A arrasadora vitória de Obama nas eleições norte-americanas tem sido definida como um fato histórico ao eleger o primeiro presidente negro dos EUA. O candidato democrata Barack Hussein Obama, superou os índices de votação previstos, com 354 votos dos colégios eleitorais, contra 126 do candidato John McCain, levando estados que historicamente votam no Partido Republicano, como é o caso da Flórida, a se pronunciar em seu favor, além de também ter ganho em estados industriais como Ohio, mostrando haver conseguido apoio também na classe operária sindicalizada. Obama contou ainda com a esperada votação da população negra, dentre os quais 95% se pronunciaram por ele, e da votação dos jovens e da comunidade hispânica, que se contagiou pelo seu discurso de “mudança”, muito embora não tenha concretizado o que serão as prometidas mudanças. Isso num pleito cuja participação bateu recordes, com cerca de 136 milhões de eleitores, tendo em vista que nos EUA a participação nas eleições não é obrigatória. Para alguns, esta seria a maior participação desde 1908, quanto houve participação de 65,7% e culminou na vitória de Willian Traft sobre Willian Jannings Bryan. Fato é que Obama já conquistou o resultado eleitoral mais alto desde a eleição de Lydon Johnson em 1964.
Para além dos números, e da apologia que tomou conta dos meios de comunicação e jornais burgueses mundo afora, o que está por trás da vitória arrasadora de Obama é o repúdio generalizado ã política levada ã frente nos últimos oito anos pelos neoconservadores comandados por Bush, e o anseio por mudança expressado em diversas camadas da população norte-americana. O desastre da guerra do Iraque, o aumento sem precedentes do anti-americanismo no mundo, e a crise econômica, hoje o fator mais importante de todos, motivaram este anseio dentre os setores populares, muitos dos quais compostos por negros e latinos. Mas não foi apenas graças a estes que Obama conseguiu a vitória. Sua candidatura foi angariando apoio em setores concentrados da burguesia imperialista, dentre os quais constavam figuras como o magnata Warren Buffet, que cedeu grandes somas ã sua campanha, bancos como Merry Linch - um dos envolvidos na imensa crise econômica atual -, instituições financeiras e grandes apostadores de Wall Street, bancos suíços, Collin Powell, ex-secretário de Estado de Bush, Paul Volcker, ex-presidente do Banco Central. E é para estes que seguramente Obama governará, e não para os americanos que a cada momento conhecem mais de perto a possibilidade de serem lançados em massa na pobreza, tal como ocorreu em 1929, como indicam os números de mais 240 mil postos de trabalho cortados no mês de outubro. É este cenário que faz com que muitos analistas, a despeito da comoção alimentada pela mídia burguesa, já adiantem que esta será uma das presidências de mais crise na história dos EUA.
Obama: forma e conteúdo
O grande efeito simbólico vindo do fato de que hoje um negro é presidente do país mais importante do mundo tem tido repercussão mundial. Assim, vimos o Quênia decretando feriado nacional, enquanto no Brasil diversos setores do movimento negro afirmam que a vitória de Obama seria um “passo a mais galgado” na luta contra o racismo. Sobretudo por se tratar de um país em que há poucas décadas o racismo era institucionalizado, negando direitos elementares aos negros, como os de votar, ocupar os mesmos espaços públicos que os brancos, além das imensas disparidades de condições de vida entre brancos e negros, com os últimos recebendo menos que a metade do salário que os brancos recebem para realizar o mesmo trabalho, o que gerou na década de 60 um movimento pela igualdade de direitos para os negros norte-americanos.
Entretanto, se por um lado o fato da população norte-americana, dentre os quais muitos foram ás urnas pela primeira vez, ter se pronunciado em favor de um candidato negro ser um giro alimentado por aspirações legítimas distorcidas, e também contra a onda conservadora republicana, do ponto de vista da burguesia que o apoiou é uma mostra da imensa crise pela qual passa o imperialismo norte-americano, agudizada pelos anos Bush. É dessa forma, que frente ã deslegitimidade e crescente crise que os EUA se vêem inseridos não só externamente como também no plano interno, antes por conta dos efeitos da guerra do Iraque e agora pela crise econômica que corroí a cada dia a esperança de realização do “sonho americano”, que a burguesia imperialista vê como funcional a eleição de Obama, justamente pelo simbolismo que este carrega, ao qual se alia o fato de que de conteúdo trata-se de um político afim aos setores mais altos do stablishment do Partido Democrata e de posições mais que moderadas. Isso fazia de Obama o melhor candidato para lidar com as possíveis contradições geradas pela crise econômica, com o descontentamento em torno dos preocupantes índices econômicos, e para reconstituir a localização dos EUA no mundo.
