A um mês do golpe de Estado que derrubou ao presidente Zelaya, o governo de fato de Micheletti segue em “suas” funções. Isto apesar do amplo repúdio internacional e das mobilizações dos trabalhadores, camponeses, estudantes e setores populares hondurenhos que dia após dia vêm enfrentando o golpe com fechamentos de rodovia e paralizações, como a do magistério, desafiando ao toque de recolher e ã repressão.
Se Micheletti segue no poder não é só por contar com o apoio do conjunto das instituições do regime hondurenho e das Forças Armadas, senão, em primeiro lugar, porque o governo de Obama o tem permitido. Primeiro, o embaixador norteamericano esteve conspirando junto com os golpistas até mesmo a saída de Zelaya. Logo, quando a mobilização antigolpista vinha em ascenso, impulsionaram a “mediação” do presidente da Costa Rica, Óscar Arias, colocando em igualdade de condições a Zelaya e os golpistas e impondo uma “saída” que, entre outros pontos, bloqueava toda perspectiva de convocatória a uma Assembléia Constituinte, questão a que EUA se opôs desde o começo. A OEA aceitou esta política de deixar tudo nas mãos de Obama e Hilary Clinton, o mesmo que o próprio Zelaya, que aceitou os termos da saída apresentado por Arias.
Para além da retórica, a OEA atuou de fato como um verdadeiro “ministério de colônias” dos EUA: nas palavras emitiu uma dura declaração contra o golpe, se negou a reconhecer ao governo de Micheletti e exigiu o retorno imediato de Zelaya ã presidência; nos atos foi parte da política de Obama e Hillary Clinton de legitimar o governo de Micheletti tratando-o como um “interlocutor válido” e dando-lhe tempo para consolidar sua frente interna e ganhar aliados entre a direita republicana dos Estados Unidos e da região.
Segundo alguns meios [de comunicação], o plano da mediação de Arias, surgiu de um acordo entre Obama e o presidente brasileiro Lula da Silva, o principal aliado de Obama na América Latina para neutralizar o peso de Chávez e manter a estabilidade na região. Como mostra um jornalista, “Como Lula queria que Zelaya voltasse e Obama queria que não ficasse [no poder], consensuaram em Moscou que Zelaya voltaria, mas não ficaria” (Página 12, 26-7-09). Isto expressava a posição do governo Obama, que coincidia com os golpistas no objetivo de colocar fim ao projeto de Zelaya e evitar a convocatória a uma Assembléia Constituinte, mas não podia reivindicar a metodologia do golpe de Estado, já que dificultaria sua política de mudar a imagem do imperialismo norteamericano a respeito da política exterior do governo de Bush. A esta política, para além dos discursos, subordinaram- se todos os governos da região, incluindo Chávez, Evo Morales e o resto dos integrantes do bloco da ALBA.
O plano Obama-Clinton- Arias é, a todas as luzes, reacionário: em primeiro lugar legitima aos golpistas, colocando em igualdade de condições a Zelaya com quem recorreram ás forças armadas para derrubá-lo. Em segundo lugar, impõe tantas condições ao retorno de Zelaya que o transformam de fato em um “bobo da corte” dos golpistas: segundo a última versão da oferta de diálogo, conhecido como “Acordo de San José”, que agora voltou a estar em discussão como uma saída possível, Zelaya voltaria ã presidência, mas não poderia nomear seus ministros, senão que se estabeleceria um governo de “unidade nacional” (sim, com os que deram o golpe), ademais se garantia a impunidade para os golpistas e Zelaya se comprometia a renuncia ã convocatória de uma Assembléia Constituinte. Zelaya, que tem confiado sua sorte aos bons ofícios do imperialismo norteamericano, aceitou estas condições humilhantes, que implicavam sua rendição em toda a linha. Entretanto, foram os golpistas quem rechaçaram o acordo e se negaram a fazer a mínima concessão, reiterando sua política de não aceitar o retorno de Zelaya, exceto para que enfrente ã justiça golpista ante a que está acusado de vários crimes políticos, entre eles, o de tentar convocar a uma Assembléia Constituinte.
A nova volta falida de Zelaya
Depois do fracasso da mediação de Arias e ante a perspectiva certa de que com o tempo o golpe termine por naturalizar- se, Zelaya optou por aumentar a pressão para lograr que o governo de Micheletti aceite a negociação proposta por Washington e Arias, instalando-se desde o 24 de julho na fronteira entre Nicarágua e Honduras.
Ante isto Hillary Clinton não vacilou em qualificar de “imprudente” esta ação de Zelaya, favorecendo assim ao discurso dos golpistas. E isto, para além que o feito por Zelaya tem ganhado um conteúdo principalmente simbólico, já que evitou em todo momento confrontar com os militares golpistas, retirando-se ao povo nigaragüense de Las Manos onde ainda permanece com um punhado de seguidores.
Esta ação simbólica de Zelaya coincidiu com um aumento da pressão regional e norteamericana para fazer que o governo de Micheletti retorne ao diálogo e poder dá-lhe assim uma resolução ã crise política nos marcos do “Acordo de San José”.
