Pela mobilização e greve geral até que caia o governo de fato de Micheletti
1 Logo de fracassadas as reuniões de 9 e 10 de julho entre os golpistas de Roberto Micheletti e a delegação do deposto presidente Manuel Zelaya, uma nova rodada se prepara para 18 de julho, convocada por Óscar Arias, presidente da Costa Rica. Está claro que a política de negociação idealizada pelo imperialismo norte-americano permite que se mantenha o governo golpista de Micheletti, que já leva quase três semanas como presidente em exercício, outorgando-lhe legitimidade apesar dos discursos de rechaço ao golpe dos governos da região.
2 O objetivo das negociações impulsionadas pelos EUA, apoiada pela OEA e aceitas por Manuel Zelaya na reunião com a chefe do Departamento de Estado, Hilary Clinton, era desmontar a mobilização popular que atingiu seu ponto mais alto em 5 de julho, quando milhares de hondurenhos foram ao aeroporto de Toncontín para receber o presidente Zelaya. O repúdio ã repressão, que deixou dois manifestantes mortos e centenas de feridos, ameaçava desencadear um processo incontrolável para o governo golpista.
Com as negociações gerando falsas expectativas entre o povo, saíram favorecidos aqueles que reprimiram o movimento de massas, que se viram aliviados da pressão externa. Isto permitiu manter a unidade dos golpistas que começavam a dar sinais de estar se quebrando. Ante o perigo de que a mobilização desse um salto em seu enfrentamento com o conjunto das instituições reacionárias alinhadas detrás do golpe militar, a opção da negociação apareceu como a mais adequada para todas as partes. Não só a administração Obama queria evitar este cenário, como também o próprio Manuel Zelaya, razão pela qual termina submetido ao plano norte-americano.
3 A participação de Zelaya na negociação e seus chamados ã mobilização pacífica só favorecem a política norte-americana de sustentar os golpistas a quem jamais se retirou o apoio concreto. Para além de que Obama se pronunciou pela “restituição do presidente Zelaya”, está claro que o imperialismo norte-americano compartilha o objetivo de evitar que se consolide o alinhamento de Honduras com a ALBA, o que incluía a destituição de Zelaya. Isto se demonstrou quando Hugo Llorens (ex-diretor de Assuntos Andinos do Conselho Nacional de Segurança em Washington quando houve o golpe contra Chávez) e embaixador dos EUA em Honduras admitiu ter participado de reuniões que discutiram os planos de golpe militar antes do seqüestro de Zelaya. Um setor importante de legisladores norte-americanos fazia lobby para o recebimento dos golpistas em Washington. Como denunciara o não menos porta-voz imperialista, The New York Times, a repressão do governo de fato de Honduras, liderado por Roberto Micheletti, recebeu assessoria norte-americana nas posturas que apresentou dentro do processo de mediação da Costa Rica. Os governos da América Latina seguiram a linha norte-americana na OEA e logo da tentativa frustrada de retorno de Zelaya deram por concluída sua missão, deixando que os EUA dirijam a saída negociada do conflito.
4 Óscar Arias, que conta com a confiança dos EUA pelo papel que jogou nas negociações para desarmar as guerrilhas centro-americanas e “reconciliá-las” com os Estados genocidas, foi chave na linha traçada pelo Departamento de Estado norte-americano, que, ao recebê-lo na Costa Rica o reconhecia como um poder legítimo para além de suas declarações contra o golpe. Assim se rompia o isolamento internacional em que havia ficado o governo de fato, e Micheletti ganhava pontos a favor. O que não se obteve sufocando as massivas mobilizações em Honduras começava a se conseguir nas mesas de diálogo em outro país, para além de que nestas não se chegara a nenhum acordo nas primeiras rodadas.
O objetivo das negociações é pactuar entre as partes o eventual retorno de Zelaya sem nenhum poder real, condicionado aos interesses dos golpistas e que só serviria para “pacificar” o país e organizar as eleições de novembro.
5 Com esta jogada, os EUA tem dois objetivos: disciplinar Manuel Zelaya, e impor limites ao bloco da ALBA liderado por Chávez. Fracassado o retorno de Zelaya de 5 de julho, e ao ver que a situação podia sair do controle, Zelaya se submeteu ã saída diplomática dos EUA, e o bloco da ALBA passou a um segundo plano no acordo regional por recolocá-lo no governo. É que em Honduras, do ponto de vista geopolítico, não se derruba só um golpe de Estado, mas também os alinhamentos continentais dos últimos anos, e no qual a administração Obama se submetia a prova, frente ã desastrosa política de Bush para a região. Os governos aglutinados no bloco da ALBA, liderados por Chávez, tentam se posicionar como ator de peso e assim estabelecer uma melhor correlação de forças, num marco regional em que a administração norte-americana já explicitou que seu aliado por excelência é o Brasil de Lula.