A política de Obama seguirá favorecendo a mesma burguesia branca e seus planos imperialistas, ainda que possa se caracterizar sob a forma de um discurso mais conciliador. Não ã toa, Obama buscou se distanciar de seu pastor Jeremiah Wrigt quando este denunciava o caráter racista dos EUA, provando que ao contrário de chamar a população negra a lutar por seus direitos, buscará um caminho que privilegie a “moderação” no trato ás imensas contradições sociais que cruzam o país, política funcional ã classe dominante. No plano econômico isso se demonstra no fato de que frente ao imenso crescimento do desemprego, Obama apoiou o pacote desenhado pelo governo Bush de destinar 700 bilhões de dólares para salvar o sistema financeiro e os banqueiros, favorecendo os que lucraram bilhões nos últimos anos. Esta soma supera enormemente os 50 bilhões prometidos por ele em sus campanha para financiar um plano de obras públicas e incentivos ã população na forma de bônus para os que estão ameaçados de perder suas casas frente ao estouro da bolha imobiliária. Seu discurso durante a campanha, que indicava medidas como o alívio fiscal para a classe média, torna-se de difícil realização na medida em que o mundo caminha para a recessão, e os EUA acumulam uma dívida pública de mais de 1 trilhão de dólares.
Neste sentido é que o jornal burguês The Washington Post, tradicional apoiador dos republicanos que desta vez se pronunciou pelo democrata, em um editorial no dia seguinte ás eleições aconselhava Obama a “dizer muito rapidamente como irá concretizar as muitas promessas feitas na campanha, que agora deve se encerrar e dar lugar ã realidade. E que para isso será necessário preparar o povo norte-americano para fazer sacrifícios, ter paciência e até mesmo se frustrar um pouco”. A preocupação do Post é altamente justificada. Se Obama foi favorecido enormemente pelo receio dos feitos da crise econômica, que fizeram com que a maioria da população norte-americana aspirasse a mais proteção social, manutenção dos empregos, assistência médica, e ajuda para a manutenção das moradias, etc, por outro lado a garantia da resolução da crise e assistência social estão longe de ser realidade. Assim, não se pode descartar que as grandes ilusões e expectativas geradas pelo primeiro presidente negro na história dos EUA se transformem em seu contrário: numa grande desilusão frente ã não resolução das aspirações e demandas dos trabalhadores, negros e setores populares frente ã crise econômica. Isso se soma ao fato de que mesmo com as imensas contradições e desastres abertos após os anos Bush, McCain teve cerca de 55 milhões de votos, o que mostra que a polarização social segue aberta, podendo se dinamizar ainda mais com o avanço da crise econômica sobre a classe média, e o discurso ultra-racista de alguns setores que seguem se organizando no interior dos EUA, desatando prováveis enfrentamentos frente ã perspectiva de aumento do desemprego e das contradições sociais no país, lembrando ainda que os reacionários projetos anti-imigração, apoiados tanto pelo Partido Democrata como pelo Republicano seguem em prática.
Contradições no plano internacional
A vitória de Obama é um novo capítulo da tentativa da burguesia imperialista de amenizar os ritmos do processo de decadência histórica dos EUA. A primeira resposta tentada foi a política de impor pela força “um novo século norte-americano”, concretizada pelo governo Bush sobre a base do giro reacionário pós-11 de Setembro. Entretanto, esta tentativa de transformar o “momento unipolar” pós-derrocada da URSS em uma “situação unipolar” a partir do uso da força foi um fracasso em toda linha. Prova disso é a erosão relativa do poder norte-americano sobre o mundo, que mais recentemente se demonstrou com a crise gerada em torno do conflito entre a Rússia e Geórgia, no qual os EUA não conseguiram atuar em defesa de seu aliado georgiano, e muito menos conseguir atrair o apoio das demais potências imperialistas européias contra a Rússia.
