Após três semanas de bombardeios contínuos, o Estado de Israel decidiu por um cessar fogo unilateral em 18 de Janeiro, sem reconhecer o Hamas como um interlocutor, e retirar suas tropas da Faixa de Gaza, antes da posse de Barack Obama.
Relatos de agências humanitárias e da imprensa que entraram em Gaza depois da guerra são assustadores: até agora se calcula que mais de 1.400 palestinos foram mortos, pelo menos 40% de mulheres e crianças, e 6000 foram feridos, cifra que sem dúvida irá aumentar com o passar dos dias. A infra-estrutura civil e hospitalar, edifícios governamentais, escolas, mesquitas, a Universidade de Gaza, milhares de casas e até mesmo instalações das Nações Unidas foram reduzidas a escombros.
Este massacre não foi um ato de loucura, mas um assassinato cuidadosamente planejado pelo governo de Olmert, durante pelo menos seis meses, segundo a própria imprensa israelita.
Enquanto os Estados Unidos, a União Europeia e os países árabes foram cúmplices do governo sionista e seu alegado direito de defender a sua segurança nacional, centenas de milhares em todo o mundo saíram ás ruas nas últimas semanas para repudiar crimes de guerra do Estado do Israel.
No anúncio do fim dos ataques, o governo israelense – uma coligação composta do partido Kadima e do Partido Trabalhista – declarou "cumpridos" os seus objetivos de guerra e reestabelecida a capacidade de "dissuasão" militar danificada após a derrota militar sofrida na guerra do Líbano em 2006. Porém, apesar do citado “êxito” militar de Israel, que assim define seu governo, o resultado político do massacre ainda é incerto visto que as conseqüências regionais que podem derivar se darão em médio prazo. Ambos os lados proclamam a “vitória”: Israel por ter arrastado a carnificina com total impunidade durante três semanas; o Hamas por ter se mantido como movimento de resistência e como governo em Gaza apesar do ataque brutal que foi submetido. Esta é a parte verdadeira do ponto de vista do Hamas de que “o agressor sionista foi derrotado”.
As razões da ofensiva israelense
Israel usou como pretexto os precários foguetes que Hamas lançou contra seu território para iniciar a operação “Chumbo grosso”. Como se sabe esta desculpa não tem nada a ver com as verdadeiras razões de uma guerra que foi planejada com vários meses de antecedência, quando ainda estava vigente a trégua decretada pelo Hamas a meados de 2008.
A ofensiva militar israelense contra Gaza é essencialmente uma combinação de fatores externos e internos. Do ponto de vista da correlação de forças em geral, o fracasso do plano de Bush para "redesenhar" o Oriente Médio e seu erro de cálculo estratégico que levou a guerra e ocupação do Iraque, teve como conseqüência não desejada pelo imperialismo o reforço do Irã como uma potência regional e de seus aliados, que constituem a principal "ameaça" não só para o imperialismo e para o Estado sionista, mas também para governos árabes aliados dos Estados Unidos, principalmente a Arábia Saudita, Egito e Jordânia.
No Líbano, o Hezbollah foi capaz de infligir a primeira derrota militar para Israel em 2006, o resultado da guerra lhe permitiu tornar-se um ator-chave no governo libanês e sua crescente popularidade em todo o mundo muçulmano. Nos territórios palestinos, Israel falhou em derrubar o governo Hamas, apesar de ter sido isolado na Faixa de Gaza após a fracassada tentativa de golpe por parte da Autoridade Nacional Palestina com o apoio do Egito, transformada em um campo de concentração sob cerco militar por ar, mar e terra e duas vezes engasgada pelo bloqueio econômico de potências imperialistas e israelita.
Por meses Israel discutiu a forma de sair desta situação. O governo de Olmert tinha pressionado sem êxito para que o governo Bush lançasse, ou lhe permitisse lançar um ataque militar contra as limitadas instalações nucleares do Irã, uma ação muito ofensiva para os Estados Unidos no quadro das inacabadas duas guerras no Iraque e no Afeganistão além da pior crise econômica desde a Grande Depressão. A alternativa de Israel foi atacar o Hamas, agora aliado ao Irã e ã Síria, como uma forma de restaurar a sua capacidade para "dissuasão" militar, enviar uma mensagem para o regime iraniano e determinar o curso da política no Oriente Médio na era "pós Bush”, ainda que a política de Obama seja manter a aliança incondicional com o Estado de Israel, como demonstrado pelo seu gabinete em que o lobby sionista teve um importante peso para incluir Hilary Clinton e Rahm Emanuel.
