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Mentiras e verdades sobre a reunião do G20 em Pittsburgh
por : Paula Bach

07 Oct 2009 |

G-7, G-8, G-14, G-20…acompanharam durante os últimos anos o declínio da hegemonia norte-americana e da ordem econômica mundial comandada por ela. Contudo, não são expressão da instauração de uma ordem mundial progressivamente multipolar e mais democrática. Pelo contrário, representam a tentativa de subordinação e controle por parte dos Estados Unidos e das potências do G7 dos distintos países dependentes ou semi-coloniais, alguns dos quais (como os BRIC’s) adquiriram nos últimos anos uma cota maior de poder econômico.
Durante os últimos dias 24 e 25 de setembro aconteceu em Pittsburgh, Estado da Pensilvânia, Estados Unidos, a reunião do chamado G20, composto pelo G8 (Estados Unidos, Canadá, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália e França, junto com a Rússia), um representante da União Européia como bloco e uma série de países semi-coloniais ou dependentes como a Coréia do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Arábia Saudita, África do Sul e Turquia, foi apresentado pomposamente como o núcleo de países onde, de agora em diante, se tomariam as grandes decisões referentes á ordem econômica mundial, tomando o lugar do G8.

O que decidiu o G20

A verdade, no entanto, no cenário de uma economia mundial convulsionada desde o estouro da crise financeira nos Estados Unidos no final de 2008, está em outra parte. Para pegar alguns exemplos, a Alemanha tenta forjar um eixo com a Rússia e depois do triunfo legislativo de Angela Merkel, estabelece uma coalizão de governo mais conservadora ainda, redobrando seu protecionismo econômico. Os Estados Unidos, por sua vez, fazem sinal ao antigo país soviético como a eliminação do projeto de instalação de mísseis na Europa Oriental, ao mesmo tempo em que, enquanto pressiona com medidas leves protecionistas, tenta algum tipo de eixo (subordinação) com o gigante chinês frente ao chamado G20, pressionando-o para que reavalie o Yuan, diminua a competitividade externa de suas mercadorias e inclusive importe produtos norte-americanos. A reunião do G20 foi uma grande farsa. Para além de múltiplas declarações de intenção, como o compromisso de “incentivar normas mais estreitas sobre fundos próprios dos bancos” e “impor fortes regras internacionais ã atuação dos banqueiros” (Ambito Financiero, 27/09) apontando ã “evitar a repetição de fenômenos que conduziram á formação de bolhas financeiras e precipitaram a crise” (idem). Para além do compromisso dos membros “com excedentes significativos de suas contas externas” (leia-se China) de “reforçar as fontes internas do crescimento” (idem). Para além de declarações chamativas do comunicado final no qual os participantes se comprometeram a “assegurar um crescimento mais equilibrado” destacando que “todos os membros do G20 estão de acordo em corrigir as debilidades de suas respectivas economias”, o único resultado concreto da reunião foi um aumento do poder de voto de 5% e 3% no FMI e no Banco Mundial respectivamente, para alguns dos países dependentes e semi-coloniais, em troca de um “sistema de revisão e avaliação das políticas” dos 20 países, onde o FMI aportaria com “assistência técnica”(idem).

Os verdadeiros pontos críticos da economia mundial

No atual momento, uma “onda de expectativas otimistas” recorre a frágil e instável situação da economia mundial. As intervenções massivas dos Estados capitalistas centrais impediram (por agora) que continue a queda livre da economia mundial colocada frente a pior crise desde a Grande Depressão. Contudo, a abrupta recuperação dos índices das bolsas e dos preços das matérias primas contrasta com os esquálidos índices de recuperação de alguns países que, em muitos casos, não expressão mais que uma diminuição da queda. Um manto de dúvidas cresce sobre os supostos “brotos verdes” associados ás cifras siderais de endividamento dos Estados. Este poderia estar gestando uma nova e mais perigosa bolha ou inclusive um processo de estancamento com inflação mas, por sua vez, a retirada dos planos de salvamento poderia provocar uma recaída violenta na crise. Alguns desses problemas estão por trás da exigência da Alemanha e da França de maior controle sobre os planos de salvamento financeiro e maior regulação dos fluxos frente ã oposição dos Estados Unidos, questões que vinham sendo discutidas previamente nas reuniões do G20.