Assim, Bush e os neoconservadores deixam como legado a guerra do Iraque, que muitos analistas avaliam que será lembrada como um erro muito maior que a guerra do Vietnã, e agora a maior crise econômica desde 1929. Se a fórmula dialética entre força e consenso na dominação imperialista definida por Perry Anderson mostrou nos últimos anos a predominância da força, agora frente ã debilidade dos EUA que isso aprofundou parece que a burguesia imperialista aposta em aparecer como buscando mais consenso, ainda que neste caso não possamos ver em que medida isso se concretizará.
Soma-se a isso também a definição de que política terá em relação ao Irã, e ã Israel já que sua declaração de estar disposto ã negociar com o primeiro entra em contradição ao apoio incondicional ao enclave sionista no Oriente Médio. O novo presidente também já disse reiteradas vezes que pretende fortalecer a ocupação militar no Afeganistão e posicionar tropas na fronteira com o Paquistão, além de fortalecer o acordo político, estratégico e militar com o enclave imperialista no Oriente Médio, Israel, declarando em diversas ocasiões que “os inimigos de Israel são inimigos dos EUA”. Isso significa que a matança e opressão sistemática dos palestinos seguirá sendo financiada pelo governo norte-americano, além da manutenção de grande parte do imenso montante de dinheiro destinada ás ofensivas militares dos EUA.
Frente a isso, setores minoritários mas interessantes não pronunciaram apoio a Obama, como Medea Benjamin, dirigente do grupo norte-americano feminista anti-guerra Code Pink, que afirma: “No início achei que estava sendo muito legal ter um candidato como Obama, que havia votado contra a Guerra do Iraque e estava mobilizando os jovens para participar da política. Mas ele se mostrou um candidato igual aos outros. Minhas desilusões começaram quando ele começou a mostrar um discurso militar muito mais forte. Hoje em dia já não acho que ele vai trazer os soldados de volta, que fará isso em um cronograma de 16 meses, como sempre disse. Ele fala do Afeganistão como guerra boa. O que é uma guerra boa? Ele defendia negociar com seus inimigos, mas agora é leve nessa questão”. (Folha de São Paulo, 04/11/2008). Outros setores poderão seguir a mesma trilha de desilusão com Obama no próximo período.
Esta tese se fortalece ainda mais conforme Obama anuncia os prováveis nomes para a composição de seu governo, que indicam que ao contrário da retórica de campanha, privilegiará a “velha política” do establishment norte-americano, não apenas com os já esperados conselheiros provenientes do governo Clinton, como John Podesta conhecido como Rhambo por sua maneira de fazer política, mas também com republicanos como que Robert Gates, cotado para fazer parte da equipe de defesa nacional de Obama, e que anteriormente foi diretor da CIA e Secretário de Defesa de ninguém menos que...Bush. Assim, como coloca artigo da folhaonline inspirado no jornal norte-americano New York Times (8/11/2008): “A escolha destes nomes pode indicar que Obama, árduo crítico das políticas "falidas" de Bush, governará como ele na área de segurança nacional. Levanta dúvidas também se ele manterá uma das principais promessas de sua campanha, levar as tropas americanas no Iraque de volta para casa em até 16 meses. Outro legado de Bush a Obama será um novo acordo de permanência das tropas americanas no país, assinado diretamente com o governo iraquiano”.
Por outro lado, a apologética saudação dos principais governantes mundiais, como Sarkoy na Alemanha, Merkel na França, e dos meios de comunicação burgueses internacionais, como a mensagem de um renomado jornal alemão que estampou uma foto de Obama na capa sob os dizeres “Lidere o mundo rumo uma situação melhor”, mostra a contradição marcante de que frente ã decadência histórica do imperialismo norte-americano, não há outra alternativa que se postule ao cargo de potência hegemônica. Entretanto é provável que esta saudação calorosa por parte dos governos imperialistas europeus dê lugar a maiores tensões no plano internacional, ã medida em que a crise econômica avança, e se recrudesça a competição interestatal. Estamos diante um cenário de incertezas, cuja vitória de Obama não fecha por si mesma. A gravidade da crise econômica, que nas palavras de Alan Greespan é a “crise do século” anunciam terremotos que a retórica não pode solucionar, e demandas cada vez mais urgentes dos trabalhadores, negros e imigrantes de todo o mundo que só serão resolvidas no marco da ação independente destes mesmos setores. Apostemos nesta que é a única solução realista frente ã crise atual.
