Nacionalização dos gigantes hipotecários Fannie e Freddie
Da mesma forma que em 13 de março e em 16 de julho passados, no dia 7 de setembro, as autoridades norte-americanas fizeram de novo um grande anúncio político. Nesse caso, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, anunciou que a Administração estadunidense toma o controle das duas grande hipotecárias norte-americanas, Fannie Mae y Freddie Mac. O movimento, o maior resgate estatal da história dos Estados Unidos, foi precipitado pela acelerada perda de confiança dos investidores internacionais não só na solvência dessas companhias, mas do próprio governo norte-americano. As "gêmeas", como são conhecidas, encontram-se em estado de insolvência (em bancarrota) e não possuem capital suficiente para continuar cumprindo seu papel crucial de financiar as hipotecas imobiliárias.
Uma pesada carga fiscal
Paulson informou que estas duas companhias passarão a ser dirigidas temporariamente pela Agência Federal Financeira de Casas (FHFA, em sua sigla em inglês) e o Tesouro se compromete a injetar até 200 bilhões de dólares em novo capital e linhas de crédito para evitar a quebra das duas empresas. Essa cifra já é maior que a carga fiscal que os contribuintes tiveram que suportar no salvamento da crise hipotecária anterior, a crise do sistema de poupança e empréstimos nos anos 80. Mas o custo real pode ser maior. Isto por que as execuções hipotecárias e a falta de pagamentos das mensalidades já alcançaram o arrepiante valor de 4 milhões e uma parte importante dessas perdas massivas não figuram nos balanços das duas companhias. Em segundo ligar, a recessão norte-americana ainda está em seus primeiros estágios, com um crescente desemprego (que subiu de 4,9% da força de trabalho em janeiro a 6,1% em agosto, com oito meses consecutivos de perdas de empregos) o que pode resultar em um novo salto de execuções hipotecárias. E em terceiro lugar, devido ao fato de que ainda antes de Fannie e Freddie terem sofrido o pior da crise recessiva e hipotecária, sua base de capital encontra-se enormemente sobre-estimada com manobras contábeis do tipo Enron(gigante energético que entrou em bancarrota em 2001, questão que tratou de postergar com fabulosas fraudes contábeis). Já William Poole, o ex-presidente da Reserva Federal de St. Louis, disse no domingo que o governo poderia ver-se obrigado a gastar algo como 300 bilhões de dólares para resgatar as duas companhias.
A precariedade do sistema financeiro norte-americano
A nacionalização de Fannie Mae e Freddie Mac é uma tentativa da Reserva Federal e do Tesouro de conter as seqüelas da crise financeira atual. Ambas as entidades sustentam mais da metade da dívida hipotecária do país e nos últimos meses são responsáveis por 70% ou 4/5, segundo a fonte dos novos empréstimos do que resta do golpeado mercado hipotecário norte-americano. No último ano sofreram perdas combinadas de 14 bilhões de dólares. Desde que se iniciou o afundamento da bolha imobiliária, há dois anos, os preços das casas vem caindo com mais rapidez que durante a Grande Depressão. Isso deu lugar a um fenômeno bem descrito pelo economista Paul Krugman em uma recente coluna de opinião no New York Times: "...a queda dos preços das casas tem provocado o temido fenômeno de ’deflação da dívida’. Sim, deflação: os preços aumentam no caixa do supermercado, mas o preço dos valores, que é o que importa nos balanços, cai com rapidez...se todo mundo vende seus bens ao mesmo tempo, a queda resultante dos preços do mercado socava a situação financeira dos devedores antes antes que se possa cancelar a dívida. Assim, a deflação dos preços dos ativos pode converter-se em um círculo vicioso. E uma conseqüêmcia do que Fisher denominou "o estouro das vendas" é uma severa depressão econômica. Isso é o que está acontecendo agora, e a deflação da dívida ainda mais grave devido a que os atores financeiros chave também foram financiados: seus bens e valores foram comprados com dinheiro emprestado. Tal como expressou Paul McCulley, de Pimco, investidora em bonus e ações, em um recente artigo entitulado "The Paradox of Deleveraging" ,ultimamente quase todas as instituições financeiras tem tentado reduzir seus níveis de endividamento, ams a queda dos ativos, não obstante, tem deixado essas instituições com mais dívida que antes" ("The Power of De", NYT 7/9). Que está é a realidade prova que, apesar do resgate massivo ideado pelo Tesouro e que provocou um entusiasmo nas bolsas em todo o mundo na segunda-feira, os mercados creditícios que são os que realmente importam, não deram nenhum sinal de recuperação. Mais ainda, segundo alguns analistas, as condições do mercado encontram-se "ilíquidas" (ou seja, condições nas quais os ativos são difíceis de vender).
