Desde o último domingo, dia 05 de julho, Urumqui a capital da província de Xinjiang na China, a 3000 km a noroeste de Pequim, se transformou no palco do que muitos analistas já caracterizam como o pior enfrentamento entre etnias distintas desde 1955. Milhares de manifestantes provenientes da etnia uigures, de origem turcomana e que professam em sua maioria a religião muçulmana, iniciaram um protesto contra um episódio obscuro envolvendo a morte de dois operários desta mesma etnia em uma fábrica de Guandong há dois meses, supostamente assassinados por outros de origem han. A marcha que reuniu cerca de 3000 pessoas terminou sendo alvo de uma brutal repressão policial, deixando o saldo de pelo menos 156 mortos, mais de mil feridos e desatou um processo de repressão estatal com a instauração do estado de sítio e de mais de 1500 presos, além de ter reacendido a tensão étnica latente há décadas entre a maioria han, que constitui cerca de 91% da população chinesa, contra os uigures, minoria que compõem 9% da população total da China. Nos dias que se seguiram imagens de chineses da etnia han armados de paus em marchas pelas ruas para intimidar os uigures tomaram os principais jornais do mundo, enquanto os uigures também se reuniam em outra parte da capital. Como produto da escalada das tensões, o presidente chinês Hu Jintao anunciou que não participará da reunião do G8 que acontecerá na Itália, e regressa a seu país. Por sua vez, a chamada "comunidade internacional" tendo como epicentro os países imperialistas do G8 vergonhosamente não se dignou a se pronunciar até o momento, numa clara postura de não melindrar o governo chinês, mostrando que toda a demagogia que fazem em torno dos “direitos humanos” não passa de pressões políticas sobre a China para garantir seus interesses, enquanto os direitos humanos efetivos das minorias chinesas pouco importam. A emergência destes enfrentamentos fratricidas é produto da política levada adiante pelo governo chinês do PC, que a exemplo da opressão nacional exercida sobre o Tibete há mais de 50 anos, mantém as minorias étnicas em um profundo estado de controle e discriminação, negando-lhes o direito elementar ã autodeterminação nacional. Isso é o que está na base dos episódios de revolta que tem explodido recentemente, como as manifestações no Tibete pouco antes da realização das Olimpíadas de 2008. A política criminosa do PC chinês se manifesta terrivelmente através da escalada de violência étnica, em que o comando estatal deixa como mínimo correr os enfrentamentos, nada fazendo para conter os setores da etnia han que saíram ás ruas armados com o objetivo de se enfrentar aos uigures. Este enfrentamento de povo contra povo é alentado pelo governo de Pequim que propagou a informação não constatada de que uigures teriam matado hans na manifestação de domingo, ainda que várias testemunhas tenham afirmado que a maioria dos mortos foram atingidos pela polícia. “O protesto de domingo se iniciou pacificamente. Alguns uigures até levavam a bandeira chinesa para demonstrar que seu mal-estar não estava dirigido contra os chineses. Mas como a manifestação não foi autorizada pelo governo chinês a polícia começou a disparar contra a multidão. Assim começaram os enfrentamentos”, afirmou Can vice-presidente do Congresso Mundial Uigur. Não por coincidência o governo chinês se nega a divulgar quantos mortos seriam uigures e quantos Hans. Os corpos das vítimas foram “misteriosamente” carbonizados numa clara tentativa de dificultar sua identificação, pois isso provaria que a violência se iniciou em um enfrentamento com as forças de repressão estatal.
