Bolívia: “Curto-Circuito” na Constituinte
Primeira crise política do governo de Evo
14/09/2006
Por: Eduardo Molina
Fonte: La Verdad Obrera N° 203
Quarta-feira, 6 de setembro de 2006
Na sexta-feira, 1/9 o MAS de Evo Morales obteve a aprovação de um regulamento de debates para a Constituinte que, ao consolidar a maioria absoluta (50% mais 1 voto) na aprovação de medidas, lhe permite “soltar” a correia que se impôs ao compactuar com a direita (PODEMOS, Movimiento Nacionalista Revolucionario, Unidad Nacional) além de uma Lei de Convocatória com os “cívicos”que exige a maioria de dois terços para aprovar a futura constituição. Isto provocou o rechaço da oposição burguesa, o que resultou em um escândalo, com o representante do MAS, Román Loayza, gravemente ferido, levando a direita a abandonar a sessão. Com este “curto-circuito” nas negociações se abriu uma importante crise política que coloca em cheque o futuro da assembléia, sendo uma séria demonstração de forças entre a oposição direitista e o governo.
Dias difíceis para Evo Morales
O governo não provém de um “giro ã esquerda” mas de um giro “concertacionista”, buscando limar as diferenças com os empresários, latifundiários e transnacionais, moderando suas tíbias propostas: sua política petroleira sofreu um golpe com o escândalo do contrato Ibero-americana/YPFB (que vulnera seu próprio decreto de “nacionalização”) e a censura ao ministro de Hidrocarbonetos, Solís Rada, no Senado, o que obrigou Evo Morales a permitir que Alvarado “caísse” - ex presidente da YPFB, de filiação nacionalista-. Sua anunciada “reforma educativa” nasce pactuada com os empresários da educação privada e com a Igreja.
Enquanto pede ao imperialismo norte-americano pela ampliação das preferências comerciais da APTDEA (siglas em inglês de Acordo de Preferências Comerciais e Erradicação de Drogas), Evo reconhece que há “coca excedentária”, provocando descontentamento em zonas cocaleiras. Estas concessões não tranqüilizam a direita e ao imperialismo, mas bem (junto ás manobras de Evo para controlar a constituinte) a alentam a exercer mais pressão. Começam, por sua vez, também a minar as ilusões de setores de trabalhadores e do povo, despertando certo descontentamento.
Assim o MAS enfrentou uma importante onda de conflitos na semana passada: paralisação do magistério, transportadores, conflitos no setor de saúde, normalistas, bloqueios rurais e outros, frente ã campanha oficialista contra os “movimentos sociais” que se mobilizam e contra o trotskismo (contra o POR no magistério urbano e contra a LOR-CI em recentes conflitos operários), que para eles significa o fantasma do surgimento de setores radicalizados.
Nesta situação crescem as fricções internas no MAS e maior protagonismo do vice-presidente García Linera e da ala “moderada” que assume as negociações com o Brasil e a Petrobrás, com os EUA, bem como na Constituinte, em que o MAS enfrenta a contradição de buscar um pacto com o conjunto da classe dominante, conservando ao mesmo tempo as ilusões de sua base social.
Demonstração de forças
Estas tensões provocaram a atual crise. A direita e os “cívicos” se reuniram em Santa Cruz para articular suas fileiras, com a paralisação cívica de 8/9 como pressão das regiões que reivindicam a autonomia, exigindo “respeito ã democracia”, tentando chegar a um acordo com setores do Ocidente do país, cientes de que o discurso inflexível regionalista significa um obstáculo para unificar uma alternativa direitista sólida a nível nacional. Ao passo que acusam o governo de “violar a lei”, preparam o terreno para pressões maiores, caso não haja acordo.
Enquanto Evo Morales coloca duras críticas ã PODEMOS e aos prefeitos, ensaiando um apelo ás forças armadas, por outro lado, realiza novas ofertas através de García Linera para modificar o regulamento e alenta a população a se não mobilizar. Sua estratégia consiste um pacto com os representantes dos empresários, os latifundiários e as transnacionais para salvar seu projeto de Constituinte pactuada.
