Jovens dos subúrbios de Paris se amotinam contra a polícia
Como prevíamos na última edição do LVO, a abertura de negociações por parte da empresa no dia 21/11 foi a desculpa utilizada pela burocracia sindical de todos os sindicatos do transporte para levantar a greve. Uma verdadeira traição. A tenacidade da base manteve o sistema ferroviário nacional, o metrô e o transporte coletivo da região parisiense paralisados durante nove dias. Porém a ausência de uma alternativa ã colaboração das direções sindicais com a contra-reforma capitalista impediu que a luta avançasse e as assembléias votaram a volta ao trabalho. O salto colaboracionista da CGT de Thibault foi essencial. “Devemos salvar o soldado Thibault”, resumia Sarkozy, seu intérprete com as exigências da CGT, conferindo-lhe tempo para que convença a base da futilidade de uma luta mais extensa. Deste modo, o governo de “direita dura” obteve uma vitória na primeira prova de força com o movimento de massas. É fundamental que os trabalhadores tirem as lições deste combate e preparem-se para superar a burocracia sindical, o primeiro passo para que se coloque a possibilidade de derrotar Sarkozy e seus planos nos próximos enfrentamentos que inevitavelmente estão por vir. Sem dúvida, apesar deste avanço importante do governo, o panorama social na França está muito longe da normalidade. A continuidade da luta estudantil e o estalar de um motim dos jovens em algumas localidades das periferias (banlieues) de Paris são as atuais frentes de batalha.
Grupos de jovens protagonizaram durante duas noites uma revolta localizada contra as forças de repressão em Villiers-Le-Bel e outras localidades vizinhas após a morte de dois adolescentes de 15 e 16 anos, Larami e Mouhsin, que viajavam de moto e se chocaram com uma viatura policial. A expressão de raiva foi tal que uma agente foi queimada e outra saqueada, além dos mais de 82 policias feridos e da destruição de vários postos comerciais. Estes enfrentamentos lembram o levantamento das banlieues de 2005 que abalou a periferia de Paris e outras cidades francesas por dias. Atualmente, a situação não se alastrou como aquele episódio, ainda que as condições estejam latentes. Eis que dois anos mais tarde, nada mudou, e se mudou, foi pra pior. Todos os indicadores de precariedade, desemprego, miséria e violência subiram. A marginalização e o racismo sobre estes jovens franceses de pais de origem árabe-muçulmana, em sua maioria, que se expressa cotidianamente, saindo da escola e andando de trem para ir a trabalhar ou estudar e nos postos de trabalho (quando o conseguem) se aprofunda e ninguém espera a mínima solução do presidente Sarkozy, que chamou estes jovens de “escória”(“racaille”) quando ainda era ministro do Interior do antigo governo. As medidas de repressão também se endureceram, bem como a determinação e o preparo dos jovens em seus enfrentamentos com as forças da ordem, sendo os enfrentamentos destes dias (ainda que reduzidos) mais violentos que durante as três semanas de dois anos atrás.
No Le Monde de 28/11, em una nota entitulada “Banlieues: cenas de guerrilha urbana em Villiers-Le-Bel” lê-se a seguinte descrição: “Nem bem apagaram-se as luzes, os jovens os atacaram com ladrilhos, fogos de artifício, foguetes ’mamouth’ - dos grandes. Cada vez que um policial é atingido, os jóvens festejam, braços erguidos. O mesmo grito de vitória era sentido quando retrocediam. Sobre os capôs dos automóveis, tiravam fotografias com seus celulares. ’Atacar um policial’, um ’rato’, um ’porco’: durante três horas um punhado de menores remetiam as consignas: ’Mantenhamos-nos unidos!’, ’Solidários, os jóvens!’. E os amotinados, disciplinados, avançam com suas consignas. Os ’pequenos’ - alguns com não mais que dez anos de idade - fazem a cobertura. Correm aos policiais e atiram Coquetéis Molotov; os mais velhos esperam até que o caminho esteja livre para incendiar automóveis e lojas, se aprovisionam nos reservatórios de três automóveis ‘do bairro’ onde enchem as garrafas e em seguida as jarras de vidro. Um jovem vigoroso vestido de preto, com um walkie-talkie conectado na freqüência de onda da polícia, guia a equipe.” Os jovens não estão isolados nos bairros: “Algumas mulheres atiram água das sacadas para aliviar os olhos vermelhos de seus ’filhos’. Quando a polícia ataca, moradores de alguns apartamentos não hesitam em atirar pedras. Nas ruas e nas calçadas, todas as armas são adequadas: cabos, uma espada, um fuzil... Porém a maioria luta com bastões de madeira ou barras de ferro encontradas nos canteiros de obra. Se aprovisionam de garrafas nos depósitos de vidro para reciclagem”. Foram abandonados pelas organizações oficiais da esquerda, o PS e o PC, bem como a cúpula dos sindicatos. Assim como em 2005, as direções das organizações sindicais e políticas da centro-esquerda estão do lado da polícia, ou no melhor dos casos, pede para que a tropa reprima de forma “republicana”. Como em 2005, quando foi decretado estado de emergência, a repressão dirigida contra os jovens de Villiers-le-Bel, que por duas noites enfrentaram mil agentes da polícia respaldados por helicópteros, foi um golpe dirigido ao conjunto de nossa classe e da juventude. Por isso é fundamental que os trabalhadores e os estudantes tomem para si as reivindicações dos jovens das banlieues. A extrema esquerda deveria estar na linha de frente para levar adiante esta batalha. A única forma de se fazer com que a fúria dos jovens se desenvolva por vias classistas e não em ações isoladas cujo alvo não seja apenas as forças da polícia, é que pelo menos uma fração da vanguarda operária que lutou nas últimas semanas e está cotidianamente em contato com esses setores combativos, nas escolas, nos trens, se dirija a estes jovens guetizados e marginados pelo Estado, seus tribunais, sua polícia, suas instituições, demonstrando claramente que sua luta é a mesma, que o alvo do ódio de classe não pode se restringir a queimar uma biblioteca comunitária ou saquear a estação de trem, e sim a burguesia, seu Estado e seu braço armado. É necessário que desde já as assembléias estudantis e as novas marchas previstas tenham como consigna: “Basta de repressão a nossos irmãos de classe, os jovens da banlieue! Por uma comissão investigadora independente das organizações operárias e estudantis para indagar sobre a morte de Larami e Mouhsin!”.
