Crise na esquerda italiana pelo “caso Ferrando”
Por: Lucas Pizzutti
Fonte: La Verdad Obrera N° 181
Depois de cinco anos do governo de Berlusconi já há uma saturação em relação ã sua política. Não apenas a classe operária (que sempre foi de oposição), mas também boa parte da classe média se revela insatisfeita com o estancamento econômico, o monopólio dos meios de comunicação, ou as leis feitas sob medida para eximir Berlusconi da prisão. Nestes cinco anos, teve que enfrentar importantes movimentos grevistas e sociais. Para evitar que o atual movimento de massas se transforme em um movimento que coloque em questão o regime e a patronal, a burguesia prepara uma “substituição democrática”.
A “União”, encabeçada por Romano Prodi, é favorita nas pesquisas. Esta coalizão é a união de Olivo (integrado pela DS, ex comunistas social-democratizados, e Margarita, ex cristãos democratas, como principais atuantes) com a Refundação Comunista (RC), partido proveniente do velho PC, dirigido por Fausto Bertinotti.
Tentam convencer aos trabalhadores de que não há alternativa “possível” no intento de se colocar acima de Berlusconi. Prodi foi governante da Itália entre 96 e 98, quando RC (que sustentava o governo por fora) deixou de apoiar o governo e teve que renunciar. Durante seu governo se realizaram, sobretudo, importantes privatizações e se começou a instalar a precarização no trabalho. Enviou tropas imperialistas a Albânia, depois da revolta nacional de 97. Entre 98 e 2005, o presidente da reacionária Comissão Européia passou dirigir a imperialista União Européia.
Lembremos que em 99, o conjunto dos países europeus ocidentais bombardeou a Sérbia e invadiu o Afeganistão em 2001 (sempre adjacente aos E.U.A.). A partir da Comissão, impulsionou o desmantelamento do que restou do Estado de bem estar nos países ocidentais, levando ao saqueio dos ex Estados operários do Leste, recentemente incorporados a U.E. Prodi é inimigo dos trabalhadores e dos povos.
O caso Ferrando e a sonegação de Altamira
RC é um partido “amplo” de esquerda que, sob a liderança de Fausto Bertinotti, está concluindo seu giro “governamental” sua subordinação completa ã burguesia imperialista italiana. Aparte do “apoio por fora” ao governo anterior de Prodi, vem co-governando regiões e municipalidades na Itália, aliados a Olivo desde 92. Depois das últimas eleições regionais, os que hoje conformam a União dirigem a imensa maioria das regiões. No congresso partidário de 2005, votaron a aliança com Olivo (União), mesmo que as minorias do partido não aprovaram esta política. Progetto Comunista, ligado ã CRCI (a organização internacional do PO argentino) é uma corrente minoritária deste partido (6,5% no último congresso), no qual faz “entrismo” [1] Depois de 15 anos já não se pode falar de entrismo, uma vez que já consolidam uma ala do RC há 15 anos. Sempre sustentaram que não apoiariam o ingreso do RC em um governo burguês nacional.
No entanto, no final de janeiro, Marco Ferrando (dirigente público do Progetto) é nomeado pela direção da RC para encabeçar as listas de senador pela região Abruzzo. Isto abriu uma dura discussão pública no seio do Progetto [2], e foi um dos motivos que os levou ã cisão liderada por 10 dos 17 membros da direção da RC (encabeçados por Francesco Ricci), e de uma parte considerável de sua militância. Hoje se trata de duas correntes distintas. Ferrando e seu grupo foram acusados pela ala de Ricci de fazer um acordo com Bertinotti que garantia “votar na confiança em Prodi” no Parlamento, “sobre este último ponto Bertinotti foi muito claro, segundo os diários” (www.progettocomunista.org).
Se apoiavam, entre outras declarações, em uma entrevista concedida por Ferrando ao Corriere della Sera (23/1) em que dizia “E você, Ferrando, deverá votar na confiança? Espero que meu partido (RC) volte a pensar -responde Ferrando- Em todo caso (sic), Prodi deverá enfrentar uma forte oposição social de esquerda, da qual seremos referente político”. Depois do congresso da RC em 2005, e da promessa de Prodi de oferecer-lhes cargos como ministros em um eventual novo governo, afirmar que este partido poderia “repensar” o giro “governamental” seria mentir sobre as intenções de Bertinotti e sua camarilha. Conhecendo os acordos que ligam a RC com a burguesa União, as palavras de Ferrando são uma utopia ou diretamente uma delusão aos trabalhadores para sustentar sua candidatura.
