Qual é o verdadeiro conteúdo político e de classe da Reforma?
– 1- QUAL É O PROJETO DO GOVERNO?
Para compreender com clareza o que busca a Reforma, temos que partir de clarificar qual é o projeto que o presidente Chavéz encarna. Como sempre viemos assinalando, se mais além da retórica e frases altissonantes contra o capitalismo, nos guiamos pela real política do governo, é fácil se dar conta que não existe nenhum projeto revolucionário anti-capitalista. Ao menos que alguns não queiram ver é óbvio que a estrutura capitalista do país segue sendo a mesma herdada do puntofijismo: existe a propriedade privada (e a exploração capitalista) nas indústrias, empresas, bancos, comércios e no campo, que convivem com a propriedade privada da PDVSA e algumas outras empresas. Assim mesmo, a estrutura de classes sociais e a posição de cada uma no aparato produtivo e político seguem intactas: os trabalhadores (a cidade e do campo) produzem tudo e não são donos de nada mais do que seu salário, os capitalistas exploram a força de trabalho e são donos do que é produzido; o Estado e suas instituições seguem sendo as mesmas, por isso a classe trabalhadora e o povo pobre não têm nenhum mecanismo de poder real que lhes permita dirigir o país.
Isso apesar do chavismo estar no poder há mais de 8 anos, e de que a mobilização popular e a ação operária tem encostado a reação na parede em mais de uma oportunidade!
Na realidade, se trata de um nacionalismo burguês, isto é, uma tentativa de desenvolver a indústria e a produção nacionais nas mãos dos capitalistas “produtivos”, com a busca de maior independência frente as capitais imperialistas e dos EUA. Uma aliança do Estado, que maneja o PDVSA, os setores "productivos" e "nacionalistas" do empresariado nacional, junto ás trasnacionais do petróleo e do gás, com as quais se renegociam as condições de exploração no país, essa é a base fundamental da política econômica de Chávez.
A isto, que é o determinante no projeto econômico do governo, se somam o financiamento a pequenos empreendimentos produtivos (cooperativas, micro-empresas, etc.) - que não têm nenhum peso real na economia nacional -, assim como o destino de parte da renda petroleira em planos para tentar paliar as necessidades mais urgentes do povo pobre ou cobrir compromissos salariais e de seguridade social atrasados com os trabalhadores. Nada deste esquema de “socialismo com empresários” será alterado com a Reforma Constituicional (RC).
– 2 - UMA REFORMA PARA APROFUNDAR O CARáTER BONAPARTISTA DO REGIME
Entretanto, este projeto se enfrenta a uma sociedade cruzada por um forte confrontação social e de classes. Estamos presenciando um projeto que busca “desenvolver” o país se apoiando e impulsionando setores específicos da burguesia nacional, devendo contar ao mesmo tempo com um movimento de massas que desde as jornadas dos dias 27 e 28 de fevereiro do ano de 89, tem entrado no cenário nacional com muita força, dando o golpe de morte ao regime burguês de então, e que ainda hoje espera ver resolvidas suas demandas sociais e políticas mais sentidas.
Por isso o governo pretende ter cada vez mais poder em suas mãos, pois para desenvolver tal programa, Chávez necessita se fazer de “árbitro” entre os interesses contraditórios de classe, fundamentalmente entre os trabalhadores e o povo pobre por um lado e os capitalistas pelo outro; mas também entre as disputas entre os distintos setores burgueses nacionais, assim como entre os interesses do conjunto do empresariado nacional e os capitais imperialistas. Chávez pretende designar-se a si mesmo e ao governo como o grande regulador da luta de classes, dando algumas concessões e também disciplinando, quanto ache necessário, tanto o movimento de massas como as frações das classes dominantes que não se submetam a seu projeto político. É isso o que a teoria marxista vem a chamar de bonapartismo. O PSUV e agora a RC, são os instrumentos políticos legais com os quais se propõe avançar neste terreno: assim, no que se refere ã classe operária, busca assegurar-se que não surjam com força, ou limita-las quando já sejam um fato, experiências como a de Sanitários Maracay, onde os trabalhadores, ainda confiando em Chávez, encabeçam a luta contra o capitalismo com seus próprios métodos de classe e enfrenntam a política governamental de acordos com os empresários, chegando inclusive a também enfrentar o governo.
Regimes com características similares, como o primeiro período de Perón na Argentina, ou Cárdenas no México, também se fizeram de mecanismos de cooptação e controle do movimento de massas: no caso de Perón, controlando as organizações operárias sindicais mediante a combinação de concessões e punições, chegando até a colocar a CGT (Central Geral dos Trabalhadores) sob a disciplina do Partido Justicialista; no caso de Cárdenas, também se avançou em cooptar as organizações operárias e camponesas desde o Estado, inclusive as fazendo participar das eleições internas do partido de Cárdenas, ainda quanto formalmente eram “independentes” do mesmo.
– 3 - E A OPOSIÇÃO DE DIREITA?
a) Quem faz a campanha pelo “Não” ?