As perspectivas após o triunfo de Obama
(extraído do LVO - 302. Por Claudia Cinatti)
(...) O grande desafio do governo de Obama pode provir do plano interno , frente ã magnitude e pesada carga que implica a monumental crise econômica. Mais cedo que tarde as ilusões e expectativas dos trabalhadores, minorias de negros e latinos e os milhões que vêem sua subsistência ameaçada pela recessão, se chocariam com a realidade de que o governo de Obama não defenderá seus interesses, mas os das grandes corporações capitalistas.
A maioria dos setores “progressistas” que com mais ou menos entusiasmo chamou a votar em Obama, justificaram sua posição argumentando que seu governo será mais pressioável pelas lutas dos trabalhadores. Roosevelt nos anos 30, Kennedy nos 60 ou Obama em 2009 confirmaram mais de uma vez que para além da retórica “esquerdista” ou das políticas “populistas”, como o New Deal, o Partido Democrata junto com o Partido Republicano defende os interesses da burguesia imperialista. Basta recordar que na presidência de Kennedy os EUA invadiram Cuba, que o democrata Johnson incitou a guerra do Vietnã e que o próprio Roosevelt quando sua política de New Deal se demonstrou incapaz de revitalizar a economia norte-americana e se deu a crise de 1937, transformou o New Deal em “War Deal”, isto é, mudou o rumo econômico para os preparativos bélicos em 1938 para disputar a hegemonia mundial contra a Alemanha nazista e a Grã-Bretanha.
Foi esta “indústria de guerra” que efetivamente permitiu a recuperação da economia e aos EUA entrar na guerra e sair como única potência hegemômica em 1945, ainda que em nível mundial tenha compartilhado o domínio do mundo com a União Soviética. Dizemos isso ainda quando está por ver-se se Obama aplicará um giro significativo na política econômica nos marcos da defesa do regime burguês imperialista, Tampouco podemos descartar um giro claramente protecionista, como pode supor certa retórica eleitoreira do ex candidato e da composição majoritária democrata das duas câmaras do Congresso. Historicamente a estratégia do “mal menor” jogou a favor de que o Partido Democrata atue como contenção dos setores médios “progressistas” e das tendências ã radicalização da vanguarda operária, como ocorreu no anos 30 com a cooptação por parte de Roosevelt do sindicalismo combativo da CIO ou a fins dos 60 com o movimento contra a guerra do Vietnã. Este tem sido um grande obstáculo para a independência política dos trabalhadores, que majoritariamente votam no Partido Democrata.
A profundidade da crise econômica e o novo período histórico que se abre provavelmente acelerem a experiência com o governo de Obama. As ilusões ou as expectativas frustradas podem se traduzir em luta de classes e na emergência de novos fenômenos políticos, como ocorreu nos anos 30 com o surgimento da CIO (primeiro Committee for Industrial Organization e a partir de 1937 Congress of Industrial Organization) que em poucos meses o CIO atraiu para suas fileiras milhares de trabalhadores empregados e desempregados, como os operários das automotrizes de Toledo em 1934 ou Teamster de Minneapólis. É certo que a história não volta a se repetir, mas também é certo que estamos em uma crise de uma magnitude histórica similar ã que deu lugar aos processos mais agudos de radicalização da classe operária norte-americana. No próximo período está aberta a possibilidade de que a classe operária, que foi duramente golpeada desde a presidência Reagan, e que sofreu duras derrotas nos últimos 30 anos de ofensiva neoliberal, na qual sua representação sindical se reduziu a apenas 12% da força de trabalho recupere sua organização e que se abra a oportunidade para que os trabalhadores norte-americanos e as minorias oprimidas rompam com os partidos exploradores.
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