Em 22 de fevereiro, depois de quase dois meses de instabilidade política, o primeiro ministro da Letônia, Ivars Godmanis, apresentou sua renúncia. Este é o segundo governo europeu que cai produto da crise econômica internacional.
A economia letã sofreu de cheio o impacto da crise. O produto bruto se contraiu a uma taxa anual de 10,5% no mês passado e se espera que para finais deste ano a contração seja ao menos de 15%.
Como explica o diário Wall Street Journal, “Letônia é um elo particularmente débil no sistema financeiro da Europa do Leste devido ã supervalorização da sua moeda e a uma grande dívida do setor privado denominada em euros” (WSJ 21/2/09).
A desvalorização do lat, a moeda letã, liquidaria sua taxa de cambio fixa com respeito ao euro, o que ameaçava afetar não só aos países bálticos vizinhos – Estônia e Lituânia - senão também a possibilidade de pagamento aos bancos dos países escandinavos que lhes tem outorgado créditos denominados em euros. Para evitar este cenário de default, o FMI, junto com vários países e instituições financeiras da União Européia, concederam ã Letônia um crédito de 9,5 bilhões de dólares em 23 de dezembro de 2008. Ao contrário, o governo letão colocou em marcha um programa de ajuste fiscal, que incluía uma rebaixa salarial de 25% para os empregados públicos, o fechamento de hospitais e escolas e uma redução da verba estatal em aproximadamente 40%. Isto no marco de uma subida pronunciada do desemprego, que alguns analistas estimam que alcançará os 12%, e da queda dos salários, com que as patronais responderam ã queda nas exportações e ã falta de crédito, fatores que haviam permitido o crescimento dos últimos anos.
Este conjunto de medidas antipopulares e anti-operárias disparou uma onda de mobilizações sem precedentes desde a queda do regime stalinista em 1991, que começou em meados de janeiro com uma manifestação massiva convocada por um amplo arco anti-governamental, incluídos os partidos opositores, os sindicatos e setores campesinos, duramente reprimida pela polícia, e culminou com a caída do governo. Esta situação está acendendo luzes de alerta nos principais meios capitalistas, como por exemplo, o diário Financial Times que alerta que na Europa do Leste “o descontentamento social cresce e os políticos populistas irão muito bem nas próximas eleições” (FT 19/02/09)
Elos débeis
Logo da queda dos regimes comunistas e a restauração capitalista, os países da Europa do Leste e Central abriram suas economias aos investimentos estrangeiros, sobretudo das multinacionais das potências imperialistas da UE, que aproveitaram as condições favoráveis para os negócios. Ademais privatizaram os bancos locais, que foram comprados por bancos da Europa ocidental, desregularam seus mercados financeiros e contraíram dívidas descomunais para financiar seu “crescimento”.
Países como Polônia, Hungria e a República Tcheca eram apresentados como “modelos” de desenvolvimento capitalista e durante anos viveram um boom baseado nas exportações, que em alguns casos como Eslováquia ou Hungria chegavam a representar entre 80% e 90% do produto bruto.
Letônia, Estônia e Lituânia, ingressaram ã União Européia em 2004, ainda sem adotar o euro. Desde então tem apresentado altos índices de crescimento, o que lhe rendeu o título de “tigres bálticos”. Mas a crise econômica e a recessão nos principais países da UE, o principal destino para suas exportações, deixou exposta a vulnerabilidade destes países com um forte endividamento em moeda estrangeira.
Segundo um artigo do New York Times, nos últimos meses “a moeda desabou em 48% frente ao euro; a da Hungria caiu em 30% e a da República Tcheca em 21%”, esta dinâmica de caída das moedas locais faz temer que a crise se expresse como “um efeito contagio entre as moedas da região com reminiscências da crise financeira asiática de finais dos ’90” (NYT 24/2/09).
Em 23 de fevereiro se reuniram os responsáveis dos bancos centrais da Polônia, Hungria, Romênia e a República Tcheca, os quatros países ex-soviéticos com moedas flutuantes, para tratar de restaurar a calma e a confiança.
Entretanto, esse mesmo dia, as ações dos bancos escandinavos se afundaram pelo temor estendido a que o debilitamento das moedas destes países leve a um default generalizado de suas dívidas contraídas com os bancos ocidentais.