Por isso é que mais além da generalização de ver a oposição de “a direita” ã RC, convém descer estas definições ã terra, a questão desde as classes sociais. É claro que o grosso da burguesia nacional e os latifundiários não reconhecem este governo como seu, não confiam nele e, se tivesse força, o tirariam do poder, mas não é menos certo que depois de suas fracassadas tentativas golpistas, as classes proprietárias têm mantido seus bens e negócios intactos, “normalizando” - no sentido burguês - suas relações com o governo. Porém mais ainda, tem depurado claramente o setor da burguesia que o governo estava buscando como aliado: setores “produtivos” do empresariado nacional (incluindo fazendeiros e agricultores), e da média e pequena burguesia, em muito dependentes da proteção e ajuda estatal, conformaram a “Confederação de Empresários Socialistas (!) da Venezuela”, que se sustentam da Confagan e de Empresários pela Venezuela, abertamente chavistas.
Tamanha sorte que nem todos os setores das classes proprietárias se opõem a Chávez e sua Reforma, mas existem frações que a defendem. Por sua parte, há bastante tempo que as associações patronais opositoras decidiram, como “gesto” de convivência que o governo lhes pedia, “se dedicar a produzir e não a fazer política”, de maneira que, ainda quando claramente não estão a favor da Reforma, não cumprem um papel abertamente opositor como no período de 2001-2004, isto é, hoje não existem ameaças de paralisações patronais, fechamento de comércios, etc., como armas de pressão contra o governo. Em suma, enquanto um setor (não majoritário obviamente) dos capitalistas e empresários do campo é chavista e faz abertamente campanha pelo “Sim”, o outro setor se opõem mas sem participar abertamente da campanha política, deixando o protagonismo principal aos partidos e ao movimento estudantil de direita, diferentemente de anos atrás quando eram cabeça visível e dirigente, convocando paralisações patronais para impor sua vontade.
b) Por que a reação se opõe? O que esconde em seu discurso?
Neste marco, a campanha pelo “Não” se faz em nome da defesa da propriedade privada, da “democracia” e do “pluralismo político”, com um profundo caráter reacionário, pois se trata da férrea defesa da propriedade capitalista. É que se bem o governo não se propõe avançar contra a propriedade privada, a enorme concentração de poderes no Executivo e as definições formais de “socialismo” na RC, como apontamos acima, vêm a dar mais poder a um governo que, se necessita disso, poderia atuar para disciplinar os setores burgueses ou latifundiários que não se orientem por seu programa político, em proveito do controle estatal ou inclusive o setor burguês emergente que apóia Chávez.
Essa é a verdadeira razão pela qual este setor da burguesia e seus políticos falam dos direitos democráticos, porque vem em sua limitação uma possibilidade de ter as mãos livres para atacar suas propriedades, assim como também lhes fecha as possibilidades de fazer oposição com seu projeto burguês de país, desde instância do próprio Estado (governos e prefeituras por ejemplo), ao projeto “nacionalista” e “popular” de Chávez.
Mas também um grande cinismo e descaramento quando denunciam o caráter autoritário que cada vez mais o governo toma. Em primeiro lugar, pretendem ocultar que a “democracia” do puntofijismo sempre foi um regime profundamente repressivo, inaugurando a perversa política de “desaparecidos em democracia”, e depois que, pra dizer a verdade, qualquer governo burguês, ainda que varie suas formas e métodos, é “autoritário” contra o povo trabalhador, e mais ainda hoje em nosso país, onde qualquer projeto burguês deverá se enfrentar com o movimento de massas em luta. De fato, qualquer governo da oposição burguesa com segurança será bem mais “autoritário” e repressivo, e a mostra mais contundente disto é precisamente o breve governo Carmona, apoiado por toda a direita, que levou a cabo de maneira brutal parte, e mais, do antidemocrático que hoje questionam da RC: suspensão do direito ao devido prosesso, cerceamento da liberdade de expressão, desconhecimento do voto popular, repressão, etc.
– 4 - CONCLUSÃO
Estamos diante da presença de uma proposta de RC que procura ampliar as margens do poder do governo para institucionalizar a luta de classes e os movimentos das distintas classes, no caminho de seu “socialismo com empresários”. Esre é apoiado por um setor burguês e donos que apóiam o governo e recebe deste o incentivo, enquanto os setores majoritários da classe dominante lhe opõem defendendo a Constituição burguesa de 1999. Frente a este cenário, os trabalhadores, trabalhadoras e o conjunto do povo pobre, deve precisam ter em mente que nenhuma Constituição que fixe as bases legais do capitalismo é uma opção para a classe trabalhadora, nem a de 1999, nem a atual reforma são alternativas revolucionárias, ao contrário, com mais ou menos retórica demagógica sobre direitos democráticos uma, o poder popular, a outra, com mais concentração de poderes no Executivo, a segunda que a primeira, ambas garantem a continuidade da exploração dos trabalhadores da cidade e do campo, ambas fincam os marcos da sociedade de classes.
Tradução: Clarissa Lemos
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