No dia 4/5 na província boliviana de Santa Cruz, a direita obteve um triunfo político importante, apesar de limitado, com a vitória do ’sim’ no referendo pela autonomia da província. Agora, enquanto o governo trata de diminuir a derrota e insiste em negociar, o calendário autonomista da região da "meia-lua" segue em frente. O "diálogo nacional" que o governo de Evo Morales propõe só pode se dar ás custas dos interesses dos operários e dos setores populares. O povo trabalhador está disposto a combater, mas os dirigentes têm desmobilizado a serviço do governo. Para liberar toda a força das massas há que romper a subordinação da Central Obrera Boliviana (COB), e das organizações populares ã política pacifista do governo. Cada luta operária e popular que triunfe ajudará a construir a contra-ofensiva dos trabalhadores, camponeses, povos originários e setores populares.
Apresentamos uma entrevista com Javo Ferreira, dirigente da LOR-CI, organização irmã da LER-QI na Bolívia e integrante da Fração Trotskista - Quarta Internacional. A LOR-CI foi a única organização trotskista a intervir com uma posição classista e independente na concentração em Plaza San Francisco, que reuniu milhares de camponeses, trabalhadores e setores populares do Altiplano e de Yungas.
– 1 O que foi o referendo autonômico e quais são seus resultados?
O referendo autonômico levado a cabo no dia 4 de maio no departamento de Santa Cruz, foi um passo a mais na ofensiva política que os latifundiários e a burguesia nacional vêm impulsionando detrás do Comitê Cívico e da Prefeitura do departamento.
As tentativas do governo de Evo Morales de chegar a um diálogo antes desta ação política fracassaram e hoje os prefeitos restatantes com processos de referendos autonômicos em marcha declararam que antes de ir ao diálogo continuaram com a aprovação de seus respectivos estatutos. Nestes momentos, para além da luta pelas cifras do referendo, o nível de abstenção - cerca de 40% - é certo que a reação burguesa obteve um importante ponto de apoio na demanda de autonomia, demanda que contraditoriamente vem legitimando com referendos ilegais. Porém, como também mostraram os massivos cabildos [1] e mobilizações em La Paz, El Alto, Oruro e Cochabamba, assim como as ações de boicote ativo do referendo em pelo menos quatro centros urbanos importantes do Oriente, como são Camiri, rica região petroleira, Yapancani, San Julián e Montero, mostram que a vontade de luta do movimento de massas existe e que o único que impede passar ã ofensiva é a política das direções sindicais operárias e camponesas.
– 2 Qual foi a política do governo?
A política do MAS teve coerência com o que vem declarando nos últimos meses. Durante todo este tempo tentaram inutilmente chegar a um acordo com as prefeituras e os comitês cívicos da direita, buscando compatibilizar a nova Constituição e os referendos. Durante todo este tempo e apesar de ser evidente que já não havia possibilidades de diálogo, pese a que o governo financiou campanhas na TV dizendo que o referendo tinha caráter fraudulento e ilegal, já que até a Corte Eleitoral de Santa Cruz fazia campanha a favor do “sim”, o governo pediu ã população apenas que se limitasse a não votar, a se abster. Com esta política os movimentos sociais de Santa Cruz ficaram isolados e toda a energia que podiam ter posto em um boicote ativo ficou profundamente limitada graças ã ação do governo. Neste afã de dialogar com a direita, o governo suspendeu a inspeção de vários latifundiários onde existem cerca de 2000 famílias guaranis em condição de semi-escravidão, reprimiu as ações da Juventud Antifacista de La Paz e Cochabamba, enquanto os grupos como a Unión Juvenil Cruceñista ou Jóvenes por la Democracia golpeiam e intimidam com absoluta impunidade os filhos dos trabalhadores e o povo.
– 3 Que perspectiva se abre para a situação política na Bolívia após o referendo?
O mais provável, e é o que vários analistas prevêm, é que entraremos em uma situação na qual o que primará são as tentativas de aproximação para estabelecer um diálogo e uma negociação que facilite a compatibilização dos estatutos autonômicos e da nova Constituição do MAS. Porém, esta negociação se fará em condições cada vez mais favorável ã direita. Mas se reação se excede da relação de forças, não se pode descartar novos curtos-circuitos que levem toda a tensão política ás ruas.
– 4 Qual é o papel da OEA e da Igreja?
Evo Morales clama pela mediação da Organização de Estados Americanos (OEA) como se fosse garantia de algo favorável para o povo. A OEA que não por acaso sempre foi a instituição que coordenava a submissão dos governos da América Latina aos EUA, intervém como garantidor da ordem semicolonial regional. Em 3/5 sob a pressão de Washington corrigiu seu “excessivo” apoio ao governo com uma nova declaração que enquanto insiste no diálogo, na verdade aprova e deixa correr as consultas autonomistas. Seu objetivo é evitar o risco de uma maior desestabilização na Bolívia e impedir que na crise política possa intervir o movimento de massas. Tendo conseguido que o MAS mantenha sua "moderação", aceitam que os autonomistas imponham melhores condições na busca de uma saída favorável ã burguesia de conjunto. Por sua vez, o cardeal Julio Terrazas, principal figura da Igreja, fez uma missa e em seguida foi votar, legitimando o referendo. A reacionária cúpula católica não se privou tampouco nesta oportunidade de demonstrar que está firme e sem dúvidas a serviço dos ricos e da reação. Agora o MAS protesta, mas até o dia anterior, chamou com todas as forças a confiar nestes "mediadores".
– 5 Qual foi a política da COB, e qual a política que a LOR-CI está levantando para fazer frente a esta situação?
Lamentavelmente a direção da COB, encabeçada por Pedro Montes, demosntrou ser uma burocracia colaboracionista com o MAS. Nos últimos meses houve dezenas de greves por salário, condições de trabalho e diversas questões setoriais como Huanuni, Colquiri, Correios, Makitesa, Saúde, Magistério, Limpeza Urbana de El Alto, etc., nos quais a COB se negou de fato a centralizar ou coordenar estas lutas. Assim mesmo, frente o referendo e a ofensiva reacionária da burguesia, repete a mesma política que Evo Morales e o MAS de não organizar nenhuma resistência ativa e militante. Se limita a falar sobre a “unidade do país” com o governo sem fazer nenhum chamado à luta. Tanto em 1° de maio como em 4 de maio em todas as ações que se deram, Pedro Montes optou por participar nos eventos mais oficiais, e inclusive no mesmo palco que o presidente.
Desde a LOR-CI, junto a vários sindicatos e organizações, estamos exigindo o adiantamento com caráter de urgência do próximo congresso da COB, no qual devem participar os novos sindicatos e direções que surgiram no último ano, para expulsar uma direção que abertamente tem pisado sobre a independência de classe da COB e dos sindicatos, definir um programa e ação que esteja ã altura das circunstâncias, e que comece a coordenar e centralizar de forma democrática as lutas em curso. Vemos que é urgente preparar este congresso para dar a luta por um instrumento político dos trabalhadores, que permita ir construindo a “terceira” posição, a da classe operária, capaz de enfrentar a reação burguesa e latifundiária e a política de conciliação de classe e reformismo sem reformas do MAS, que alimenta.
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