Na opinião de Delfim Neto, ministro do arrocho salarial na época da Ditadura Militar, o “Lula salvou o capitalismo”. Isso por que ele teria garantido a “igualdade de oportunidades”, sem a qual esse sistema de “competição selvagem” seria inaceitável para a sociedade. É claro que esse discurso do Delfim Neto de igualdade de oportunidades não passa de uma farsa. Vejamos então os verdadeiros motivos para esse apoio tão enfático que o ex-ditador dá a Lula.
O principal motivo é que, enquanto em muitos países da América Latina a crise da ofensiva neoliberal levou a grandes rebeliões de massas, no Brasil Lula conseguiu conquistar um incrível apoio popular sem modificar os principais fundamentos da política neoliberal de FHC. No governo Lula os salários continuam abaixo do nível 1998. Isto é, apesar do crescimento econômico, a média salarial não se recuperou da enorme deterioração da época FHC: segundo o Dieese, em 1998 a média era de R$ 1246,00 e em 2007 ficou em R$ 1.088,00. Lula mantém e aprofunda a flexibilização dos direitos trabalhistas, a terceirização e a precarização: de 2000 ã 2007, 90% dos empregos criados pagavam até dois salários mínimos e em 2005 a diferença de salário entre trabalhadores com carteira assinada e sem carteira assinada chegou a 40,6% (era de 25,8% em 1995) e continua aumentando. Apesar do discurso contra as privatizações que Lula fez na campanha pela reeleição, ele não reverteu as privatizações de FHC e ainda avança em mais privatizações ainda que “disfarçadas”, através de PPP’s e outros mecanismos. E por fim, durante o governo Lula aumentou a dominação de capitais estrangeiros sobre a economia nacional.
O papel do crescimento econômico na popularidade de Lula
Graças ao crescimento econômico mundial, que Lula foi capaz de manter os pontos fundamentais da política de FHC e conseguir amenizar as contradições geradas por essa política. O crescimento chinês e a conseqüente alta do preço das commodities asseguraram o apoio do agronegócio exportador ao governo Lula, mesmo com um real valorizado que não favorece as exportações. O saldo bilionário da balança comercial e o crescimento da arrecadação de impostos forneceram uma base material para a aplicação de algumas medidas que não condizem exatamente com o receituário neoliberal, que servem para mascarar o verdadeiro conteúdo do governo Lula aos olhos das massas.
A ampliação do programa bolsa família, mesmo que se mantenha no quadro das medidas “focadas”, previstas pelos neoliberais, alcançou uma amplitude enorme, que hoje chega a cerca de 40 bilhões de pessoas. Assim, Lula conseguiu uma enorme popularidade, principalmente no nordeste e enfraqueceu os movimentos camponeses. Os investimentos do BNDES, que passaram de 18,9 bilhões de reais em 98 para R$ 64,9 bilhões em 2007, beneficiam principalmente empresas industriais, como as grandes montadores, que viram seu acesso ao mercado externo restringido pela valorização do real. Com o lançamento do PAC, no inicio do segundo mandato, o governo Lula deu um sinal de que pretende aumentar o protagonismo estatal no âmbito econômico. Ao mesmo tempo, Lula, apesar de não reverter as privatizações da época FHC e avançar em outras, passou a ter uma política fortalecimento de algumas empresas estatais, como a Petrobrás. Com essas medidas, conseguiu avançar sobre a base social burguesa dos setores que pediam mudanças na política econômica, redução dos juros e desvalorização do real, sem deixar de atender principalmente aos interesses das grandes finanças, pagando em dia os juros da divida publica e oferecendo a possibilidade de ganhos enormes para imperialismo.
Depois do ataque aos servidores públicos federais em 2003, com a reforma da previdência, esse setor tradicional da base de apoio do petismo fez sua primeira experiência com Lula no poder e motorizou a formação da Conlutas no plano sindical e do PSOL no plano político. Mas o crescimento da arrecadação federal permitiu ao governo Lula iniciar uma política sistemática de aumentos salariais para os servidores federais e realizar novas contratações, com o objetivo claro de recuperar o apoio perdido em 2003. O apoio das centrais sindicais CUT e Força Sindical, a baixa inflação, os aumentos salariais acima da inflação para os setores mais organizados da classe operária e a geração de novos postos de trabalho têm garantido ao governo a manutenção de sua base de apoio entre a classe trabalhadora.
Essa política, que marca continuidade e pequenas mudanças em relação aos dois governos de FHC, é que chamamos de neoliberalismo lulista. Como demonstramos neste e em artigos anteriores, este se baseia num aumento da exploração dos trabalhadores e da subordinação do país aos capitais imperialistas.
