O general Pervez Musharraf, um aliado chave dos EUA em sua suposta “guerra contra o terrorismo” decretou no dia 03/11 o estado de emergência. Este general que subiu ao poder após um golpe de Estado em 1999 suspendeu indefinidamente a constituição o direito de liberdade de expressão, de reunião, e associação e livre movimento, retirando a autoridade das cortes constitucionais de ditar ordens contra ele mesmo como presidente, o primeiro-ministro e todo aquele que fale em seu nome; impôs uma rigorosa censura ã imprensa, e introduziu duras penas contra o “crime” de “ridicularizar” o presidente, as forças armadas ou qualquer outro órgão executivo, legislativo ou judiciário. Musharraf também destituiu o chefe da Corte Suprema, Muhammad Chaudhry, que deveria deliberar (provavelmente em forma negativa) sobre a legalidade da reeleição presidencial de Musharraf de 6 de outubro. O general-presidente obteve esta reeleição por sufrágio indireto, em um momento em que sua popularidade está em plena decadência.
A cumplicidade dos EUA
Este segundo golpe de Musharraf tem sido avalizado pela administração Bush, pelo governo trabalhista britânico, e outros poderes ocidentais. A secretária de estado, Condoleezza Rice, enquanto descrevia a declaração do estado de emergência como “altamente lamentável”, reafirmava que Washington seguiria cooperando com o regime militar paquistanês. A reação do Pentágono foi ainda mais moderada, com seu porta-voz declarando que o estado de emergência “...não impacta em nosso apoio militar aos esforços do Paquistão na guerra contra o terror”. Estas plácidas reações contrastam com a vigorosa denúncia contra a junta militar birmane (um aliado da China) e sua violenta supressão das manifestações contra o aumento dos preços da gasolina e a falta de liberdades democráticas no mês passado. O que explica isso é que o regime do Paquistão é um aliado chave de Washington em sua política na Ásia Central e Oriente Médio. Musharraf deu apoio logístico ás invasões e ocupações do Afeganistão e Iraque, além de ter provido as agências de inteligência norte-americanas com centros para a prática de torturas. Além disso, conta com armas nucleares que poderia cair nas mãos dos grupos islamitas, um dos maiores pesadelos do Ocidente. Assim, os EUA e seus aliados não retirarão seu apoio a Musharraf. Ao contrário, o aumentarão - como parecem ter feito com êxito ainda que haja declarações contraditórias dos porta-vozes do regime - até que comece a reconstruir uma fachada de constitucionalismo.
Uma situação extremamente convulsiva
O estado de emergência é um ato desesperado de um regime que está perdendo o controle da situação. Este regime militar manteve um equilíbrio difícil: enquanto se representava como um dos baluartes da “guerra contra o terrorismo” de Bush, lançava limitados ataques contra os fundamentalistas islà¢micos em seu território. Neste sentido, o massacre da Mesquita Vermelha marca um ponto de inflexão na relação dos militares com o islamismo político. Dois fatores se combinaram para este giro. Em primeiro lugar, a suspensão do chefe do Tribunal Supremo, Chaudry, abriu espaço para um vasto movimento de massas contra o governo. Este movimento revigorou os partidos políticos burgueses, os quais incorporando-se ás mobilizações encabeçadas pelos magistrados e advogados, chegaram inclusive a chamar greves de massas após os ataques armados dos partidários semifascistas de Musharraf. Este movimento fez o governo recuar, reinstalando o chefe de justiça suspenso. O segundo elemento foi a pressão dos EUA contra a continuidade do uso das fronteiras do norte do Paquistão como base de operações das forças que lutam contra a ocupação da OTAN no Afeganistão. Frente a esta crescente oposição interna e ás dúvidas em Washington sobre sua capacidade ou vontade de conduzir a “guerra contra o terrorismo” em seu próprio território, é que o regime se viu obrigado a um confronto com os fundamentalistas islà¢micos.
Com estas ações, Musharraf tratava de ganhar a simpatia norte-americana, uma vez que se abriria ao Partido Popular do Paquistão de Benzair Bhuto, ex-presidente do país e a favorita dos EUA e da UE para desviar a ação das massas a uma “contra-revolução democrática”. Entretanto, o custo deste giro foi uma maior desestabilização que ameaça estender a guerra civil ao conjunto do país, como demonstra a série de atentados suicidas, expressão da crescente oposição ao regime da maioria da elite religiosa. Com as recentes medidas de emergência, Musharraf isolou as classes médias e profissionais educadas, apostando no apoio dos militares e na sua coesão interna como única via para conservar o poder.