Continua a luta dos estudantes
Com o fim da greve dos trabalhadores dos transportes, a pergunta não se cala entre os estudantes mobilizados era “poderemos seguir em luta e quiçá chegar ã vitória?” A primeira parte da pergunta começaria a ser respondida nas assembléias do início da semana pela votação sobre a continuidade dos piquetes e da greve. Estas assembléias demonstraram que o movimento estudantil continua mobilizado e pretende avançar: a continuidade dos piquetes e da greve foi votada pela ampla maioria das assembléias das quais tivemos notícia até o fechamento desta matéria. As marchas da jornada de terça-feira foram chamadas pela Coordenação Nacional e sem a presença da UNEF (Federação Nacional), sendo sensivelmente mais expressivas que as marchas estudantis anteriores (ainda que não sejam massivas como durante a luta contra o CPE em 2006), reunindo dezenas de milhares de estudantes em toda França. Mas a grande novidade que chegou para a alentar a luta contra a lei de autonomia das universidades foi a entrada em cena dos secundaristas, com una rapidez impressionante. Na terça-feira, já havia mais de 150 colégios bloqueados em todo país e os secundaristas foram parte importante das mobilizações. Isto, somado ás mais de 40 universidades bloqueadas e outras 20 com níveis variados de mobilização e com o início da mobilização entre os professores e funcionários da educação, são componentes de um quadro bastante convulsivo no sistema educacional francês.
Enfrentamento físico em Tolbiac
Mas também a polarização já existente, que se expressou com força nas semanas anteriores, entre os estudantes grevistas e os fura-greve, tornou a aparecer, alentada pela direção da universidade, em um incidente da Faculdade de Tolbiac, uma das mais mobilizadas da região parisiense. A direção da universidade enviou e-mails aos estudantes anunciando que se não voltassem ás aulas na segunda-feira 26/11, o quadrimestre não poderia ser validado na data prevista, e os estudantes teriam que fazer as provas em setembro, perdendo a possibilidade de ter provas substitutivas (para os que não foram aprovados na primeira) que ocorrem normalmente nessa época. Era um convite claro para que os fura-greve acabassem com os piquetes. Para completar, as portas onde há um controle para permitir que só entrem os estudantes de Tolbiac, na segunda-feira amanheceram abertas aos fura-greve de fora. Resultado: enfrentamento físico entre várias centenas de estudantes, com pelo menos uma dezena de feridos. Mas apesar de tudo, o piquete foi mantido.
A UNEF: preparando sua passagem definitiva “para o outro lado”?
Enquanto isso, a UNEF - que no fim-de-semana se retirou da Coordenação Nacional após um número significativo de seus delegados, eleitos através de fraudes, não serem reconhecidos pela coordenação - se sentou para negociar na última terça-feira com a ministra Pecresse, não sobre a lei, já que afirma que “a lei é um fato consumado”, mas sobre os milhões de euros anuais que a ministra anuncia que o Estado vai investir na Universidade nos próximos cinco anos, como concessão para barrar o movimento. A direção da UNEF, após a negociação com o governo, rechaçada pelo movimento estudantil em luta, cuja consigna é “Não ã negociação sem a derrogação” da lei de autonomia universitária, alegou que há “avanços importantes que devem ser considerados pelas assembléias” e que ela mesma está estudando que posição ter sobre a mobilização.
“Universidade a venda”
O comitê de mobilização da Universidade de Evry colocou um anúncio na página de web da remates e-Bay que diz “Vende-se, em bom estado, modelo recente (20 anos) (...) cerca de 10.300 estudantes, precarizados e ã serviço de suas empresas (...) 377 funcionários, a maioria com contratos de remuneração light (com grande facilidade de demissões), mais de 1.600 funcionários, a maioria com contrato temporário, a um preço promocional para manejar sua cultura de empresa”. O anúncio recomenda a instalação de um “filtro de inscrição” e esclarece que não há possibilidade de entrega, que “o comprador venha buscar o produto”. As ofertas já passaram dos 37 euros iniciais a dez milhões de euros na data de lançamento!!!
Tradução: Marina Ramos
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