O governo de Obama busca assim lograr a saída que mais favorece a seus interesses e, ao serviço da mesma, tem estado os gestos diplomáticos da última semana, como o que se expressou na cúpula de presidentes do Mercosul em 24 de julho. Nela se repudiou novamente o golpe e se adiantou que não se reconheceria nenhum governo que surgira de eleições convocadas pelos golpistas. A isto se somou a declaração do exército hondurenho redatada segundo os meios nos Estados Unidos, na que declara o apoio das forças armadas aos “Acordos de San José”. Finalmente, o governo estadounidense, que até o momento não havia tomado nenhuma medida concreta contra o governo de fato (nem se quer retirou seu embaixador de Honduras) decidiu retirar-lhes o visto diplomático a quatro figuras do regime de fato, como um sinal simbólico de que Washington prefere que se aceitem os termos estabelecidos pela “mediação” de Arias.
A política de Chávez
Apesar de seus discursos antiimperialistas, a verdadeira política de Hugo Chávez ante o golpe de Honduras foi deixar a resolução da crise nas mãos do governo de Obama. Isto é o que explica que os setores “bolivarianos” não tenham impulsionado a mobilização de massas contra o golpe no continente. Segundo uma nota aparecida em Página 12, a política ante o golpe em Honduras produziu “a maior aproximação diplomática entre Venezuela e Estados Unidos que se tenha conhecimento até o momento, segundo confiou uma fonte que presenciou o trabalho conjunto, aproximação que ambos governos preferem ocultar por razões óbvias de política doméstica: Chávez é má palavra nos Estados Unidos e Estados Unidos é má palavra na Venezuela chavista” (Página 12, 26/7/09). Tanto é assim que nem Chávez e nem Evo Morales assistiram ã reunião da OEA do 4 de julho na qual pela primeira vez se discutiram as medidas que tomariam os governos latinoamericanos contra o golpe de Estado. Nessa reunião EUA, Panamá e outros países se opuseram ao retorno de Zelaya a Honduras e dessa maneira a OEA não avalizou oficialmente a tentativa de retorno de Zelaya que viajou no 5 de julho, quando foram assassinados dois manifestantes no aeroporto de Tegucigalpa. Nem sequer os principais referentes da ALBA, a exceção de Correa, estiveram presentes em El Salvadar esperando esse dia o regresso de Zelaya. Chávez permitiu inicialmente que se desenvolvesse a mediação de Arias, e só quando era evidente que Micheletti não ia fazer concessões, saiu a dizer que o diálogo era um fracasso e a criticar a Hillary Clinton por negar-se a definir ao golpe de Estado como tal, exigindo a Obama que se coloque ã frente e que tome alguma medida contra os golpistas.
Em síntese, a política de Chávez e do bloco da ALBA não foi organizar medidas efetivas no continente, chamar a mobilizar em toda América Latina, organizar o boicote econômico ao governo golpista e denunciar que a política imperialista fortaleça a Micheletti e ã direita continental, legitimando futuras tentativas de destituir governos quando vêem ameaçando seus interesses. Pelo contrário, sua política foi gerar expectativas em que o governo de Obama pode significar uma mudança favorável para a região no lugar de denunciar que, para além de mudanças formais, Obama defende os interesses do imperialismo noteramericano e que é necessário desenvolver a mobilização antiimperialista e em solidariedade com a luta do povo hondurenho em todos os países da América Latina, começando pela organização de um boicote efetivo aos golpistas na América Central.
Mobilização independente para derrotar aos golpistas
A política de Zelaya tem sido a de confiar em uma saída negociada auspiciada pelo imperialismo norteamericano, o mesmo que mantém Honduras submetida a uma relação praticamente colonial e que tem usado seu território e suas relações com militares e empresários para levar adiante suas políticas contra-revolucioná rias, como o ataque ã revolução nicaragüense na década de 1980, e onde ainda hoje conserva a base militar de Soto Cano. Esta estratégia está condenada ao fracasso e só permite que a direita se engrandeça. A importante experiência que estão fazendo os trabalhadores e os setores populares hondurenhos que estão enfrentando o golpe deixa ás claras que a única perspectiva realista para derrotar o golpe é repudiar toda negociação com os golpistas e aprofundar a mobilização dos trabalhadores, dos camponeses, dos estudantes e dos explorados e oprimidos de Honduras, generalizar os piquetes e os fechamentos de estradas, organizar uma verdadeira greve geral indefinida e preparar a auto-defesa para resistir ã repressão das forças armadas. A Frente Nacional de Resistência contra o Golpe segue defendendo entre suas demandas a realização de uma Assembléia Constituinte. Só aprofundando o caminho da mobilização independente será possível impor uma Assembléia Constituinte revolucionária que coloque em discussão a organização do país, a ruptura de sua subordinação ao imperialismo e que permita desenvolver a luta por um governo operário e camponês baseado em organismos de autodeterminação de massas.
|