A outra economia em graves problemas é a da Ucrânia. À queda da bolsa em outubro passado foi seguida pela derrubada de 20% do PIB entre janeiro de 2008 e de 2009, o que tem contribuído para a queda na demanda internacional de aço – que representa 40% das exportações ucranianas. Segundo os últimos informes de agências internacionais de crédito, é cada vez maior a probabilidade de que sua dívida externa, que se quintuplicou entre 2007 e 2008, caia em default. A crise econômica e política da Ucrânia, importante não só para Rússia, como também para a UE, em particular para Alemanha, não para de crescer apesar de haver recebido em outubro de 2008 um empréstimo do FMI de 16,5 bilhões de dólares.
Até o momento, Hungria, Islà¢ndia, Ucrânia e Letônia pediram ajuda ao FMI, mas segundo seu presidente Strauss-Khan, o organismo “espera uma segunda onda de países” que solicitem empréstimos. A Romênia anunciou que prontamente se verá obrigada a recorrer ao Fundo. As economias do centro e leste da Europa não só estão sofrendo os embates da crise senão que tem se transformado nos elos débeis da União Européia, ameaçando arrastar em sua caída a economias de países capitalistas avançados da UE, cujos bancos estão expostos ã crise do leste europeu. Este é o caso da Áustria, cujos bancos têm ativos na Europa do Leste por um valor de 277 bilhões de dólares, o que significa uma exposição financeira que oscila entre 70% e 80% do seu PIB, mas também da Itália, Suécia e Suíça, este último país vulnerável a um possível default das dívidas da Hungria, contraídas em sua grande maioria em francos suíços (moeda deste país), ante a eventualidade de uma desvalorização forte do florín (moeda húngara).
A crise da Europa do Leste é na verdade uma crise da eurozona de conjunto. Isto o expressou com claridade um funcionário do FMI que disse que “Europa do Leste se transformou na versão européia do mercado subprime”.
Ante esta situação, a UE convocou a uma mini-cúpula para o próximo 1° de março para discutir como fazer frente ã crise dos estados recentemente incorporados ã União. Segundo o diário Financial Times, a UE deve “desenhar um plano para ajudar aos bancos da Europa do Leste em caso de que suas casas matrizes não possam os manter flutuando” e acelerar sua adoção do euro. Ademais recomenda aos países mais ricos da UE “evitar a retórica protecionista – por exemplo, sobre os trabalhadores polacos na Grã Bretanha ou a prioridade das automotrizes francesas sobre as da República Tcheca – que debilitava a credibilidade em um mercado único” (FT, 19/02/09). Mas esta ação coordenada para o resgate dos países do leste parece uma tarefa muito difícil com as principais economias da UE em recessão, o que recria permanentemente tendências ao protecionismo e aprofunda tensões ao interior do bloco europeu, como se expressou na última reunião da UE que buscava levar uma posição comum ã cúpula do G20, na que, por exemplo, o primeiro ministro tcheco, a cargo da presidência rotativa da UE se negou a saudar a Sarkozy por sua política contra as automotrizes de seu país.
Crise e resistência
A revolta popular na Letônia não é um feito isolado senão que forma parte das primeiras manifestações de resistência ante os intentos abertos de descarregar os custos da crise sobre os trabalhadores e os setores populares, enquanto se resgata a banqueiros e fundos de cobertura. As mobilizações na Grécia e Islà¢ndia lhes somaram nos últimos meses Ucrânia, Bulgária, Polônia, Rússia e Irlanda (onde os trabalhadores tem recorrido ã ocupação de fábrica, ver artigo). Ainda que com desigualdades, esta resistência também alcançou a alguns países imperialistas centrais, em primeiro lugar a França aonde se vem desenvolvendo um processo de mobilização operária, estudantil e popular contra os planos de Sarkozy que coincide com uma situação aguda, com greve geral e levantamentos em duas de suas colônias antilhanas, Guadalupe e Martinica.
Com a exacerbação da crise econômica, os governos imperialistas, como, por exemplo, o britânico ou o italiano, estão recorrendo cada vez mais ã demagogia protecionista e anti-imigrante para desviar a revolta dos trabalhadores e dividir as filas da classe. Os trabalhadores e os oprimidos de toda a Europa terão que enfrentar estas falsas divisões para poder derrotar os planos dos governos imperialistas e fazer que a crise a paguem os capitalistas.
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