O convite de todas as centrais sindicais para um dia de ação na quinta-feira de 19 março foi seguido massivamente pelos trabalhadores. De acordo com as direções sindicais, 3.200.000 pessoas participaram nas manifestações. Isto não só é superior ao número das manifestações de 29 de janeiro, em que os sindicatos tinham contabilizado 2.500.000 manifestantes, como é simplesmente um número histórico, uma vez que ultrapassa o de 2006 das manifestações contra o CPE, que foi o mais alto desde Maio de 1968. Para medir a amplitude da mobilização, temos que considerar que, por um lado, estes chamados das centrais sindicais foram feitos em frio, sem grandes conflitos em importantes setores dos trabalhadores, e por outro lado, houve a participação relativamente mais débil dos setores predominantes de 2006, como os estudantes e secundaristas.
Isso significa que os manifestantes eram em sua grande maioria assalariados. Por último, a presença dos trabalhadores do setor privado, sobretudo de operários industriais era particularmente numerosa. Este é um fenômeno que marca uma ruptura importante, após 25 anos em que a luta de classes na França estava dominada pelas mobilizações dos assalariados da administração pública e das empresas públicas, sobretudo em 1995. Porque na medida em que a patronal e o governo se apoiavam tradicionalmente na oposição entre o setor público (globalmente mais sindicalizado e mais combativo) e o setor privado (muito menos sindicalizado e menos combativo), esta novidade abre a possibilidade de uma mudança na correlação de forças entre as classes.
As razões da forte participação da classe operária
Isso se explica primeiro e fundamentalmente pelo impacto da crise econômica na União Européia e na França. No começo do ano, o FMI anunciava uma recessão de 1,9% para França e o INSEE (Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos) previa uma subida de 214.000 no número de desempregados daqui até junho. O FMI acaba de revisar sua previsão para 2009, estimando que o PIB retrocederá cerca de 2,9% daqui até o fim de junho e o INSEE prevê desde agora 281.000 desempregados neste período. O que importa não é tanto o nível absoluto do desemprego, todavia inferior ao dos anos 80 e 90, senão sua alta brutal que expressa uma série de planos de demissões e fechamentos de empresas. Esta forte participação da classe operária na mobilização se explicita também na impotência do governo de Sarkozy para impedir que a crise capitalista mundial golpeie de cheio a França, pela raiva que provoca nos trabalhadores sua política de subvenções massiva aos bancos e empresas capitalistas as quais, entretanto, seguem demitindo enquanto só dá migalhas aos trabalhadores, assim como pela necessidade que tem de continuar com as contra-reformas. O descontentamento dos operários é proporcional ás ilusões que Sarkozy soube suscitar em uma parcela do eleitorado popular para se eleger presidente da República há dois anos: promessas de “ir buscar o crescimento por todos os meios”, de ser “o presidente do poder aquisitivo” e do pleno emprego.
Expressões da raiva operária
Esta mudança de estado de ânimo não se expressa somente no tamanho das manifestações, como na multiplicação das ações operárias contra as demissões, ainda mais quando o mais freqüente é que tenham o objetivo de obter melhores indenizações. Os 1200 operários da fábrica Continental (fabricantes de pneus) de Clairoix, cujo fechamento está previsto para o fim do ano, receberam seu patrão com arremessos de ovos e se enfrentaram com a polícia na manifestação de 19 de março da fábrica Sony de Pontonx-sur-l’Adour seqüestraram seu patrão durante uma noite, as operárias d’Amora-Maille (grupo Unilever) estão em greve total desde o dia 16/03 contra o fechamento das fábricas de Dijon de Appoigny; os operários da fábrica Glaxo de Evreux pararam espontaneamente contra um plano de cerca de 800 demissões, antes de levar adiante uma greve total com piquetes. Os operários da fábrica Fullmen também ameaçada de fechamento pelo líder mundial do setor, Exide Technologies (mais de 2,5 bilhões em lucro este ano), se enfrentaram com a prefeitura, lançando contra esta baterias vazias e destruindo carros do prefeito, além de terem forçado o portão de entrada na manifestação de Auxerre; os operários da fábrica Caterpillar de Grenoble, que emprega 2700 assalariados, ocuparam a fábrica contra o plano de 700 demissões; os trabalhadores da empresa farmacêutica 3M de Pithiviers sequestraram seu patrão desde 25 de março contra um plano de 110 demissões, etc. Entretanto, o estado de ânimo da classe operária está longe de ser igual em todas as partes. As vezes os operários sofrem as demissões sem reagir, esperando evitar as demissões, e outras lutam mas mais pelo horror do que com a esperança de ganhar. No extremo oposto, alguns setores já tradicionalmente combativos, estão em vias de se radicalizar. Na manifestação de Paris se podia ler na coluna da fábrica PSA de Aulnay, conhecida pela grande combatividade de seus operários, em sua maioria jovens e imigrantes, consignas como “greve geral”, “repartição das horas de trabalho”, “300 euros”.