No plano interno, a guerra foi motivada pela concorrência eleitoral entre os dois candidatos do atual bloco governista, o Kadima com a atual ministra dos assuntos estrangeiros Livni e o Partido Trabalhista, com o ministro da Defesa Ehud Barack, além de Benjamin Netanyahu, o candidato da extrema direita do Likud, no contexto de um profundo equilíbrio ã direita da sociedade israelita, que apoiou em cerca de 85% a ofensiva contra Gaza.
Resultado incerto
Com a "Operação Chumbo Grosso”, o governo de Olmert, apesar do feroz bombardeio, obteve sucesso limitado em impedir que o Hamas continuasse disparando foguetes caseiros contra cidades israelenses e impedir o contrabando de armas, destruindo os túneis que ligam Gaza com o Egito. Com esta terrível guerra assimétrica, tentou enfraquecer o Hamas qualitativamente, causando a maior destruição possível de sua infra-estrutura, matando a maior quantidade de dirigentes políticos e militares e, acima de tudo, para infligir um castigo coletivo, o que justifica o número monstruoso de civis mortos com a menor quantidade de baixas de soldados israelenses.
Como uma lição aprendida na guerra do Líbano, Israel evitou a chamada "terceira fase" de guerra, ou seja, a entrada em cidades para combater rua por rua o Hamas e a resistência palestina. Mas com a retirada das tropas o resultado político dessa operação é incerta, pois há uma enorme contradição entre os resultados limitados e o preço a pagar por ele com um fortíssimo descrédito internacional em relação ã Israel, incluindo setores judaicos ou de origem judaica, que vieram a condenar o massacre. Apesar da destruição maciça e dos 250 a 400 membros mortos do Hamas, incluindo o chefe de segurança da Faixa de Gaza, o Hamas declarou o que o grupo definiu como "uma vitória popular", com enormes manifestações nas ruínas deixadas pela guerra. Como coloca um analista de jornal Haaretz: “o exército mais forte no Médio Oriente pode registrar uma vitória contra o Hamas, restaurando sua capacidade de amedrontar a população civil palestina, mas a ameaça real para Israel é o Irã e a permanência da “equação estratégica” na região faz com que Gaza seja um episódio exitoso e nada mais; um arranjo temporário até o próximo round" (A need for new strategic thinking, Zvi Bar’el, Haaretz 19-01-09).
No plano interno, a vantagem que o candidato trabalhista Barack havia tido durante a ofensiva militar, subindo nas pesquisas ã medida que aumentavam os mortos palestinos, parece não ser suficiente e Netanyahu continua liderando a intenção de voto, o que põe seriamente em dúvida a continuidade da coalizão Kadima-Trabalhismo no governo, e pode ser um obstáculo a mais para qualquer tentativa de negociação que a administração norte-americana de Obama possa tentar. O candidato do Likud saiu rapidamente a criticar o governo de Olmert por haver retirado as tropas sem ter conseguido sequer os supostos objetivos mínimos, afirmando que "em última instância não haverá alternativa a derrubar o Hamas" e que "Israel não pode tolerar uma base iraniana perto de suas cidades".
No plano regional, a ofensiva israelense aumentou o desprestígio dos governos árabes aliados dos Estados Unidos e de Israel, principalmente a Jordânia, o Egito e a Arábia Saudita, e da Autoridade Nacional Palestina e deixou exposta tanto a subserviência desses governos quanto as profundas divisões e impotência da Liga Árabe, que não foi capaz nem sequer de fazer uma reunião de emergência para responder ã crise humanitária e o massacre de Gaza e terminou fraturada entre uma ala abertamente pró norte-americana, formada pelo Kuwait, o Egito, a Jordânia e a Arábia Saudita e outro setor liderado pelo Catar e a Síria que se somou ao Irã e ao Hamas.
A relação de Israel com o Egito também se abalou por conta da declaração unilateral de cessar-fogo do governo israelense que ignorou as iniciativas do governo de Hosni Mubarak.
Um dos objetivos que o estado sionista tinha era que a população palestina culpasse o Hamas pela guerra e a força das bombas, e "compreendesse" que a única saída era aceitar o governo serviçal da Autoridade Palestina e as condições de apartheid impostas por Israel. Pelo contrário, até agora os bombardeios só conseguiram aumentar o ódio da população de Gaza e do conjunto do mundo árabe muçulmano contra os opressores sionistas. Apesar dos golpes e do esmorecimento que o ataque israelense implicou ao Hamas, essa organização aumentou seu prestígio no mundo árabe e muçulmano por ter resistido ã ofensiva militar, e ainda que seja muito cedo para saber, provavelmente também aumentou sua simpatia na população palestina. Mahmud Abbas e a Autoridade Palestina saíram profundamente desprestigiados por sua cumplicidade com a matança e por manter a "ordem" na Cisjordânia, reprimindo inclusive as mobilizações dos próprios palestinos em apoio a Gaza. Agora Abbas chama ã conformação de um "governo de unidade nacional", reconhecendo de fato que no momento não há possibilidades de excluir o Hamas e restaurar um governo do Fatah.
