2006 foi o ano de movimento estudantil secundarista, que com sua consigna o cobre pelo céu, a educação pelo chão, questionou os pilares do neoliberalismo no terreno do ensino. Como conseqüência daquele movimento, até hoje, perdura um debate sobre educação na política nacional. Mas se durante a luta secundarista, o debate era produzido nas ocupações e nas ruas; desde que o Governo instalou a Comissão Assessora Presidencial para a Qualidade da Educação (CAP), o debate se transladou aos marcos do regime. Disso é fruto a chamada Lei Geral de Educação (LGE), primeiro pela Concertação, logo pactuada- em novembro de 2007 - com a Aliança (direita), e recentemente votada na Câmara de deputados.
Conseguir que se votasse a lei não foi fácil para o Governo, pois durante este ano, vinham se produzindo uma série de rusgas entre a Aliança e a Concertação, e no interior desta última, estavam conduzindo a que não se respeitasse o acordo de novembro. Primeiro, a Aliança, destituiu constitucionalmente ã Ministra da Educação que estava no acordo, argumentando que as irregularidades em seu cargo, correspondentes a 262 milhões de dólares destinados a subvenções, eram responsabilidade da Ministra (obviamente calando a boca frente ao fato de que eles, quando governavam com Pinochet, introduziram o sistema de "subvenções" que favorece irregularidades e corrupção). Os parlamentares da Concertação irritados com a atitude da Aliança, começaram a introduzir uma série de indicações ã LGE, com as quais também buscavam aparecer como contrários ao “lucro” com a educação, para prevenir desta forma,a emergência do movimento estudantil, insatisfeito com a lei. A Aliança acusou estes parlamentares de não respeitar os acordos. O resultado: um empantanamento da LGE. E como essas rusgas nas alturas colocaram no centro os problemas educativos, alentaram por sua vez o movimento estudantil, universitário e secundarista. E por essa via, um movimento dos trabalhadores terceirizados da Coldeco, o Governo - sem que chegasse a descansar o suficiente - adquiriu uma nova dor de cabeça: uma LGE empantanada, ocupações em colégios e universidades, marchas, paralisações estudantis e de professores.
Finalmente, a Lei Geral de Educação (LGE), na quinta-feira dia 19 de junho, foi aprovada pela Câmara de deputados. Para conseguir este objetivo, o Governo fez uma série de manobras. Isto lhe acarretou importantes custos.
O primeiro é que no interior da própria Concertação, potencializaram-se as rusgas. Vários parlamentares pronunciaram-se contrários ã LGE e aos métodos que o Governo utilizou para sua aprovação. Como fez o próprio presidente da Comissão de Educação da câmara , o senador Alejando Navarro (além de organismos como a UNESCO, ou intelectuais e consertacionistas)
O segundo custo é o descontentamento social que a aprovação gerou. O Grêmio de Professores, que vem de organizar as paralisações nacionais com uma importante adesão, rechaçou a atuação do parlamento. Para o dia 29 de junho prepararam uma assembléia nacional extraordinária, na qual organizaram um plano de luta frente a discussão da lei no Senado. E os estudantes, se mantiveram mobilizados, apesar de começarem a aparecer os primeiros sinais de retrocesso, centralmente entre os estudantes universitários.
Estes custos contribuem por sua vez a acelerar o processo de desgaste da Consertação e, por essa via, do regime. A aprovação da LGE foi um sinal demasiado evidente de que o Governo e seus parlamentares, da mão da direita, legislam para preservar os interesses dos empresários da educação, e não para dar solução ao conjunto dos problemas que instalou em 2006 o movimento estudantil secundarista. No Governo de Bachelet, isto se soma ã implementação, durante o ano passado, do "Transantiago", sistema de transporte público que aumentou as horas de viagem dos trabalhadores e do povo pobre, na região metropolitana, e que foi experimentado massivamente como um ataque do Governo (apesar de não ter dado em lutas).
As implicações no processo de desgaste da Consertação, é quiçá o custo mais alto da votação a favor da LGE. O conglomerado oficial cumpriu durante os últimos vinte anos o papel de "partido de contenção", concentrando as aspirações e expectativas dos trabalhadores e do povo pobre. Durante os últimos 3 anos, temos visto como em seu interior começaram a proliferar uma série de rusgas, movimentos e quebras localizados, que a sua maneira, tem expressado que seu projeto de encarnar a "democracia" contra a "ditadura" que o determinava, começa a ser cada vez mais disfuncional ás exigências da realidade. O movimento estudantil de 2006 e as importantes - ainda que reduzidas - greves operárias de 2007, começaram a colocar em discussão importantes aspectos do neoliberalismo, pressionando para que em seu interior emerjam sensibilidades que busquem atuar preventivamente frente os novos fenômenos da luta de classes. Estes setores vêm em permanentes disputas com os consertacionistas que pretendem aplicar ao pé da letra as receitasque lhes deram êxito nos anos 1990. Mas o conglomerado não consegue articular um projeto que lhe dê novo alento para o próximo período. E isso deu lugar a uma série de quebras recentes (no PPD em 2006, na DC no fim de 2007 e há uns meses, no PS). E ha uma série de rusgas, como a apresentação - pela primeira vez na história do conglomerado - de duas chapas paralelas para a eleição de conselhos nas municipais de outubro.
É por todos estes elementos que podemos assinalar que o triunfo governamental de aprovar a LGE na câmara, tem sabor de derrota.
A confluência de professores e estudantes na luta contra a LGE
Na luta contra a LGE, um elemento relevante desde o ponto de vista da luta de classes, foi a confluência de professores e estudantes - secundaristas e universitários. O mal estar com a LGE tem sido o fator unificador. Isto se expressou com nitidez no dia 4 de junho, quando professores e estudantes, de todo país, marcharam juntos. Pese a que a atual luta contra a LGE não teve a massividade da luta secundarista de 2006, esta confluência de um setor da classe trabalhadora, com um setor oprimido, constitui um elemento progressivo, que objetivamente fortalece o terreno para que a classe trabalhadora possa ganhar aliados.