Um governo muito desacreditado e direções sindicais sob pressão
A perda de prestígio de Sarkozy, o aumento da raiva operária e a amplitude das mobilizações colocam sob pressão as direções sindicais reformistas, tudo isso num contexto marcado pela greve geral dos trabalhadores nas Antilhas, parcialmente vitoriosa, e a greve ilimitada nas universidades, ainda que esta tenha um alcance desigual. O governo haveria anunciado ante as manifestações que não iria fazer a menor concessão. Entretanto, frente ã amplitude da mobilização, Sarkozy sem ceder nada, se esforçou em um discurso pronunciado em 24 de março em recriar as ilusões para dar um pouco de ar ao governo e aos dirigentes sindicais. Novamente denunciou as indenizações milionárias garantidas aos executivos de bancos e financeiras, ainda que sem propor nenhuma medida para impedir sua existência e anunciou um “plano de urgência” para os jovens antes do final de abril, a nomeação de “comissários de reindustrialização” (em realidade, encarregados de deixar passar melhor os planos de demissões) e novas medidas daqui até o meio do ano, pactuadas com os sindicatos. Entretanto, os burocratas não puderam ficar inativos, sob risco de perderem influência em amplas camadas dos trabalhadores. Com efeito, o êxito das jornadas de ação, que serviram para canalizar a raiva dos trabalhadores, paradoxalmente, lhes criou dificuldades, por que mostram cruamente a impotência de sua política de pactos com o governo e sua tática de mobilização de um dia a cada dois meses. Por isso começam a se dividir entre eles pela pressão da luta de classes. Reunidos no dia seguinte ao 19 de março para “decidir como continuar”, os chefes sindicais discutiram interminavelmente durante 4 horas para decidir...voltar a se ver em 30 de março. O mais ã direita, Chéreque, secretario geral da CFDT (segunda central sindical na França) quer esperar até o dia 1 de maio para uma próxima mobilização. Quando perguntaram se temia algum estouro social, respondeu diretamente: “Não temo por enquanto, e decerto não desejo (...) Nenhuma das grandes confederações quer ir neste sentido e a intersindical é bastante sólida para canalizar as tensões”. Os mais ã “esquerda”, Solidaries, querem uma nova jornada de ação antes do fim de março. No centro a direção da CGT (de longe a primeira central sindical), FO (a terceira) e a FSU (muito poderosa federação no ensino público) querem esperar para medir a amplitude da capacidade dos mais radicalizados para adaptar a eles sua nova iniciativa, com o fim de seguir controlando bem a mobilização.
A responsabilidade das organizações de extrema-esquerda
Esta tensão e a crescente popularidade da extrema esquerda, em particular do NPA, outorga a esta uma responsabilidade especial. Tanto a direção do NPA, como da Lutte Ouvriére reconhecem que a greve geral está na ordem do dia, mas não propõem grande coisa para ajudar aos trabalhadores a abrir caminho. Por isso, a Tendência CLAIRE do NPA segue lutando para que, finalmente o NPA seja ativo na coordenação destas diferentes lutas, que os burocratas deixam se desenvolver de maneira isolada deliberadamente, empresa por empresa, e ofereça uma perspectiva política. Isso supõe propor no imediato a necessidade de estabelecer uma plataforma de reivindicações que unifique a todos os trabalhadores, construa comitês para a preparação da greve geral, e leve adiante este trabalho em comum. Mas isso supõe também levantar audazmente a consigna de nacionalização sem indenização e sob gestão operária como único meio de impedir os fechamentos das empresas e as demissões. Isso pode ser justificado amplamente ante as massas apoiando-se nos bilhões que o governo desembolsa para a patronal que, entretanto, segue com as demissões, o que indigna os trabalhadores: já que não só somos nós que produzimos, senão que ademais, é com nosso dinheiro que as empresas são salvas da quebra, então a nós corresponde dirigir a produção.
|