6 O golpe em Honduras expressa uma crescente polarização regional e o fortalecimento de uma direita em nível continental, que representa os interesses econômicos da indústria e do agronegócio que já se manifestaram na tentativa de golpe na Venezuela em 2002, no enfrentamento da oligarquia de Santa Cruz contra Evo Morales, e em outros casos menos claros, como o da Guatemala. Na própria Venezuela o realinhamento internacional se fez sentir, onde uma direita que se encontrava ã defensiva tomou ar liderando um movimento de opinião que viu na ofensiva dos golpistas em Honduras novas esperanças continentais. Em países como Peru, expressou-se como um giro mais ã direita do governo Alan García, com um movimento de massas cada vez mais resistente. Neste país andino, os desequilíbrios internos, com um presidente em queda de popularidade, e a iniciativa por parte das massas, pode desembocar uma mudança burguesa em chave nacionalista que já está se expressando no fortalecimento de Ollanta Humala para as próximas eleições. Esta polarização se vê na crise da coalizão de governo do presidente paraguaio Fernando Lugo com o Partido Liberal e, na Argentina no fortalecimento do setor agrário e da oposição de direita. No marco de uma crise econômica estrutural do capitalismo, esta polarização pode gerar cenários imprevisíveis.
7 Enquanto escrevemos esta declaração, frente a próxima reunião na Costa Rica, Manuel Zelaya deu um ultimato: “Damos um ultimato ao regime golpista para que na próxima reunião que se realizará em San José, Costa Rica, cumpram-se os mandatos das organizações internacionais e a Constituição de Honduras”. E ante uma provável intransigência dos golpistas chamou o povo a exercer seu “direito ã insurreição” pacífica contra o governo de Micheletti.
Micheletti disse novamente que o adiantamento das eleições de novembro e a concessão de uma anistia a Zelaya podem ser “saídas ã crise”. O porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ian Kelly, declarou que “Todas as partes devem dar a este processo algum tempo. Não fixem nenhum prazo artificial. Não digam que se tal (exigência) não se produz em certa data então o diálogo estará morto”.
O povo hondurenho não pode esperar nada desta grande farsa, nem crer nas frases altissonantes de Zelaya apelando ã “insurreição” enquanto sua política tem sido utilizar a mobilização só como meio de pressão para negociar com os golpistas.
Ainda que Zelaya conte com o apoio de direções do movimento operário e camponês, que tem alentado as expectativas populares no diálogo, comparte com os golpistas e o imperialismo norte-americano a preocupação em preservar as instituições do Estado e a propriedade privada. Para além das contradições desde sua adesão ã ALBA, Zelaya pertence ã oligarquia pecuarista hondurenha com laços estreitos com setores econômicos importantes no país. Isso explica que prefira mesas de diálogo, temeroso de que uma ofensiva geral dos explorados hondurenhos exploda pelos ares o regime político e possa avançar num caminho independente.
8 As organizações parte da Fração Trotskista Quarta Internacional viemos impulsionando e participando de todas as mobilizações e ações solidárias que se realizaram contra o golpe de Estado. Acompanhamos a luta do povo hondurenho por derrotar o golpe e pelo regresso de Zelaya sem nenhuma negociação. Denunciamos com todas as forças que a negociação entre Zelaya e os golpistas, auspiciada pelo imperialismo norte-americano, é uma armadilha para desmobilizar a resistência e naturalizar a política reacionária de um setor da burguesia de recorrer a tentativas de golpes de Estado ou “golpes institucionais” quando vêem ameaçados, ainda que minimamente, seus interesses. É chave redobrar a ofensiva dos trabalhadores, camponeses pobres, magistério, organizações de mulheres e jovens hondurenhos durante e organizar uma verdadeira greve geral indefinida até que caia o governo golpista. Para dar aparência de “normalidade” o governo de fato anunciou que terminara o toque de recolher que regia desde o golpe de 28 de julho. Entretanto, seguem as denúncias de perseguições e prisões de ativistas e dirigentes de organizações. Ao contrário do “pacifismo” de Zelaya, para fazer frente ã repressão é necessário organizar a auto-defesa operária e popular.
Tanto os golpistas como Zelaya falam de uma possível “anistia” para os dois lados. Há que impedir que os golpistas e os repressores fiquem impunes. Só a mobilização poderá impor o julgamento e castigo aos golpistas e a liberdade de todos os detidos.
Algumas organizações de papel dirigente na resistência ao golpe, como a Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado, traz entre suas demandas a convocatória de uma Assembléia Constituinte. Não só os partidos burgueses hondurenhos negam ás massas o direito democrático de participar nas decisões políticas, senão que o conjunto das instituições do Estado – o Congresso, a Corte Suprema de Justiça e as Forças Armadas - estão comprometidas com a preservação da reacionária Constituição de 1982, redigida pela burguesia em acordo com o imperialismo. Por isso a única saída progressiva é a Assembléia Constituinte Revolucionária convocada sobre queda revolucionária do regime, por um governo provisório das organizações operárias, camponeses e populares que enfrentam o golpe. Ao colocar em discussão os problemas estruturais do país, como a submissão ao imperialismo ou o problema da terra, e a necessidade de impor suas resoluções com a mobilização, significaria um passo adiante na experiência de amplas massas de trabalhadores, camponeses pobres e dos setores explorados e oprimidos para avançar na luta por um governo operário e popular baseado em organismos de autodeterminação das massas.
9 É necessário organizar a mais ampla mobilização dos trabalhadores, camponeses, estudantes, organizações de direitos humanos, e de todas as forças que se reivindicam antiimperialistas e democráticas na América Latina em solidariedade ao povo hondurenho, pela derrota do golpe e contra toda negociação com os golpistas, já que a mais contundente resposta de massas é o que pode esmagar o golpe em Honduras e também desalentar eventualmente outras tentativas similares na região.
15 de julho de 2009
|