Ainda assim, esta confluência manifestou uma série de limites. Por exemplo, no interior do movimento estudantil, emergiram uma série de pequenos organismos, ou semi-organismos, baseados em boa medida, em correntes políticas de esquerda, que têm permanecido separadas, sem discutir nem sequer uma pauta unificada para enfrentar a LGE. Em várias ocasiões inclusive, privilegiaram seus "pequenos interesses" e se negaram a organizar convocatórias comuns para marchar.
Outro exemplo pode se ver no movimento dos trabalhadores docentes. Sem dúvida este deu nova vida à luta contra a LGE com sua paralisação massiva de 4 dias (de 16 a 19 de junho), mas sua direção, do Partido Comunista, ao acabar a paralisação logo após a aprovação da LGE na quinta-feira passada, deixou isolado ao movimento estudantil. Se tivesse apostado em mantê-la, massivamente, como vinha sendo, não só poderia ter complicado mais ao Governo e ã Aliança com sua LGE deslegitimada, se não que fortaleceria ao movimento estudantil em luta. À série de ameaças que prefeitos de direita como Zalaquett, fizeram aos professores (descontos salariais), se a paralisação tivesse se mantido, não poderiam ser implementadas. A paralisação, por sua vez, poderia ter alentado a outros setores da classe trabalhadora a discutir como apoiar com seus métodos a luta contra a educação de mercado, pois pelo menos desde suas organizações sindicais, vinham pronunciando-se em apoio aos professores e estudantes (por exemplo, a Confederação de Trabalhadores Florestais ou a Associação de Empregados Fiscais).
Este último é de grande importância, pois os bolsos da classe trabalhadora vêm sendo tremendamente golpeados, produto das tendências inflacionárias da economia mundial, que se reflete no terreno nacional. Somente os alimentos subiram 18%. A inflação oficial é de 8,9% (o que é enganoso considerando que a classe trabalhadora gasta a maior parte de seu salário em alimentos). O Governo, para prevenir que a negociação do salário mínimo se transforme em um novo "flanco", o aumentou em 10,5%, questão que é novidade (nunca o aumento havia sido proporcional ao IPC), e que expressa de maneira distorcida a recomposição da classe trabalhadora que temos visto nos últimos anos. Com isso, "estabilizaram" momentaneamente o problema das demandas salariais. Ainda que não o fecharam, pois não houve aumento real.
Voltando a discussão sobre a LGE e a confluência de professores e estudantes, devemos ressaltar que uma maior unidade de ambos os setores e a realização de novas mobilizações como a de 4 de junho, teria sido útil para colocar limites ã forte política de repressão que vem aplicando o Governo. As desocupações de escolas e universidades estão na ordem do dia.Somente na semana passada foram desocupados duas importantes universidades da capital: a Universidade de Santiago e a UMCE. Além de uma série de escolas (várias destas foram desocupadas mais de 15 vezes).
A determinação que tome o Grêmio de Professores em sua assembléia nacional extraordinária em 27 de junho, será determinante para o curso do processo de luta contra a LGE.
Uma política para enfrentar a educação de mercado
A direção do Grêmio de Professores vem anunciando a realização de um Congresso Nacional Educativo. Organizar uma instância assim é chave para que sejam os trabalhadores da educação, docentes e não docentes, em aliança com o movimento estudantil, e com outros setores de trabalhadores, os que discutam uma alternativa para a educação herdada da ditadura. O Governo de Bachelet enunciou para o segundo semestre uma lei para fortalecer a educação pública. Nada podemos esperar da Consertação,que já votou a LGE se ajoelhando frente a direita. São os trabalhadores e seus aliados os que devem, por meio da luta, acabar com o neoliberalismo na educação.
Para transformar este Congresso Nacional Educativo em um organismo que sirva efetivamente para enfrentar a educação de mercado, deve-se exigir que seja com delegados mandatados e revogáveis. E que tem que fechar suas portas aos parlamentares que, como Alejandro Navarro (do Partido Socialista, que está no Governo), buscarão apresentar-se como amigos, para levar tudo novamente aos caminhos das instituições do regime. Lamentavelmente o PC - como já o fez previamente com sua Assembléia Nacional pelo Direito ã Educação - vem dando mostras de que será com estes parlamentares empresariais “progressistas”, com quem terão que discutir o movimento dos trabalhadores docentes e o movimento estudantil, seu projeto educativo.
De imediato, é chave exigir a retirada imediata da LGE do parlamento. É necessário preparar uma paralisação nacional da educação, dos professores e estudantes, até a retirada da lei. Na sexta-feira dia 27, o Grêmio de Professores tem a oportunidade de impulsionar novamente uma paralisação contra a LGE. Também é necessário que as organizações da classe trabalhadora, comecem a discutir como apoiar com seus métodos, a luta contra a educação pinochetista-concertacionista.
Nós que militamos no Clase contra Clase, junto aos companheiros independentes de Las Armas de la Crítica , opinamos que a perspectiva ante a educação deve ser lutar por uma educação gratuita em todos seus níveis. E que para isso podemos começar já lutando por uma Escola Nacional Unificada, por acabar com os subsídios aos privados, e por uma Segunda Reforma Universitária, no caminho de uma Universidade a serviço dos trabalhadores e do povo pobre. Desse forma, estaremos acabando com uma das transformações mais importantes que a ditadura pinochetista realizou durante os anos 70 e 80 assassinando a operários e estudantes.
Traduzido por Míriam Rouco
|