Perspectivas
Depois da destruição conhecida e consentida pelas potências imperialistas, estabeleceu-se uma trégua precária e abriu-se uma frente diplomática. A França insiste com sua proposta de "conferência internacional de paz", que é rechaçada pelos Estados Unidos e Israel. A Liga Árabe, ainda que dividida, ofereceu uma quantia milionária para a reconstrução de Gaza e ressuscitou a lembrança do "plano de paz" da Arábia Saudita de 2002, que propunha a retirada israelense dos territórios ocupados em troca da normalização das relações com o Estado de Israel. Isso quando Israel avançou qualitativamente na colonização da Cisjordânia (já há cerca de 500.000 colonos judeus) e construiu em todos esses anos um vergonhoso muro que encerra as cidades palestinas.
Por sua vez, a Turquia, que vinha mediando as conversas entre Israel e Síria, coloca a necessidade de incluir o Hamas nas negociações, ao que se opõem Israel, Estados Unidos e a União Européia, que consideram o Hamas como uma "organização terrorista".
Ainda está por ver-se qual significado concreto terá a disposição ao "diálogo sem condições" com o Irã que o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama havia apresentado em sua campanha e como essa política se conjuga com sua orientação abertamente pró-israelense. No entanto, para além da promessa de "mudança" e das ilusões e expectativas que gerou, até o momento Obama representa uma importante continuidade da política de Bush e durante o período de transição até sua assunção, tem avalizado o massacre israelense e de conjunto, a política da administração republicana.
Ainda que Obama tente passar a imagem de encarnar um giro a uma política mais "multilateral" e diplomática, as tendências que estão se incubando na situação internacional são de uma maior polarização e exacerbação dos conflitos regionais no marco da crise econômica mundial e da crise da hegemonia norte-americana, que dificilmente Obama conseguirá reverter. A chave para mudar essa situação será a capacidade de resistência das massas palestinas e dos trabalhadores e oprimidos do Oriente Médio e sua luta contra a opressão do imperialismo, do Estado de Israel e de seus governos serventes de seus interesses.
Pela vitória da resistência palestina
A política expansionista e colonial do Estado de Israel, fundado sobre a expropriação e a limpeza étnica da população árabe em 1948, mostra que o caráter reacionário da famosa "solução de dois estados", propagandeada pelo imperialismo, as burguesias árabes e a Autoridade Palestina, que reduziu o suposto estado palestino a um conjunto de cidades sem unidade territorial nem meios viáveis de subsistência, verdadeiros guetos rodeados por um muro e milhares de soldados israelenses que controlam a entrada e saída dos territórios.
Nos últimos anos, Israel não parou de conquistar e anexar a suas futuras fronteiras cada vez mais territórios. A única forma de manter-se como um estado racista, ou seja, de caráter exclusivamente judeu, é submetendo e colonizando o povo palestino e aterrorizando com seu armamento nuclear aos povos árabes vizinhos.
A OLP traiu abertamente a luta nacional palestina e hoje Abbas e Al Fatah são funcionais ã política de Israel e do imperialismo. As direções islà¢micas que se fortaleceram nos últimos anos, pregam a colaboração de classe e tem como estratégia reacionária estabelecer um estado confessional.
A existência do Estado de Israel, um enclave colonialista e guardião dos interesses imperialistas no Oriente Médio, é incompatível com os direitos nacionais do povo palestino. Nós revolucionários nos pronunciamos pelo fim do Estado de Israel terrorista e colonial e defendemos o direito elementar do povo palestino de ter seu próprio estado no conjunto do território histórico palestino, um estado verdadeiramente laico e não racista onde possam conviver em paz árabes e judeus. Mas essa legítima aspiração nacional só poderá ser realizada no marco da luta por uma Palestina operária e socialista e de unidade revolucionária da classe operária e das massas oprimidas da região, unindo os interesses da classe trabalhadora dos países do Oriente Médio contra seus governos locais e o imperialismo, abrindo a perspectiva da revolução operária e o caminho à luta por uma Federação Socialista do Oriente Médio.
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