Opressão criminosa do PC chinês sobre minorias
Apesar de Xinjiang ser uma “província autônoma” seu governo central é controlado pelo PC chinês, que leva ã frente uma política de profunda discriminação aos membros da comunidade uigur, tanto social, e economicamente quanto politicamente. Os uigures originalmente compunham cerca de 80% da população total de Xinjiang, mas após as políticas levadas ã frente pelo governo chinês durante os anos de 90 de estimular a migração de chineses han para a região, a proporção mudou para 45% de uigures e 40% de hans na província. Na capital Urumqi com população de cerca de 2,3 milhões de pessoas, a maioria é hoje composta de hans. Com o crescimento da economia chinesa no início da década passada, e a instauração de 60 mil fábricas e incremento da extração das ricas reservas de gás na província o governo concedeu uma série de incentivos aos chineses que se instalassem em Xinjiag, reservando a estes os empregos nas reservas de gás – que são algumas das maiores da China – e nas indústrias, enquanto os uigures seguiram restritos ás atividades de menor capacitação, como o cultivo de frutas, e tendo menos direitos civis. Esta política do PC gerou o reinício de hostilidades, que desatou uma onda de protestos nos anos 90 duramente reprimidos, e é comparada por diversos analistas ã política levada ã frente pelos colonos judeus que se instalaram na Palestina antes da fundação de Israel. Tanto em relação aos palestinos como com os uigures o resultado foi o aumento do seu êxodo. Muitos uigures saíram do país em direção ã Albânia, Afeganistão, arquipélago do Palau, e outras regiões. “Fundamentalmente, a relação entre uigur e han é de colonizado e colonizador”, afirmou Nicolas Bequelin pesquisador da China ao jornal norte-americano New York Times. Nos dias atuais, com o avanço da crise capitalista que tem golpeado a China de maneira importante para além da relativa estabilização conjuntural, as desigualdades sociais, políticas e econômicas da região se tornaram insustentáveis, sendo a motivação de fundo do protesto uigur. “Legalmente as mulheres na China podem ter dois filhos, mas quando as uigures estão grávidas do segundo tem muito medo, por que as autoridades chinesas as obrigam a abortar. Nos hospitais são operadas forçosamente para que se tornem estéreis. Além disso, nos tratam como escravos. Nossas mulheres são obrigadas a trabalhar em regime de escravidão nas fábricas no centro da China. O governo de Pequim pratica uma política de assentamento da maioria han em Xianjiang o que obriga os uigures a terem que deixar suas casas e seus empregos”, relata Can ao jornal espanhol El País. Isto se intensificou após os atentados de 11 de Setembro nos EUA, com o governo chinês se aproveitando da política antiterrorismo de Bush para endurecer a repressão aos uigures, acusando-os de serem parte da Al Qaeda e de terrorismo. É preciso desmascarar urgentemente a política criminosa do governo chinês, de incitar a violência étnica. É urgente que se realizem apurações por comissões independentes e punição dos reais culpados pelas 156 mortes, bem como a libertação de todos presos, e o fim das penas de morte.Também há que se romper relações diplomáticas com o governo chinês, e denunciar a opressão que este realiza sobre as minorias étnicas. Somente o respeito ã vontade do povo uigur, inclusive garantindo que se constituam como uma nação separada da China se assim o desejarem, poderá trazer paz entre uigures e os hans. Por sua vez, a política do governo chinês também é dirigida contra os hans, pois abre os canais para que sua insatisfação que se aprofunda em meio ã crise econômica, ã miséria e ao desemprego que golpeiam a China seja canalizada de maneira reacionária num enfrentamento fratricida entre hans e uigures. Somente a unidade de classe entre os trabalhadores hans e uigures pode responder aos sofrimentos impostos ás massas chinesas, combatendo o nacionalismo chinês insuflado em favor dos patrões e do PC, e avançar para retomar em chave revolucionária a expropriação da próspera recém-nascida burguesia chinesa, que em aliança com as transnacionais e o imperialismo submete o conjunto da classe trabalhadora a condições de escravos, e da cúpula decadente do PC chinês que lança povo contra povo em nome da continuidade de sua dominação.
