O parlamento da Turquia autorizou o governo a lançar uma incursão militar contra as bases dos guerrilheiros do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) no norte do Iraque. A permissão prevê mandar tropas quantas vezes necessárias para eliminar os santuários do “ilegal” PKK na zona controlada pelo governo regional curdo do Iraque. Insurgentes curdos mataram 12 soldados e seqüestraram outros oitos num ataque nas imediações da aldeia de Yuksekova. A resposta das Forças Armadas turcas não se fez esperar, abatendo um total de 64 insurgentes curdos na fronteira. Posteriormente, em declarações transmitidas pela televisão turca o chefe do governo turco afirmou que estão concluídas todas as preparações para uma operação militar. O Exército turco concentrou mais tropas na fronteira comum com o Iraque prevenindo uma eventual operação em grande escala para lutar contra os “terroristas” curdos.
O problema curdo explodiu no cenário mundial. Sua importância é bem sintetizada pelo seguinte comentário do Los Angeles Times: “Até o presente, a questão curda era um problema turco, sírio, iraniano e um problema iraquiano. A invasão norte-americana no Iraque o converteu também em um problema norte-americano - e dos mais penosos nos tempos atuais. A incapacidade de bloquear o terrorismo curdo alteraria com razão cinqüenta anos de relações sólidas entre os Estados Unidos e a Turquia”.
O dilema norte-americano
Desde a primeira guerra contra o Iraque em 1991, os EUA defendiam os interesses curdos. Se os EUA retrocedem agora na defesa dos curdos, isto colocaria o conjunto de sua estratégia em um caos. Estamos falando não somente do papel dos curdos no atual governo iraquiano, onde ocupam a presidência. A questão é mais complexa: se os EUA abandonam os curdos em favor da Turquia, o sinal para os outros grupos no Iraque seria de que os compromissos valem até que outros interesses norte-americanos se imponham. Isto poderia levar xiitas ou sunitas a reconsiderar a posição de alinhamento com os EUA.
A importância da Turquia para os EUA salta aos olhos: é o único país que tem um regime democrático burguês no Oriente Médio, o único país muçulmano dentro da OTAN, um aliado de peso no Afeganistão e o principal apoio da invasão do Iraque (70% do abastecimento das tropas de ocupação chegam pelos portos e rotas turcas, apesar da oposição deste país ã invasão do Iraque). Por sua vez, suas relações com o Irã têm se multiplicado. Em um deliberado sinal ã Casa Branca sobre as conseqüências que traria uma solução não aceitável para a Turquia, enviou seu ministro das relações exteriores, Ali Babacan ao Teerã para se reunir com sua colega iraniana, Manouchehr Mottaki. O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, telefonou para o presidente turco, para discutir a crise. Ainda que as relações turco-iranianas não sejam ótimas, a questão curda é uma sobre a qual historicamente a Turquia e o Irã têm acordado. Um alinhamento entre a Turquia e o Irã atinge o coração da estratégia norte-americana cujo eixo é o isolamento e a contenção do Irã. Por outro lado, os EUA estão tratando de encontrar uma saída que não rompa este difícil equilíbrio, questão que se mostrou com a visita da Secretária de Estado, Condoleeza Rice a Ancara, apesar desta ter afirmado que os EUA e a Turquia “têm um inimigo comum” (o PKK) se posicionando em seu favor, por outro não anunciou quais medidas concretas tomará contra a guerrilha curda. De fato, sejam quais forem estas medidas, isso se dará no marco de contradições já que a Turquia não só colocou como exigência a contenção do PKK dentro do Iraque, como exigiu a entrega de vários de seus membros. Apesar dos distintos interesses de acordo com o país onde estão instalados, os curdos ainda constituem uma nação, pelo qual a entrega de partidários que tem lutado a favor da independência seria uma simples e crua traição, com enormes conseqüências no interior do Curdistão iraquiano, a única região estável do Iraque.