O “fantasma” da inflação
Como definimos na edição anterior do jornal Palavra Operária (ver artigo “Os trabalhadores serão os principais prejudicados pela inflação), a inflação que “atinge o Brasil funciona como uma correia de transmissão da crise internacional, apesar da continuidade do crescimento econômico interno”. E os primeiros sinais da crise econômica no Brasil vão impor novas dificuldades para o governo Lula seguir satisfazendo um conjunto de interesses tão heterogêneos como os que apóiam o seu governo.
A política do Banco Central para conter a inflação, que se resume em esfriar o crescimento econômico, ameaça reabrir as brechas entre os setores burgueses, já que foi graças ao crescimento interno que os setores industriais puderam compensar a baixa ou o fraco crescimento nas exportações de manufaturados. A combinação entre um real cada vez mais valorizado e o crescente aumento dos custos, principalmente com fertilizantes, já começa a dar lugar a reclamações por parte do agronegócio, apesar dos seus enormes lucros.
Até agora, Lula tenta compensar estes setores com medidas pontuais, enquanto defende as medidas do Banco Central contra a inflação. Para os industriais, lançou um pacote de isenções setoriais de impostos, que foi saudado como um bom começo por alguns. Para os neo-desenvolvimentistas, hoje em minoria, que defendem a desvalorização do real, essas medidas foram apenas um paliativo. Para o agronegócio, ofereceu a possibilidade de renegociação de dividas, o que na pratica pode significar um subsidio de até 70 bilhões de reais, segundo o jornal “Folha de São Paulo”. Para os trabalhadores, que estão vendo seu salário se desvalorizar cada vez mais, principalmente os que ganham pior e gastam proporcionalmente mais com alimentos, o governo Lula não acenou com nenhuma medida.
O isolamento da esquerda
Nessa situação, os setores de esquerda que se colocam como oposição ao governo Lula amargam um importante isolamento. Tanto a Conlutas, dirigida pelo PSTU, como o PSOL, sofrem as conseqüências desse isolamento. Tradicionalmente a esquerda se apóia nos setores mais organizados dos trabalhadores e no funcionalismo público, que hoje estão acomodados com o crescimento econômico e as concessões de Lula.
O PSOL, que tenta se apoiar nos setores de classe média insatisfeitos com a política neoliberal de Lula, se vê incapaz de transformar a intenção de voto dos seus candidatos em capacidade real de mobilização. Para comprovar isso, basta ver que no primeiro de maio no Rio de Janeiro, Heloísa Helena não foi capaz de levar mais de 200 ou trezentas pessoas para assistir o seu discurso. Mesmo para os setores que concordam com as posições do PSOL, hoje o shopping mobiliza mais a classe média que os atos políticos. Além disso, sua política de tentar aparecer como uma alternativa viável ao neoliberalismo lulista incorporando no seu programa medidas econômicas de caráter burguês como a redução dos juros não encontra eco em setores burgueses reais. Não existe ainda nenhum setor burguês que esteja disposto a trocar os paliativos seguros de Lula pela aventura de um governo que modifique qualitativamente a política econômica.
Nos sindicatos, inclusive naqueles organizados pela Conlutas e dirigidos pelo PSTU, a passividade dos trabalhadores melhor pagos fortalece enormemente as tendências ã burocratização e a adaptação ao regime democrático burguês. A pressão do isolamento e a passividade das massas ajudam a entender o empenho do PSTU em se aliar com o PSOL e, em alguns sindicatos importantes do país, chagar a fazer concessões políticas a setores petistas para lançar chapas unificadas nos sindicatos. Um exemplo dessa política de desespero e adaptação é a chapa para o sindicato de professores do Rio Grande do Sul, conformada pela Conlutas e Intersindical junto ã DS, corrente petista da governadora Ana Julia do Pará e do ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rosseto. Para garantir postos no aparato sindical, Conlutas e Intersindical abrem mão de criticar o governo Lula.
Independência de classe para combater o isolamento
Nas páginas desta edição do Palavra Operária, vamos seguir desenvolvendo como em nossa visão a única forma correta de combater esse isolamento é se manter firme nas posições de independência de classe, preparando os setores de vanguarda para o momento em que a situação da luta de classes começar a se modificar. Isso passa por combater, ainda que em minoria, o petismo e o conciliacionismo do PSOL e buscar se ligar aos setores mais explorados da classe operária, que são os primeiros a sofrer as conseqüências da alta de preços.
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