A opressão das minorias historicamente
A China tem 55 etnias distintas em seu território. Muitas delas vivem sob dura opressão, como é o caso dos tibetanos e dos uigures, que tem suas tradições e culturas reprimidas. Originalmente, são povos de origem étnica e cultural diferentes dos chineses, que foram integrados ã China no marco da expansão comandada por Mao Tsé Tung após a expulsão dos japoneses durante a II Guerra Mundial, da vitória sobre o Kuomitang e da revolução que proclamou a República Popular da China, em 1949. Os uigures falam um idioma próprio que provém do árabe, portanto distinto do mandarim, principal idioma chinês e carregam as tradições próximas ás do Afeganistão, com o qual sua região faz fronteira, além da Rússia, Cazaquistão, Tadjiquistão e Quirguistão. Xinjiang, a província que explodiu em tensões sociais em nossos dias, era um país independente e atendia pelo nome de Turquistão Oriental até 1949 quando o general Whang Zen, um dos mais importantes na luta contra as tropas do Kuomitang, liderou a conquista da região em nome de Mao. Whang Zen foi posteriormente um dos Oito Imortais do Partido Comunista Chinês, nome dado ao grupo mais alto da cúpula do partido que deteve o poder nos anos 80 e 90 tendo comandado o processo de restauração capitalista garantindo a permanência da burocracia de Pequim no poder e participado do mando do Massacre na Praça da Paz Celestial em 1989, e é até hoje lembrado entre a população uigur pela brutalidade com que exerceu a conquista de Xinjiang há exatos 60 anos. A política maoísta consistia em uma mescla de anexação pela força militar e de conquista de apoio da população local mediante a expropriação da terra. Nas palavras do próprio Mao quando compara o Tibete com Xinjiang em escrito de 1949 “No caso de Xinjiang nossas tropas a mando de Whang Zen, após sua entrada na região tiveram que dedicar primeiro todas as suas energias a praticar a austeridade, apoiar-se nos seus esforços e se auto-abastecerem através da produção. Na atualidade se está levando a cabo a redução da propriedade de terra e os lucros, e no próximo inverno se fará a reforma agrária, o que fará com que as massas nos apóiem com mais entusiasmo”. Apesar da nacionalização da terra ter soldado a integração de Xinjiang ã China, e de em si ser uma tarefa progressiva, as aspirações nacionais dos uigures persistiram latentes para explodir em nossos dias, sendo desde décadas atrás sufocadas pela burocracia chinesa. Neste sentido, o PC chinês levava uma política que negava que a emancipação dos trabalhadores fosse obra dos próprios trabalhadores, exacerbando o caráter deformado e as imensas contradições resultantes destes processos de expropriação. Assim, se expressa como desde suas origens a política maoísta em relação ás demais nacionalidades próximas ã China foi qualitativamente distinta da posição defendida por Lênin e Trotsky. Em seu escrito dedicado ã questão da auto-determinação das nações, em que polemiza duramente com Rosa Luxemburgo, Lênin defende: “Tomemos a posição da nação opressora. Pode ser livre um povo que oprime outros povos? Não. Os interesses da liberdade da população grã-russa exigem a luta contra tal opressão. A longa história, a secular história da repressão dos movimentos das nações oprimidas, a sistemática propaganda de tal repressão por parte das classes «superiores» criaram enormes obstáculos ã causa da liberdade do próprio povo grão-russo nos seus preconceitos, etc” [1]. Portanto, as declarações de Mao de que haveria que combater o “chauvinismo han” pouco poderiam se tornar realidade, se a política concreta fortalecia justamente este chovinismo a partir da conquista, e conseqüente opressão, de outras etnias e nacionalidades. Portanto, ao invés da conquista pela força dos exércitos comunistas, o programa revolucionário entende como uma questão fundamental a garantia do direito ã autodeterminação das nações. Para fazer com que a classe trabalhadora e os povos avancem na expropriação de suas burguesias e na conquista do poder, o programa revolucionário levanta o mais profundo internacionalismo proletário, a aliança entre os trabalhadores como classe sem fronteiras, mas não a conquista ou anexação. Não ã toa, esta última política levada ã frente tanto por Mao como por Stalin no Leste Europeu, apesar das diferenças entre si, vem, portanto, acompanhadas da ruptura com o princípio do internacionalismo revolucionário, e com a instauração de distintas variantes da “teoria” de socialismo num só país. Portanto, faz-se mais atual que nunca a defesa destes princípios para que haja real emancipação da classe trabalhadora e dos povos oprimidos mundialmente, única via de impor uma saída progressiva para a situação de crescente tensão e miséria imposta pelo capitalismo e acelerada pela crise econômica internacional.
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