Logo, em outra declaração pública afirmou que o “Progetto arranca este espaço sem intercâmbio político”(26/1) e que “jamais realizaremos qualquer compromisso político no tocante das questões de princípio” e acusam Ricci de querer a banca para si. Contudo, em momento algum desmente o eventual voto de confiança ao burguês Prodi. Contudo, a CRCI do PO condena a ala de Ricci [3]. Ficou claro que o grupo italiano da CRCI integrava as listas eleitorais da burguesa União e chamava o voto na mesma. Além disto, não desmentiram que votarian na “confiança” em Prodi. Na Itália há um sistema parlamentar, e dificilmente Bertinotti nomeie um legislador que não vote no líder da coalizão.
No entanto, a nomeação de Ferrando como senador não chegou muito longe. Em outra entrevista ao Corriere della Sera, Ferrando declarou que Israel “é um Estado artificial” e que as tropas italianas no Iraque são “ocupantes” e o ataque ás mesmas em Nassiriya “foi um ato de resistência ao ocupante”. Destas apreciações, como trotskistas, podemos compartilhar, mas a burguesia imperialista italiana não. Nem a direita, nem tão pouco a “centro-esquerda”. Imediatamente, Massimo D’Alema (ex primeiro ministro de centro-esquerda que bombardeou a Yugoslavia) e Gianfranco Fini (atual vice-premiê), denunciaram-no pela TV como “criminoso” por suas posições. Bertinotti alegou que estas posições “são incompatíveis com a Refudação Comunista” e ordenou a retirada de Ferrando da lista de senadores de seu partido.
Obviamente, denunciamos publicamente a perseguição macartista ã qual Ferrando e seu grupo foram submetidos, sendo uma antecipação dos ataques que sofrerá o conjunto da classe operária sob um eventual governo Prodi. A “batalha” lançada por Ferrando em defesa de sua candidatura expressa a defesa não apenas de um posto nas listas que impulsionam a independência política dos trabalhadores, mas de um partido que é parte da pró imperialista União e cujos deputados e senadores votarão em Prodi como primeiro ministro.
O Congresso da RC em 2005 fechou um ciclo de 13 anos de colaboração indireta com a burguesia italiana, e passou para a co-gestão do Estado imperialista. “Será que a Itália chegou ao ponto em que um fascista anti-semita (Fini) imponha a política ã esquerda italiana?” - questiona-se em um artigo sonegador da atuação de Ferrando [4], seu aliado argentino Jorge Altamira (PO 933). Uma vez que se refere ã RC como “esquerda”, a burguesia impõe sua política desde sempre. Altamira pensa que a RC pode ser independente da burguesia, mesmo depois do congresso de 2005? “Está muito claro que não faz sentido habilitar a representação parlamentar das minorias internas para conseguir que estas façam no parlamento o que nunca fizeram fora deste - votar contra seus programas” diz Altamira. Isto não é verdade, já que Ferrando sequer chegou ao Parlamento e já o expulsaram. Por outro lado, houve “minorias” da RC que integraram o Parlamento italiano, o “Ernesto” e o “Erre”, que se alinharam sempre ao Bertinotti.
Hoje a RC é parte indispensável da burguesa União. “Romper com o centro liberalismo de Olivo”, segundo Ferrando, hoje significa romper com a RC e não chamar o voto na União. Seria o contrário de querer recuperar um lugar nestas listas de coalizão burguesa. Em nenhum documento do Progetto Comunista se fala de qual deve ser a consigna de voto para estas eleições. Se Ferrando estava nestas listas, chamavam o voto na RC de conjunto, ou seja, em todos os candidatos que comprometeram seu apoio ao próximo governo do “centro liberalismo de Olivo”? Não nos esqueçamos que não “romperam com o centro liberalismo”, mas que o expulsaram. E agora, que posição tomam para as eleições? Tão pouco encontramos nada no grupo de Ricci. Votar na RC é, sem dúvida, votar em Prodi. Se chamar o voto em Evo Morales foi um erro, votar na imperialista União (ainda que esteja nas listas da RC) é ainda mais grave. Companheiros da CRCI, ainda há tempo de retificar sua política: rompam com a Refundação, rompam com a União.
[1] Chamamos de entrismo uma tática encampada por Trotsky nos anos 30, que consistia em entrar por um curto período de tempo em um partido reformista no qual entravam massas de operários revolucionários para sair com um grupo reforçado.
[2] O PO sustenta que a polêmica interna é de longa data. O grupo de Ricci diz o mesmo, mas que a candidatura de Ferrando foi a gota d’água.
[3] "Esta ação perturbadora, certamente prejudicial, não por casualidade, condenada pela mesmíssima Coordenadora para a Refundação da Quarta Internacional (CRCI), não modifica nem em uma vírgula a realidade e as perspectivas do Progetto Comunista” (www.progettocomunista.it, site da ala Ferrando).
[4] Nesse artigo faltam com a verdade quando falam da “batalha política” de Ferrando e seu grupo (no se retiraram da lista, os expulsaram), e escondem que o grupo italiano se fracionou.
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