Após dez meses de luta, com ocupação e gestão operária da produção, resistindo ás postergações conscientes do Ministério do Trabalho e demais instancias do governo nacional, a repressão da Guarda Nacional e da Polícia do Estado de Araguá, a estratégia de desgaste vinda desde o governo, em união com os empresários e os trabalhadores traidores da fábrica, conseguiu um avanço circunstancial. O desgaste golpeou um pequeno setor dos trabalhadores em luta, que aproveitado pelos funcionários pró-patronais (que nunca participaram da gestão operária) para que eles, depois de meses ausentes e em reuniões secretas com o patrão e o governo, ajudar a empresa em bloco e obter uma fortuita maioria em uma assembléia, na qual mudaram os companheiros quem dirigiam o Comitê de Fábrica, assumindo eles mesmo a direção.
A gestão operária e a luta pela estatização
Frente a negativa dos trabalhadores e do sindicato de aceitar as condições de trabalho de super-exploração, o patrão decide fechar a fábrica e a abandonar, mas os trabalhadores a tomaram e deram início ã gestão operária. Entretanto, neste longos nove meses, a gestão dos trabalhadores, sem respaldo material, econômico nem oficialmente legal, com um funcionamento de 30% da capacidade instalada, conseguiu enormes avanços como um aumento (entre salário e vale refeição) equivalente ao salário mínimo, com uma jornada de trabalho de 4 horas diárias, 2.500 salas de baño ao mês, vendendo a preços mais baixos que os do mercado aos habitantes dos bairros e desenvolvendo planos iniciais de doações de seus produtos para escolas e hospitais.
Os trabalhadores adotaram um Comitê de Fábrica eleito em assembléia e revogável a qualquer momento junto a sub-comitês, para levar adiante a gestão operária e a luta. A expropriação da fábrica sem indenização ao patrão, a estatização completa da mesma mantendo a gestão operária, foi a batalha que assumiram mais de 400 trabalhadores e trabalhadoras. Marchas regionais e ã Caracas, reuniões com a Assembléia Nacional (o Congresso) e o Ministério do Trabalho, cartas ao Presidente Chávez e até uma paralisação operária regional em apoio a luta e em repúdio ã repressão, tudo isso se soma à luta operária destes meses. Mas o governo, que se diz “revolucionário”, “obrerista” e até “socialista”, não moveu um só dedo para dar resposta a estas demandas, mas sim o contrário.
A acordo governo-empresário-burocracia
O governo tinha planos diametralmente opostos aos dos trabalhadores. Enquanto vem garantindo a milhares de empresários grandes facilidades para créditos, tecnologia, mercados e até matéria-prima, não deu nenhuma resposta positiva nem apoio ã gestão operária da Sanitários Maracay. A empresa não seria estatizada por porque não era “estratégica”, disse descaradamente o ministro do Trabalho, enquanto o governo concede um contrato ã empresa privada Vencerámica por 36.000 salas de baño. Que se limitaram em pedir suas prestações sociais e aceitaram as demissões que o patrão dispusesse, insistiu o ministro que enchia a boca falando do direto ao trabalho e de seu passado “sindicalista”.
Enquanto tanto avançavam as reuniões do governo com os capitalistas da Branger-Pocaterra para programar a derrota da luta e negociar com o patrão o dinheiro suficiente para que pagasse os auxílios sociais aos trabalhadores e por cima resolver a situação reivindicada pelos trabalhadores em luta. Converteram em afiles um setor dos trabalhadores que abandonaram a fábrica logo no início da gestão operária, e traidor dirigente do sindicato, Humberto López, agora convertido em um agente da patronal e do Estado.
Os enormes obstáculos que a economia e a legalidade capitalista impõem a esta experiência fazem com que as conquistas obtidas tenham limites temporais, tornando as mesmas instáveis.
O governo jogou ao desgaste, com a prática perversa de “deixar que a fome bata e os convença a aceitar as condições patronais”. Esperaram o momento oportuno para Esperaram o momento oportuno para fazer bloco com os trabalhadores esquiroles (pró-patronais) sua volta a empresa, encabeçando uma proposta demagógica: a empresa seguiria em funcionamento, mas proibia a venda da produção, que passaria integralmente ás mãos do empresário; em troca disto os trabalhadores receberiam um salário mais ou menos equivalente ao que recebiam sob a gestão operária e prometiam o imediato pagamento dos auxílios sociais. Com esta proposta atraíram um pequeno grupo de trabalhadores que mantinham a gestão operária, que diante da imperativa negativa do governo ã estatização sob controle operário, enxergam nisto uma saída imediata para sua difícil situação econômica e a de suas famílias. Assim os esquiroles conseguiram uma maioria circunstancial.
