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“Um incêndio de rápida propagação”
por : Marcelo Torres

15 Apr 2008 |
“Um incêndio de rápida propagação”

A rápida erosão da legitimidade democrático-burguesa, suas instituições e uma classe dirigente metida em escândalos de corrupção e fraude fiscal se dá num marco de um vertiginoso crescimento da desigualdade salarial e de um aumento da inflação que não parece se deter. O governo, pressionado pela burguesia para que aprofunde o curso precarizador aberto pela social-democracia de Schröder e pelo crescente número de greves que ultrapassam o limite das negociações habituais, não é capaz, por hora, de superar sua desorientação, o que por sua parte incentiva as lutas operárias.

Na imprensa burguesa, os passos ministeriais e do parlamento se dão com o pavor de que aqueles anos dourados de “colaboração social” entre os trabalhadores e a burguesia tenham começado a deixar de ser o mais natural do mundo, pois os trabalhadores, cansados de verem como suas conquistas históricas são eliminadas uma a uma, e no marco geral do crescimento econômico, hoje em perigo pela crise financeira, tem começado a lutar para recuperar parte do perdido. As burocracias sindicais, por sua vez, incluindo as supostamente mais combativas como a GdL (ver quadro), ainda têm muita margem de manobra para negociar com a patronal nas costas dos trabalhadores, tanto pela divisão em suas fileiras, como pela baixa subjetividade. Por isto, até agora as lutas operárias não se têm traduzido na aparição de tendências antiburocráticas e combativas no seu seio que, abarcando a amplos setores do proletariado, ponham em questão a luta política contra as medidas precarizadoras de Schröder e da Großkoalition.

No entanto, para as direções sindicais hoje é mais difícil chamar as rotineiras greves de aviso de poucas horas para depois se sentar pra negociar com a patronal enquanto o governo abençoa os acordos e o bendito clima de negociações. Os grandes sindicatos tem perdido desde os anos ’90 mais de 4 milhões de afiliados, cansados pela política de submissão ã patronal e traição dos interesses operários ante a persistência dos ataques da burguesia e, assim, as novas mediações aparentemente mais combativas como o GdL se vêem obrigadas a se mostrar mais radicais para não seguir perdendo legitimidade diante das bases.
Nos encontramos no inicio de uma dinâmica que, se se aprofundar, poderia implicar uma profunda mudança na relação capital-trabalho que, se superar seu caráter reivindicativo, poderia passar a um enfrentamento diretamente político contra as patronais estatais ligadas a coalizão governamental, sobretudo ao SPD e, por sua vez, superar a burocracia sindical.

A mudança paradigmática em curso tomou força com a greve ferroviária que pôs de ponta cabeça na relação entre governo, capital e trabalho. Esta crise política, que se dá no marco da crise mais geral da social-democracia, ameaça, ademais, em arrastar o resto dos partidos centrais da ordem do pós-guerra.

Lutas operárias: um “incêndio de rápida propagação”

A greve ferroviária partiu da exigência de um aumento salarial de 31%, mais uma redução da jornada de trabalho e do reconhecimento do pequeno sindicato GdL, que não é parte da Confederação Sindical Alemã (DGB), como negociador representante dos maquinistas, e terminou com um aumento salarial de 11%, a redução do tempo de trabalho semanal em uma hora e o reconhecimento do sindicato como negociador. Outro efeito colateral da luta dos trabalhadores ferroviários agrupados no GdL é que a DB (empresa alemã de trens) concedeu um aumento salarial para os afiliados do outro sindicato presente, Transnet, sem terem feito nem um minuto de greve, na tentativa de esvaziar e evitar uma eventual radicalização de seus afiliados.