Mais ainda, segundo alguns analistas, as condições do mercado encontram-se "ilíquidas" (ou seja, condições onde os ativos são difíceis de vender ou comprar em curto prazo sem que seu valor seja afetado) e "piores que em março", quando foi o resgate do banco de investimento Bear Stearns. Já na 3ª feira o curto rali acionário havia acabado quando se conheceu o fracasso das negociações do banco de investimentos, Lehman Brothers, com o Banco de Desenvolvimento da Coréia, que abre dúvidas sobre o futuro da primeira instituição que hoje anunciou perdas de 4bilhões de dólares no terceiro trimestre e mais em geral sobre o estado de saúde do conjunto do sistema financeiro norte-americano.
"O estado norte-americano pode entrar em default?"
O que faz essa pergunta é nada mais, nada menos que um editorial do dia 14 de julho do Wall Street Journal, um dia depois do secretário do tesouro Paulson pedir ao Congresso para aprovar um plano de emergência para oferecer uma quantidade indeterminada de crédito público ás duas gigantes imobiliárias, ou inclusive para que o governo comprar ações se necessário para evitar desabamento. Este plano que foi finalmente aprovado é o que entrou em crise obrigando ã administração ã nacionalização para evitar o impacto mundial que teria seu colapso. Acontece que durante esse período as duas companhias não conseguiram ganhar a confiança do mercado, em especial dos aplicadores estrangeiros. Pelo contrário, os possuidores dos ativos de Fannie Mae e Freddie Mac estavam ficando cada vez mais resistentes nas últimas semanas. Esse era o caso do Banco Central chinês como as instituições privadas locais, que conservavam em sua carteira um volume conjunto de cerca de 375 bilhões de dólares. Assim, o último 29 de agosto, Bloomberg publicava que a terceira instituição privada do país, Bank of China Inc.,havia procedido nos últimos meses a liquidar cerca de 30% de sua exposição ás chamadas GSEs [1], um fato que indubitavelmente encheu de preocupação ás autoridades norte-americanas. O mesmo estavam fazendo as autoridades russas.
Essa dependência do estrangeiro no financiamento dessas duas empresas hipotecárias levou alguns analistas a fazer o seguinte comentário irônico apenas uns dias antes da intervenção do Tesouro: "...não é que sejam demasiado grandes para deixá-las cair. É que são demasiado geopolíticas para permitir seu colapso." ("Asia Is About to Give U.S. a Kick in the Fannie", William Pesek, Bloomberg, 27/8). É que os Estados Unidos é o principal devedos do mundo, com um déficit de conta corrente de quase 800 bilhões de dólares, sustentado por um fluxo de capitais desde o estrangeiro. Atualmente, os Estados Unidos importam 1 bilhão de dólares de capitais estrangeiros por ano ou a bagatela de 4 bilhões de dólares por dia útil. Este brutal endividamento do governo norte-americano pode só socavar ainda mais a confiança internacional na qualidade creditícia dos bônus do tesouro norte-americano, dando lugar a uma nova queda do dólar e um forte aumento das taxas de juros dos Estados Unidos.
Isso é o que preocupa a ex-funcionários do FMI, como Kenneth Rogoff, para quem a atual política de salvamento no meio de para é para ele uma reestruturação necessária e consolidação de um sistema bancário hipertrofiado e acostumado a altos lucros, pode por aos bancos centrais em risco se continuam a brindar seu apoio ao sistema financeiro. Essa situação os obrigaria a buscar uma saída inflacionária para liquidar as dívidas ou aumentar os impostos para recapitalizar- se, ambas saídas são fortemente dramáticas e podem disparar uma resposta operária e popular ã crise.
"Socialismo para os ricos"
O resgate é um duro golpe ã ideologia reacionária do livre mercado com que se justificou durante todos esses anos o ataque ã classe operária e a eliminação de suas conquistas sociais em todo o mundo e se desacreditou no socialismo como a única saída progressiva aos males e catástrofes do capitalismo. A massiva e declarada intervenção das autoridades norte-americanas em nacionalizar duas grandes empresas na crise para evitar um colapso do conjunto do sistema financeiro e hipotecário, mostra que quando se trata do grande capital, o estado imperialista norte-americano não tem inibição em recorrer a um "socialismo para os ricos, os que têm conexões e Wall Street.". O apoio sem ambigüidades ã ação adotada pelo Departamento do Tesouro pelos dois principais aspirantes nas eleições presidenciais estadunidenses de novembro. John McCain e Barack Obama também o demonstram. Em outras palavras, o chamado livre mercado não é mais que pura hipocrisia, isso é privatização dos lucros e socialização das perdas. Os trabalhadores do mundo, sobre os quais os capitalistas tentaram descarregar as duras conseqüências da atual crise devem aprender da falta de inibição da classe dominante e o sistema político norte-americano para salvar seu sistema, para da mesma forma implacável lutar e impor a única solução aos duros padecimentos que nos promete o capital. A expropriação dos expropriadores, ou seja, as grandes corporações industriais e bancárias, mediante a revolução proletária e socialista.
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