Entretanto, imediatamente se revela a farsa e o engano: abandonaram completamente a produção e não cumpriram com o salário prometido; tampouco concretizaram o pagamento dos auxílios sociais. Obviamente, só preparam o terreno para a volta do patrão e a demissão oficial dos dirigentes e dos trabalhadores identificados diretamente com a luta.
Sanitários Maracay: uma “pedra no sapato” para a “revolução bolivariana”
Como vimos, falar uma e outra vez de “revolução” e “socialismo” não tem sido nenhum impedimento para que o governo encabece uma santa aliança com a patronal e a burocracia sindical, colocando todo seu peso para esmagar a experiência de nove meses de produção sob gestão operária (assim como também hoje faz aliança com burocratas golpistas contra as bases dos trabalhadores na indústria petroleira e no setor público). Mas não se trata de “contradições do processo”, nem políticas isoladas de algum ministro, mas de uma política consciente para deter essa experiência, a mais avançada de um conjunto de lutas operárias e processos anti-burocráticos que há mais de um ano vem correndo o país.
A experiência dos trabalhadores da Sanitários Maracay mostrava ao conjunto dos trabalhadores que era possível avançar com seus próprios métodos na luta para vencer a exploração capitalista. Se trata, nada mais e nada menos, de que uma fábrica sem patrão. Não por casualidade foram o eixo organizador e razão de ser da paralisação operária regional no dia 22/05, a primeira em muitos anos. Não por casualidade se tornaram uma referência obrigatória no Araguá e no resto país, intervindo inclusive com a solidariedade ativa em conflitos operários, como o caso da Cativen - propriedade do golpista Cisneros, que hoje convive deleitosamente com o governo-, onde sua ação e apoio foram fundamentais para conquistar a readmissão de 15 companheiros despedidos e o pagamento de 4 dias de salários atrasados. O objetivo claro do governo e do patrão- que forma parte do grupo seleto que o governo designou para exportar para Cuba e outros países- é frear esta experiência que se opõem pelo vértice ao “socialismo com empresários” que Chávez e seu governo propõem, é tentar demonstrar que os trabalhadores não têm capacidade para dirigir as fábricas e distribuir o excedente que eles mesmo produzem, é enviar uma mensagem á estes e ao conjunto da classe trabalhadora que não é possível que ela, com seus próprios métodos e por fora da tutela do projeto do governo, coloque fim a sua exploração, mas que só é possível conseguir suas reivindicações das mãos do governo, de suas políticas e suas alianças com setores do empresariado.
A ação direta dos trabalhadores e setores em luta é um estorvo para aqueles que promovem um grande bloco social “nacionalista” e “patriótico”, onde os trabalhadores subordinem suas lutas e interesses ao “desenvolvimento nacional”, do qual hoje se servem os grandes capitalistas, a “burguesia bolivariana - boliburguesia” emergente, e até as transnacionais do petróleo e do gás. Enquanto o governo segue falando do “poder popular” e de “revolução”, estreita cada vez mais seus laços com o empresariado nacional e estrangeiros, e essa demagogia não pode se sustentar somente com discursos inflamados e uma ou outra reforma progressiva.
Atualmente setores da classe trabalhadora vêm, ainda que a ritmos e graus bastante desiguais, fazendo experiência com o que o qual consideram seu governo, chocando com estas “contradições” que evidenciam o verdadeiro caráter do projeto que Chavez encabeça. Por isso o governo necessita controlar estas expressões avançadas de luta, pois ainda que o objetivo concreto agora seja derrotar essa experiência de gestão operária direta, a longo prazo o que busca é evitar que triunfem neste sentido (verdadeiramente classista e revolucionário, anti-patronal mas também anti-governista), uma série de processos de luta reivindicativos e anti-burocráticos que hoje percorrem setores do movimento operário venezuelano.
Devemos aprofundar a solidariedade que o I Congresso da UNT-Araguá votou, começando para que esta, a C-CURA como corrente nacional da UNT e todas as organizações operárias combativas se proponham a lutar e mobilizar para impor ao governo a expropriação da fábrica, a incorporando na cadeia dos planos de moradia como provedoras de salas de baño.
Desde a JIR insistimos no chamado a redobrar esforços para reverter a atual situação, e seguimos como nossas modestas forças ã serviço desta luta, que já se inscreve numa tradição de luta da classe operária venezuelana que temos que resgatar e recriar nos combates que estão por vir.
|