias, a maior operação deste tipo na Inglaterra. E também tem o caso da Cadbury, que na sexta suspendeu suas operações de venda de empréstimos por 7 milhões de dólares para a venda de todas as suas marcas de bebidas nos Estados Unidos. Não por casualidade, junto com as grandes empresas da construção dos Estados Unidos, os que se vêem mais afetados são os grandes bancos de inversão como o JP Morgan Chase, o Banco do America e o Citigroup. Estes bancos, junto aos grandes bancos de inversão como Goldman Sachs, Morgan Stanley ou Bear Stearns [2] esperavam vender no curso deste ano.
Toda esta situação tem gerado uma maior aversão ao risco entre os inversores e uma crescente liquidez. Há uma situação na qual os inversores estão retirando o dinheiro dos fundos por medo dos prejuízos, os fundos estão descobrindo que os títulos não valem tanto a pena, e que sua venda não chega a afrontar a retirada de depósitos por parte de seus inversores. Dessa maneira, se esta passando de uma abundância de dinheiro disponível ou "liquidez" a uma "iliquidez" onde é cada vez mais díficil conseguir dinheiro para comprar os títulos que os fundos querem vender. Por isso dizemos que estamos no começo de uma crise financeira.

É o fim do "ciclo virtuoso" da economia mundial dos últimos anos?

É evidente que existe um ponto de inflexão para o vigoroso crescimento do que gozou a economia mundial nos últimos anos. Está se encerrando o ciclo que começou em meados de 2002 quando a Reserva Federal norte-americana reduziu de forma brutal a taxa de interesse (chegou até 1%, o menor nível dos últimos 40 ou 50 anos) e começou a emitir moeda massivamente. Estas medidas, junto a passagem do superávit ao déficit fiscal, tiveram o objetivo de evitar que a crise recessiva da economia norte-americana (e, por esta via, da economia mundial) não se transformasse em depressão, nem sequer em uma recessão séria depois da submersão chamada "borbulha da Internet" e do fim da "nova economia" de finais dos anos 1990, que conheceu as maiores bancarrotas corporativas da história dos Estados Unidos, como foi o caso da Enron ou WorldCom. Esta oferta excessiva de dinheiro fácil, de crédito fácil, que via os tentáculos estendidos do sistema financeiro internacional se esparramou por todos os lados, se combinou com a abertura em grande escala do mercado chinês com sua entrada na Organização Mundial do Comércio. Este deu lugar ao que poderíamos chamar uma "simbiose exitosa". Em última instância, os Estados Unidos atuam como o consumidor no grande mercado onde todo o mundo queria vender, e a China se desenvolve como a grande oficina manufatureira mundial.

Esta "combinação exitosa" relançou ao conjunto da economia mundial. Assim, países imperialistas que vinham sofrendo anos de estancamento como Japão, se beneficiaram do empurrão do mercado chinês. Na Europa, onde há um crescimento importante, não só cresce a economia espanhola impulsionada pela construção e pelos serviços, mas também até pouco tempo o chamado "país enfermo" da Europa, a Alemanha, tem voltado a crescer vigorosamente com forte exportações não só na zona européia, mas também nos "países emergentes" necessitados de tecnologia de alta qualidade. Por sua vez, o crescimento da economia mundial fortalece o preço das matérias primas, o que impulsiona a economia da grande maioria dos países semicoloniais, incluídos os africanos.

A América Latina atravessa seu quarto ano consecutivo de expansão da mão de robustos preços das matérias primas agrícolas, energéticas e mineiras. Durante 2006, o crescimento alcançou 5%. É uma cifra que há anos não se via se levemos em conta que, entre 1980 e 2003, a expansão em média alcançou apenas medíocres 2%.

É graças a este contexto interrnacional extraordinariamente favorável que a economia argentina pode evitar a continuidade da depressão depois do crack econômico e default da dívida de 2001/02 e crescer a taxas "chinesas" por vários anos. Também é a razão de fundo da estabilidade relativa dos regimes da América do Sul, que estavam atravessados por levantamentos de massas muito pronunciados no começo da década, como na Argentina, Bolívia e Equador, e foi possível estabilizar nestes anos como novos governos porém com a forte ajuda desse contexto internacional favorável.

Agora estamos presenciando um ponto de inflexão, mais acentuado que a breve correção desatada em fevereiro e março deste ano pela queda das bolsas chinesas como indicam os níveis mais altos de aversão ao risco e volatilidade. Ainda se espera que o crescimento mundial seja alto;
além disso, as grandes instituições financeiras estão bem capitalizadas depois dos recentes recordes de lucros. Mas a extensão do sobre-endividamento e da sobre-especulação poderiam ter alcançado níveis exagerados, e são os que agora estão colocando os mercados "nos nervos". Além disso é preciso levar em conta os efeitos que as dificuldades no mercado de crédito ocasionarão na economia real, em particular nos EUA, cujo destino interfere ainda em grande medida na saúde da economia mundial.

As perspectivas da economia norte-americana
Apesar dos dados positivos que acabam de ser divulgados, que depois de um primeiro trimestre muito baixo (0,6%), houve um crescimento de 3,4% no segundo trimestre impulsionado sobre tudo pelas exportações, de conjunto o crescimento para o semestre está muito abaixo de seu potencial. Entretanto, o prognóstico mais provável é que a economia norte-americana se encaminha para uma recessão ou talvez algo pior.