Mas para além da conjuntura, inclusive se a débil recuperação estivesse se gestando, se algo está em estado crítico, são precisamente as bases da ordem econômica mundial. A relação chinesa norte-americana que foi um fator de estabilidade durante os últimos anos expressando um modo particular de integração da divisão mundial do trabalho, não pode voltar a reproduzir-se. Essa é uma das discussões mais importantes em andamento. The Wall Street Journal de 30 de setembro assinala que: “Depois de crescer por anos a uma taxa superior a 20%, as exportações chinesas registraram uma queda inter-anual em novembro passado. Continuaram caindo e em agosto marcaram um descenso de 23% frente ao mesmo mês do ano anterior.” O mesmo diário mostra que os empresários chineses entendem que esta “será uma conseqüência duradoura da recessão estadunidense” dado que as poupanças das famílias norte-americanas nesse segundo trimestre do ano cresceram mais de quatro vezes comparado com seus níveis em começos de 2008. A crise global está levando a China, o segundo exportador mundial, a recostar-se sobre o mercado interno. Contudo, essa não pode ser a salvação dos exportadores. Como também assinala o citado diário, tem que se levar em conta que “os consumidores dos Estados Unidos e da Europa inejtam, de conjunto, mais de 19 bilhões de dólares ao ano na economia global, apesar de que agora são vítimas da recessão. As famílias chinesas, que são muito mais pobres, gastaram de conjunto, no ano passado, pouco mais de 1,5 bilhões. A renda disponível per capita nos Estados Unidos chegou em 2008 a 35.486 dólares, frente a 2.270 dólares na China. De modo que o gigante asiático não está em posição de substituir os Estados unidos nem a Europa como o motor da economia mundial.” As contradições referentes ã situação do mercado mundial se manifestam também na crescente onda de protecionismo do Estado Alemão. O diário Financial Times de 28 de setembro titula com ares de catástrofe: “Um fantasma ronda a Europa: a guerra de subsídios automotivos”. Refere-se ã intervenção milionária do governo alemão para garantir a reestruturação da Opel que gerou temor numa escalada protecionista, reiteradas queixas das autoridades da união Européia e da Grã Bretanha e que provocará a perda de aproximadamente 10000 empregos na Europa. Essa situação já começou a gerar as primeiras mobilizações operárias de resposta. The Wall Street Journal de 25 de setembro adverte que um fator chave é “a natureza global da crise. O aumento das exportações deve impulsionar a recuperação das economias golpeadas pela crise. Mas a recessão tem causado estragos em tantas economias ao mesmo tempo, que todas podem recorrer ás exportações para recuperar-se. Isso poderia minguar o crescimento e intensificar as fricções comerciais.” Por sua vez, o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, alertou sobre o papel do dólar como moeda de reserva mundial em momentos em que a moeda norte-americana vem se depreciando. Advertiu: “O enorme déficit que deixaram os multimilionários resgates financeiros e o risco inflacionário nos Estados Unidos erodiram o bilhete verde.”(Página 12, 29/09). A situação da integração da divisão mundial do trabalho, as pressões protecionistas da situação do dólar são alguns dos elementos chave que num contexto de crise aguda, tem afetado profundamente a ordem econômica. Esses são os verdadeiros grandes problemas da crise, ausentes nas reuniões do G20 e que não vão se resolver mediante uma débil recuperação que inclusive poderia contribuir para agudizar as falhas estruturais a médio prazo. Não estamos frente “a mais uma crise.”

 

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