Na sexta-feira, 15/08, diante de centenas de delegações estrangeiras e em meio a comemoração massivas na capital e no interior do país, assumiu a presidência do Paraguai o ex-bispo Fernando Lugo. O triunfo de Lugo nas eleições de abril passado gerou enormes expectativas entre os trabalhadores, camponeses e o povo pobre do Paraguai, que viram na derrota do Partido Colorado uma oportunidade histórica de mudança em suas degradadas condições de vida.
O Partido Colorado governou o Paraguai durante os últimos 61 anos, incluindo os 34 anos da brutal ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) e a posterior aplicação rigorosa das receitas neoliberais durante os anos 90, favorecendo uma enorme concentração da riqueza em poucas mãos. Seu legado é 41% da população na pobreza (2,5 de seus 6 milhões de habitantes) e 20% na indigência. Essa situação, que gerou 3 milhões de “exilados econômicos” para a Argentina e o Brasil, é ainda pior no campo, onde são centenas de milhares de famílias sem terra enquanto os grandes proprietários (1% da população) concentram 80% das terras em um país com uma das maiores populações rurais da América Latina (43%).
Sem dúvida, a derrota histórica do Partido Colorado tem um grande peso simbólico já que, na visão das massas, representa a possibilidade de serem supridas suas demandas mais sentidas de terra, território, moradia e trabalho legítimo. No entanto, o governo de Lugo e sua política de conciliar os interesses dos trabalhadores e camponeses com os dos empresários e grandes proprietários de terras, não dará respostas a essas profundas expectativas. Assim demonstram seus primeiros anúncios, a composição de seu gabinete e o acordo parlamentar com o golpista Lino Oviedo. O ex-bispo assume o governo já com uma série de contradições internas e vem suavizando seu discurso durante os últimos meses pedindo “paciência” ao povo paraguaio e mostrando que as mudanças serão menos “radicais” do que o esperado. As diferenças no interior de sua heterogênea coalizão de governo, os efeitos da crise econômica internacional, a crescente inflação e uma nova situação regional, na qual setores da burguesia se colocam na ofensiva como oposição política a vários governos “pós-neoliberais” na briga pela divisão da renda nacional, fazem com que Lugo dê seus primeiros passos em meio a um cenário de profundas tensões e sob a pressão das ilusões das massas.
Pactos e acordos para uma substituição de político
A composição da coalizão liderada por Lugo diz muito sobre como será sua política de “Grande pacto social, econômico e nacional”. Para derrotar o Partido Colorado, Lugo armou a Aliança Patriótica para a Mudança (Alianza Patriotica para el Cambio - APC) que, apesar de incluir uma quantidade significativa de movimentos camponeses, sociais e sindicais, tem sua principal força política no conservador Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), que é a segunda força parlamentar do país. O PLRA é um partido abertamente burguês e pró-imperialista, e vários de seus principais dirigentes são históricos membros da oligarquia proprietária de terra. A esse partido pertence o vice-presidente Federico Franco, defensor ã morte da propriedade privada. Franco se opõe abertamente ás ocupações de terra e declarou que não serão toleradas: “dentro da lei, tudo, fora dela, nada”. O próprio Lugo, que durante a campanha eleitoral apoiava as ocupações de terras, agora declara que “a ocupação de terras é a última alternativa, uma vez esgotados todos os processos institucionais” (Clarín, 15/08) e pediu paciência aos camponeses.
Seu objetivo é conseguir uma nova “institucionalidade” burguesa, que o permita governar depois da queda do Partido Colorado, com um discurso anticorrupção, tentando frear o descontentamento social ao mesmo tempo em que dá algumas concessões e garante um cenário propício para que os empresários possam continuar fazendo seus negócios. Como mencionou o mesmo Lugo durante sua posse: “os empresários terão nosso pleno respaldo. Uma indústria, uma exploração agrícola concebida com parâmetros de incidência social e proteção do ambiente, empreendimentos empresariais em outros campos como a comunicação, os bancos e os serviços, terão um decidido acompanhamento do governo.” (Página 12, 16/8)
Para conseguir essa nova “institucionalidade”, Lugo acaba de fechar um acordo parlamentar com o partido do ex-general golpista Lino Oviedo para governar durante um ano “sem sobressaltos”, já que apesar da derrota nas eleições presidenciais e da profunda crise interna na qual se encontra, o Partido Colorado continua sendo a primeira força parlamentar e manteve a maioria dos governos regionais. O peso que ainda mantém o Partido Colorado é utilizado por Lugo, junto com a denúncia de um suposto complô vermelho contra seu governo, para apurar as negociações e concessões a distintos setores burgueses com a desculpa de manter a governabilidade. A designação dos ministros de seu gabinete também não deixa lugar a dúvidas. Apesar de ter indicado alguns membros de organizações sociais, como a ministra de assuntos indígenas Margarita Mbywangi, chefe da tribo Ache, que representa uma concessão ás ilusões democráticas de importantes setores, os principais ministérios ficaram nas mãos de figurões liberais. O Ministério da Fazenda ficou nas mãos de Dionisio Borda, um engenheiro formado nos Estados Unidos, que impulsiona uma política privatizadora das empresas públicas sob a forma de “capitalizações, terceirizações ou concessões” ao capital privado, além de um plano de demissões de funcionários públicos. Borda já foi ministro durante os primeiros anos do governo colorado de Duarte Frutos e terminou sua gestão com um forte respaldo dos setores agro-exportadores que controlam os grandes latifúndios de soja. Os mesmos setores que Lugo deveria atacar, se realmente quisesse avançar em uma “reforma agrária”! Por sua parte, no Ministério da Indústria e Comércio, colocou Martín Heisecke, um homem de confiança dos empresários. Heisecke demonstrou seu programa há alguns dias quando afirmou: “se depende de mim, amanhã mesmo privatizo. O Estado não tem porque ter essas empresas” (ABC 28/7). Também se designaram ministros do PLRA para o Trabalho e Agricultura, demonstrando que as principais demandas dos trabalhadores e camponeses ficaram submetidas aos interesses de empresários e proprietários de terra.