Aprofundamento da recessão imobiliária

Em primeiro lugar, a recessão imobiliária está cada vez pior. É a recessão imobiliária mais aguda nos Estados Unidos das últimas décadas, com quedas de preços anuais a nível nacional, coisa que não acontecia desde a Grande Depressão de 1929. Isto o afirmam alguns dos mais importantes executivos de empresas hipotecárias, como Angelo Mozilo máximo responsável da empresa californiana Countrywide, quem sustentou que "(..) os preços da moradia estão caindo como nunca, com exceção da época da Grande Depressão". Se acumulam para 2008 moradias novas e velhas impossíveis de vender, além de que isto vai piorar porque muitos proprietários vão ter que vender suas propriedades para devolver os empréstimos. Muitas pessoas que estão endividadas agora têm que pagar ainda mais porque aumentaram a cota do crédito e a moradia vale muito menos do que quando compraram. O que antes foi um círculo virtuoso com taxas baixas de bastante lucro, agora se torna o contrário. A isto há que se somar as vendas dos que especularam com o "ladrilho", o que cavará as quedas dos preços. Por sua vez, as maiores empresas da construção passaram de lucros no ano passado ã grandes perdas, e são as mais afetadas pelas quedas das bolsas.

Forte queda do consumo

Em segundo lugar o consumo privado (que representa 70% do Produto Bruto Nacional) é provável que cresça muito lentamente, depois da significativa queda do segundo trimestre. O panorama para o consumidor está mudando bruscamente. Seu sobreconsumo se baseou no crescimento do valor das propriedades o que fazia com que as pessoas, ainda que tivessem salários mais baixos, se sentissem mais ricas e se endividassem colocando como colateral ou garantia uma propriedade cada vez mais cara, o que permitia endividar-se mais e refinanciar em melhores condições. Agora a película cada vez mais cara, o que lhe permitia envididar-se mais e refinanciar em melhores condições. Agora o filme se reverteu e é necessário baixar abruptamente os gastos para pagar as dívidas, já que sua capacidade de poupança é praticamente nula (a taxa de poupança dos lares nos EUA é praticamente negativa). Esta realidade é a que aparentemente explicaria a forte redução do consumo de um crescimento de 4,2% no primeiro trimestre a 1,3% no segundo. A isto é preciso agregar a incidência do aumento dos preços do petróleo e da gasolina e um mercado trabalhista mais debilitado, que até agora não se vê nas estatísticas de desemprego porque aparentemente o estão sentindo os milhões de trabalhadores sem documentos que trabalham na construção, que foram muito provavelmente a primeira variável de ajuste.

Debilitamento da inversão

Terceiro, a inversão das empresas em software e equipamento vai permanecer débil. Por exemplo, em contraste com o aumento do segundo trimestre deste indicador, se tomamos junho e julho já existe uma baixa em bens duráveis. Com este panorama que descrevemos na construção, uma situação abatida na indústria automotriz e outros setores ligados ã construção em recessão, como a fabricação de móveis, etc., então qual o incentivo para a continuidade de uma forte inversão? O que está mais em favor do crescimento da economia é o aumento das exportações pela baixa do dolar e o crescimento da demanda a nível mundial. Mas estes elementos positivos podem ser contrabalanceados pelo aumento do petróleo e outras commoditties que farão subir a conta importadora. Por último, o crescimento do gasto governamental, que foi de 4,2% tem sido apenas temporário.

Um panorama mais complicado

A todas estas condições da economia real devemos agregar os problemas no mercado financeiro e creditício que podem amplificar a queda. Hoje o mercado creditício está com muita exposição ao risco que sucedeu o colapso em 1998 do LTCM, um hedge fund, fruto da crise asiática e russa e que foi resgatado pela Reserva Federal. E sobretudo cresceu a vulnerabilidade da economia norte-americana no cenário mundial. A confiança no dólar está caindo e há 800 milhões de dólares por ano de déficit de conta corrente. Além disso há que levar em conta os problemas políticos e geopolíticos dos EUA depois da debaclê do Iraque, onde sua fortaleza político-militar era sempre no passado seu grande ponto de apoio frente a suas fraquezas econômicas. Isto não quer dizer os EUA coloquem, por agora, que o resto do mundo siga financiando seus desequilíbrios aproveitando que o dolar segue sendo - apesar do crescimento do euro - a principal moeda de reserva mundial. Entretanto esta solução é cada vez mais insustentável.

Uma saída mais traumática, seria uma desvalorização da divisa norte-americana tentando recompor suas exportações e encarecendo mais suas importações. Mas o nível da desvalorização poderia ser tão grande - além de que teria que evitar que fosse abrupto - que poderia afetar a credibilidade do dólar e a continuidade do financiamento internacional do qual depende. Ambas variantes demonstram que suas margens de manobra se reduziram e a perspectiva de evitar uma solução dolorosa como uma forte recessão, ou algo pior e seguir fugindo como foi feito nas últimas décadas, e em particular depois de 2001, sejam cada vez menos prováveis.

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  • [1Compra com financiamento alheio.

    [2Estes títulos apoiados em dívida se chamam títulos ou obrigações de dívida colateralizada (“collateralized debt obligations” o CDO por sua sigla em inglês).

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