Os verdadeiros objetivos da Turquia
O verdadeiro objetivo da Turquia é colocar um freio ã criação de um Estado curdo independente no Iraque que poderia estimular o separatismo curdo na Turquia. Por sua parte, busca posicionar suas tropas para exercer o controle na região frente ã eventualidade de que a situação no Iraque saia de seu controle. Um fator adicional é que a Turquia quer participar dos fartos lucros do negócio petroleiro.
Esta beligerância turca poderia ser o primeiro sinal do surgimento de uma força hegemônica regional, aproveitando as enormes mudanças geopolíticas das últimas décadas, com a desintegração da Iugoslávia, o colapso da ex-URSS e abertura do Cáucaso e, finalmente, ao sul: o caos no mundo árabe. O fracasso norte-americano resultou no despertar das ambições turcas. No marco desta crise a Turquia está tratando de aproveitar brechas e fazer valer seus interesses, o que poderia tornar mais instável a situação do Oriente Médio.
A única solução progressiva ao problema curdo: Fora o imperialismo do Oriente Médio! Não ã invasão turca ao norte do Iraque! Por uma República curda operária e independente para os curdos iraquianos. Estes que apoiaram e são o setor abertamente pró-norte-americano de todas as frações do Iraque, os atuais acontecimentos apontam um limite de sua política de avançar em suas aspirações nacionais como peões dos interesses dos EUA. Como no passado, os países da região ou potências estrangeiras como os EUA ou a Grã Bretanha, usaram o problema curdo como uma ferramenta para pressionar a Turquia, o Iraque e o Irã. Usaram o separatismo curdo como ameaça após ter traído os curdos. O último exemplo foi a repressão dos levantamentos curdos e xiitas por Saddam Hussein, ante o olhar cúmplice dos EUA.
Só uma direção curda operária e independente, a despeito dos partidos burgueses e pró-imperialistas curdos do norte do Iraque ou da direção pequeno-burguesa do PKK, pode unificar a luta nacional dos curdos nos diversos países do Oriente Médio, na luta por uma República Curda Operária, Unificada e Independente que abarque a maioria dos curdos que vivem na Turquia, no Iraque, no Irã e na Síria, no marco de uma Federação de Repúblicas Socialistas de Oriente Médio. Isto só será possível mediante ã expulsão do imperialismo do Iraque e de todo Oriente Médio, a fonte central de todos os males na região, e ao combate ás aspirações expansionistas da Turquia. A classe operária turca, a mais anti-norte-americana da região, não deve ir a reboque do chauvinismo de sua classe dominante, e sim apoiar as aspirações nacionais de seus irmãos de classe.
A questão curda
Os curdos são a maior nacionalidade oprimida sem Estado do mundo. Os 26 milhões de curdos conformam o quarto maior grupo étnico do Oriente Médio, depois dos árabes, dos turcos e dos persas. Na Turquia, com 14 milhões, representam 20% da população, no Irã, com 6 milhões, e na Síria, com 1 milhão, sendo 10%. No Curdistão iraquiano são 5 milhões. Sua dispersão geográfica é subproduto das fronteiras estabelecidas pelas potências imperialistas européias ã saída da I Guerra Mundial após a dissolução do Império Otomano. Esta política de opressão das minorias nacionais tem seu principal alvo nos curdos que sempre foram reprimidos na Turquia e outros países da região com a cumplicidade do imperialismo, negando a eles os seus direitos mais elementares, diretos democráticos. Isto explica a popularidade que ainda mantém o PKK.
O Partido de Trabalhadores do Kurdistão (PKK)
Esta corrente tem origem maoísta, sendo formada em 1978 sob a direção de Abdullah Ocalan, que empreende uma campanha violenta contra o Estado turco. A sua prisão em 1999 é um duro golpe, que leva tal organização a declarar um cessar-fogo unilateral e a revisar suas reivindicações, como a demanda por autonomia, ao invés de independência. Este cessar-fogo é rompido pelo PKK em 2004. Estima-se que haja 37.000 baixas desde 1980 em enfrentamentos entre o PKK e o Estado turco.
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