O nervosismo e a virulência dos ataques da burocracia sindical para com os dirigentes do GdL se explica pelo fato de que os trabalhadores na Alemanha começam a exigir que o aumento inclua a liquidação salarial dos últimos anos, dando lugar as palavras de um sindicalista, de que há um “incêndio de rápida propagação que tem devolvido o valor a muitos trabalhadores e empregados em todos os ramos” [1]. Nesse sentido é que os trabalhadores de serviços das lojas de T-Punkt (Deustsche Telekom) receberão um aumento salarial de 3,8% mais um pagamento único de 650 euros depois de terem levado a cabo um sem número de greves de aviso; os metalúrgicos conseguiram um aumento salarial de 5,2% e um pagamento de 200 euros por um ano. O massivo acatamento da greve do IG-Metall e a alta predisposição à luta expressada, bastaram para que a patronal aceitasse as exigências operárias antes de que as greves se fizessem efetivas. E, ainda, a patronal metalúrgica não podia se dar ao luxo, diante das capacidades produtivas utilizadas plenamente e com os livros de pedidos cheios. O resultado das negociações no setor metalúrgico horrorizam a patronal alemã, que, diante das muitas negociações que estão por vir, se estremecem ao pensar que os trabalhadores possam começar a reverter as conquistas capitalistas dos últimos anos. Por isso é que o chefe da União de Federações Patronais, Dieter Hundt coloca que o resultado “não pode ser aplicado de nenhuma maneira a outros ramos econômicos” [2].

A onda de greve que se tem desatado contra as exigências dos patrões comuns e do Estado federal de um aumento da jornada de trabalho sem compensação salarial é enorme e insólita por sua massividade e disposição. No setor de serviços, pararam transitoriamente em duas ondas grevisticas; primeiro 18.000 e depois 22.000 trabalhadores. Junto ao transporte, creches, hospitais, administração e serviço municipal de coleta de lixo, pararam também setores nos aeroportos.
Em Berlim, o chamado ã greve indefinida pelo aumento salarial de 12% por parte de ver di para o setor de transporte público, foi um exemplo sintomático desta “nova realidade” que se vislumbra. O sindicato ver di, sob pressão pelo êxodo massivo de afiliados a GdL, no setor de transporte publico, se viu obrigado a radicalizar seus exigências. A contra-ofensiva por parte da Câmara de Industria e Comércio (IHK) de Berlim junto aos meios de comunicação burgueses não se fez esperar. Sob o slogan “Desarticular o BVG” incentivando a privatização da empresa de transportes, a patronal apontava para evitar o que chamou da” chantagem” de ver di em Berlim.

Enquanto a patronal redobra seus ataques contra os trabalhadores, a burocracia sindical de ver di terminou firmando o convenio coletivo para os 1,3 milhões de empregados da patronal estatal e dos municípios. Ocorre que ver di terminou fechando acordos em prol da “paz social”. Agora são os trabalhadores os que, contrariamente ã exigência inicial, obterão apenas uma “compensação inflacionária” [3] sem compensar o perdido nos últimos dez anos. Além disso, os trabalhadores deverão trabalhar uma hora a mais por semana e nenhum dos demitidos será reincorporado. A patronal respirou aliviada, pois se evitou a paralisação em “setores sensíveis” da economia alemã como são as centrais energéticas ou hospitais.

O governo de Die Linke na prática

Os trabalhadores não somente tem que lutar contra os patrões e suas direções sindicais traidoras, mas também contra aqueles dirigentes que dizem querer governar respeitando os interesses dos despossuidos. Em Berilim, SPD e Linke, ostentando seu cinismo, denigrem a luta dos trabalhadores querendo dividi-los entre velhos privilegiados (90%) e novos precarizados (10%), “compreendendo” as exigências dos novos empregados e criticando as dos velhos por serem “privilegiados”
Assim, a alternativa reformista da “nova” social-democracia - Die Linke - termina onde a história - o SPD - acabava de começar : no aprofundamento da precarização de amplos setores da população e de sustentação ideológica de um Estado que de “social” restam somente seus representantes.

Os trabalhadores dos trens se organizam em três sindicatos:

 Transet agrupa grosso modo os empregados das estações, bilheterias e trabalhadores de vias.

 GDBA representa os empregados estatais, que foram absorvidos antes da privatização dos Trens Federais em 1994

 GDL (Sindicato de Maquinistas Alemães) agrupa os maquinistas, cobradores e camareiros de trens.

Os dois primeiros se agruparam em uma “comunidade tarifária” (convenio salarial), pactuando com a patronal um aumento salarial de 4,5%. É importante destacar que cada sindicato coloca suas exigências, mas somente para seu representados.

Traduzido por: Felipe Lomonaco

 

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