Voltar ã mesa para discutir os termos de uma “Constituinte de concertação”
Dirigentes empresariais, jornais como La Razón o El Deber de Santa Cruz, a Igreja e a “cooperação internacional” exercem pressão no sentido de por um fim na crise, criticando duramente o governo, mas também a “intolerância” da oposição, exigindo um acordo para uma “Assembléia dentro da Lei e da democracia”, ou seja, com maiores concessões e garantias aos empresários, aos latifundiários e ás transnacionais, tratando, porém, de evitar o risco de uma crise de maior amplitude, que poderia alentar a intervenção das massas, um risco que Evo Morales e García Linera não estão dispostos a correr.
Parece, portanto, mais provável que, em torno de algumas disputas, recorram ã mesa de negociações, a fim de chegar a acordos que permitam viabilizar o funcionamento da assembléia - o que não significa que este seja o último “curto-circuito” mas, provavelmente, apenas o início de duros embates políticos quanto ao seguimento e ã orientação das alterações no tipo de regime político estatal e ás regulamentações da economia-.
Alerta para os operários, camponeses e povos originários
O MAS apresenta esta crise como a conspiração direitista contra seu “projeto descolonizador” para “refundar o país”. Trata-se, porém, de uma Assembléia Constituinte que não é livre nem tão pouco soberana, incapaz de responder ás legítimas aspirações democráticas do povo trabalhador, uma vez que em sua agenda não constam as tarefas da libertação nacional e social - reforma agrária, nacionalização dos grandes meios de produção, ruptura com o imperialismo - sem as quais é impensável resolver os grandes problemas nacionais, bem como as demandas mais sentidas: nacionalização efetiva do gás e dos recursos naturais, a terra e o território, o trabalho e o salário, a expulsão das transnacionais, as mais amplas liberdades políticas e de organização para os trabalhadores e o povo, direitos irrestritos ã autodeterminação dos povos originários. A mobilização geral a partir destes objetivos é também a única forma de quebrar o poder das oligarquias regionais e o controle que exercem sobre “seus” departamentos. Porém a política de conciliação de classes do MAS dá margem ã concentração de forças da reação pró-imperialista, confundindo e desmobilizando os operários ecamponeses.
Urgente! Por um Encontro Operário e Popular
Se a direita concentra forças e discute sua política em Santa Cruz, nós, trabalhadores de todo o país devemos fazer o mesmo, para nos colocarmos em pé de guerra contra a reação e por nossas demandas. Chamamos a Federación Sindical de Trabajadores Mineros de Bolivia (FSTMB), o magistério urbano, os trabalhadores da saúde, os sindicatos combativos, a unir forças para impor ã Central Obrera Boliviana (COB) a urgente convocação de um Encontro Operário e Popular; com delegados de base, mandatatados em cada empresa ou fábrica, bairro popular ou comunidade, para discutir uma posição independente e um programa de ação para intervir frente ã atual crise política gerada em torno da Constituinte; para avançar na mobilização e organização pelas demandas operárias e populares.
Esse Encontro poderia erigir uma genuína Assembléia Popular, e contribuir com a preparação política e organizativa para retomar ao caminho de Outubro, o da mobilização revolucionária e do poder operário e camponês, para derrotar a reação e o imperialismo. Propomos a construção de um bloco dos sindicatos combativos e classistas e da esquerda operária e socialista, para impulsionar esse Encontro com uma política independente dos trabalhadores. Com esta proposta intervimos desde a LOR-CI no encontro ampliado da COB realizado em La Paz na quarta-feira, 6 de setembro.
"A libertação nacional e social não está na agenda da Constituinte"
Na Palabra Obrera n° 15, jornal mensal da LOR-CI, no documento “O processo revolucionário, o governo do MAS e a constituinte”, traçamos uma análise da situação política boliviana que demarca a atual crise. O leitor interessado pode encontrá-lo em nossa página da web: www.lorci.org