O plano de Lugo
Uma parte crucial do plano de Lugo está centrada na “soberania energética” que na realidade não é mais que a renegociação das tarifas que pagam o Brasil e a Argentina pelos projetos hidrelétricos compartilhados de Itaipú e Yacyretá.
Esses acordos são um assunto de primeira ordem já que o financiamento proveniente dessa renegociação será chave para manter o governo de pé nos primeiros meses. No entanto, da mesma forma que o longo processo de negociação que a Bolívia manteve com a Argentina e o Brasil pelos preços do gás, nada indica que esses acordos não estejam cheios de fricções e pechincha por parte dos sócios do Mercosul e que podem se estender no tempo. Nesse sentido, os acordos firmados com Chávez um dia depois de assumir, mais além da retórica e dos discursos “integracionistas”, tem o objetivo de lhe dar respaldo para manter a economia de pé com subsídios ao petróleo e ao intercâmbio comercial em um momento em que a inflação vem aumentando e, com a crise econômica internacional como pano de fundo, não é certo que o ritmo de crescimento econômico dos últimos anos se mantenha.
Por outro lado, a economia paraguaia vinha se tornando dependente das exportações de soja (é o quarto produtor mundial) o que fortaleceu a burguesia proprietária de terra. Essa situação corta pela raiz qualquer possibilidade de avançar em uma reforma agrária sem varrer a estrutura feudal que domina o campo paraguaio. É por isso que Lugo já começou a pôr freio em seu plano de “reforma agrária”, a pedir paciência aos camponeses e a desaprovar a ocupação de terras, ao mesmo tempo em que enfraqueceu seu plano original de cobrar algum imposto ás exportações para “distribuir a riqueza”.
Desde um ponto de vista regional, o governo de Lugo chega tarde para renegociar, ainda que seja timidamente, parte da renda que a burguesia paraguaia obtém. Frente ã perspectiva do fim da bonança econômica e dos efeitos da crise internacional, a burguesia não está disposta a ceder nem um milésimo de seus lucros. Isso se mostrou no lock-out [1] da patronal sojeira na Argentina, assim como nas ações da direita autonomista boliviana na “defesa” da renda dos hidrocarbonetos. Essa situação, junto ã debilidade e ás contradições no interior da coalizão de Lugo, podem gerar frustração no povo paraguaio, o que obrigará ao ex-bispo a mediar permanentemente entre as ilusões dos trabalhadores e camponeses e as necessidades da burguesia de rearmar um aparato estatal de acordo com seus negócios, o que provavelmente gerará tensões e fricções no novo governo.
Frente as possíveis brechas que se abram, os trabalhadores, camponeses e o povo pobre necessitam intervir na política nacional de maneira independente. Está na ordem do dia exigir ás centrais sindicais que rompam com os partidos patronais e impulsionem uma mobilização nacional para lutar pelas demandas de terra, território e moradia, como também para romper os laços que atam o país ao imperialismo, deixar de pagar a dívida externa e expulsar os militares norte-americanos que atuam sob o disfarce de “missões humanistas” em solo paraguaio com imunidade diplomática.
Para essas tarefas, os trabalhadores e camponeses paraguaios não encontrarão aliados na igreja, nos liberais ou no acordo com Lino Oviedo. É junto aos milhões de trabalhadores e trabalhadoras, que através do exílio econômico foram transformados em parte da classe operária argentina e brasileira, que poderão forjar uma saída operária ã crise, que só poderá vir da mão de um governo dos trabalhadores e do povo.
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