Para Washington o estado de exceção imposto pelo presidente paquistanês ameaça se voltar contra ele, avivando o descontentamento da população contra o Exército - o principal sustentador do Estado paquistanês dado seu caráter fragmentado como nação - e o conjunto da burguesia pasquitanesa, além de multiplicar os atentados extremistas próximos ã Al Qaeda. Era isso o que havia tratado de prevenir promovendo o acordo com o partido populista de Bhuto, a qual já em duas ocasiões salvou os militares do ódio da população preservando a autoridade bueguesa, quando as ditaduras sustentadas pelos EUA colapsaram. O fracasso desta saída complica os planos dos EUA na região, vendo outro de seus aliados iniciar um jogo contra seus desígnios, como é o caso da Turquia em relação ã guerra do Iraque.
Pela greve geral para derrubar Musharraf e toda a ditadura militar!
A primeira medida de emergência é a maior unidade de ação para liquidar o estado de sítio, mediante a imposição de uma greve geral como a que já neste ano fez retroceder parcialmente o general paquistanês. Só mediante uma greve geral indefinida se poderá derrubar a Musharraf e toda a ditadura militar. Benazir Butto, a principal opositora do país com apoio de massas, espera uma espécie de repartição de poder com Musharraf e até agora havia mobilizado seus simpatizantes deixando só os milhares de advogados que encabeçaram os primeiros protestos contra o estado de sítio. Agora, chama uma grande marcha com outros líderes opositores. Em suas declarações ã imprensa disse “se não fazemos nada, então Musharraf pensará que a nação apóia o que passou. O povo deste país quer mudança. Eles querem que o general Musharraf anuncie a restauração da Constituição, sua retirada como Chefe do Exército e a realização das eleições”. A covardia política dos líderes opositores burgueses não tem limites: agora pressionada pelo repúdio ao autogolpe o máximo que chega a exigir é que Musharraf renuncie ã chefia do Exército mas conservando a presidência como civil e a realização de eleições na qual espera ser consagrada como primeiro-ministro, mas sob o marco da ditadura, respeitando desta maneira o anti-democrático de uma ditadura constitucional forjado pelos EUA, Bhuto e Musharraf.
Por isso é essencial que os trabalhadores e pobres da cidade e do campo não confiem nos políticos como Benzair Bhuto que pactuou com o regime de Musharraf em troca do fim de seus processos de corrupção, e que só pode levar ã continuidade concertada do regime militar ou no melhor dos casos a uma saída falaciosa da ditadura para uma “contra-revolução democrática” salvando as forças armadas assassinas. E menos ainda a uma posição independente dos EUA. Estes políticos patronais estão contra desatar com suas ações uma mobilização independente das massas operárias e camponesas que não só jogue por terra a ditadura, como que ponha em questão o domínio das forças armadas.
Por isso, a queda da ditadura só pode vir da ação independente dos trabalhadores e dos pobres da cidade e do campo. Para conseguir esta saída é essencial que a classe operária que vem resistindo contra os planos neoliberais de Musharraf se localize como caudilho da nação, lutando para liquidar Musharraf e a ditadura e o peso das Forças Armadas na vida do país, ao redor de uma poderosa aliança das classes que não só tome em conta suas reivindicações de classe, como também as demandas destes setores oprimidos, lutando pela expropriação dos grandes latifundiários e pelo fim dos bandos armadas nos povos formando uma milícia operária/camponesa.
Só se a classe operária se coloca como a maior defensora dos direitos democráticos elementares das massas na luta contra o imperialismo, a ditadura e as Forças Armadas assassinas, será capaz de tirar os pontos de apoio ás forças islà¢micas, que ainda que se enfrentem ao imperialismo - enfrentamento que todo revolucionário deve apoiar - jogam um papel fortemente reacionário na política interna atacando todo militante de esquerda ou mulher que não apóie a implementação da sharia (leis islà¢micas). Só a classe operária encabeçada por um partido revolucionário, que una a luta democrática estrutural à luta pela revolução socialista pode extirpar a exploração, a corrupção e o domínio militar do Paquistão, das duas forças que o vêm dizimando e que como demonstrou o escandaloso acordo entre a populista Bhuto e Musharraf estão fortemente entrelaçados.
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Para saber mais
O Paquistão é formado por cinco grupos étnicos: punjabíes, pastunes, cachemires, sindhis e baluches. Nenhum destes grupos é inteiramente paquistanês, como é o caso dos baluches que também estão no Irã, pastunes no Afeganistão e os punjabíes na Índia. Devido a suas fortes divisões - fruto da conquista britânica da Índia e das fronteiras que foram herdadas pelo Paquistão e demais países da região quando se separou da Índia em 1947 - as forças armadas tem sido o elemento central do Estado já que garante a coesão do país. Não por casualidade o país passou mais da metade de seus 60 anos de existência sob o mando de generais golpistas. Por isso uma questão determinante da evolução do país é a unidade das forças armadas, seja pela via de fraturas pelo alto ou pelo surgimento de insubordinação na tropa.
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