1 - Um acordo reacionário
No passado 30 de outubro, Zelaya e Micheletti subscreveram o chamado Diálogo Guaymuras – Acordo San José/Tegucigalpa, com o que buscam fechar a crise política aberta há quatro meses com o golpe cívico militar de 28 de junho. Este acordo reacionário significa uma capitulação total de Zelaya aos objetivos do bando golpista, com o aval do governo de Obama. Entre outros pontos inclui: a formação de um “governo de unidade e reconciliação nacional” integrado pelos partidos políticos golpistas e organizações sociais que assumirá suas funções o mais tardar em 5 de novembro, quando se termine de negociar sua composição; o chamado “ao povo hondurenho para que participe pacificamente nas próximas eleições gerais e evite todo tipo de manifestações que se oponham ás eleições ou a seu resultado, ou promovam insurreição, a conduta antijurídica, a desobediência civil ou outros atos que puderem produzir confrontações violentas ou transgressões à lei”; a instauração de uma “Comissão de verificação” para a supervisionar o cumprimento do acordo e uma “comissão da verdade para esclarecer os feitos cometidos antes e depois de 28 de junho”. Em seu segundo ponto, o acordo deixa explícita “a renúncia a convocar a uma Assembléia Constituinte ou reformar a constituição no irreformável” (ou seja, nos quatro artigos que compõe o nó do regime oligárquico e bipartidarista hondurenho surgido depois da útlima ditadura), proibindo o chamado a uma Assembléia Constituinte “de modo direto ou indireto, e renunciando também a promover ou apoiar qualquer consulta popular com o fim de reformar a Constituição para permitir a reeleição presidencial, modificar a forma de Governo ou contravir qualquer dos artigos irreformáveis de nossa Carta Fundamental”.
Quanto ã restituição de Zelaya na presidência, será resolvida pelo Congresso, com prévio pronunciamento da Corte Suprema de Justiça, ou seja, uma saída de compromisso entre a política de Zelaya e a de Micheletti.
O acordo não inclui nenhum prazo para que Zelaya reassuma seu cargo, ainda que o objetivo segue sendo dilatar o mais possível este retorno simbólico de Zelaya que assumiria para fazer a transição do poder ao novo presidente eleito, com o único objetivo de legitimar as eleições de 29 de novembro e seu resultado, e por essa via garantir a continuidade das instituições e dos partidos que deram o golpe de Estado. Sob o suposto retorno de Zelaya, com o acordo San José/Tegucigalpa os golpistas lograram impor seus objetivos. [...]
2 - Obama foi o artífice do acordo com os golpistas
O Diálogo Guaymuras estava num impasse. Zelaya já havia aceitado todas as condições dos golpistas, mas Micheletti seguia sem aceitar depois de vários dias do encerramento do prazo para um acordo a restituição de Zelaya ã presidência, mantendo a estratégia de ganhar tempo, apesar da debilidade e do isolamento internacional de seu governo e do desenvolvimento de um movimento de resistência que se manteve nas ruas, com altos e baixos, durante mais de 100 dias. Diante dessa situação de impasse o governo Obama decidiu colocar o peso da sua diplomacia para destravar a situação e chegar a uma saída reacionária que permitisse superar a crise e legitimar o regime com um novo governo nascido das eleições. Com esse objetivo, em 28 de outubro chegou a Tegucigalpa uma delegação de alto nível integrada por Thomas Shannon, encarregado para a América Latina do Departamento de Estado desde 2005, o secretário de Estado adjunto Craig Kelly, o assessor da Casa Branca para a América Latina, Dan Restrepo, e o embaixador estadunidense em Tegucigalpa, Hugo Llorens. Alguns meios de comunicação como a BBC e o jornal El País da Espanha, assinalam que este acordo nasceu de um pacto secreto entre Shannon e Porfírio Lobo, o candidato presidencial do Partido Nacional que espera ganhar as próximas eleições. Este pacto consistiria em que Lobo se comprometia em garantir os votos suficientes dos deputados de seu partido para que o Congresso aprove o regresso de Zelaya, e Shannon se comprometia reconhecer as eleições de 29 de novembro mesmo que o Congresso votasse contra a restituição.
Shannon advertiu que o “tempo estava terminando”, ou seja, que quanto mais demorasse a resolução mais difícil seria apresentar estas eleições negociadas como um “retorno da democracia”, recordando, por outra parte, que o acordo era o gesto necessário para que o imperialismo pudesse normalizar as excelentes relações que mantém com o empresariado, a elite política e os militares hondurenhos.
3 - O jogo do imperialismo em Honduras
Desde o dia do golpe, o governo Obama manteve um jogo duplo. No discurso, rechaçou a destituição de Zelaya (ainda que em nenhum momento o governo norte-americano definiu que foi um golpe de Estado); não reconheceu o governo de Micheletti e declarou que tampouco reconheceria as eleições de 29 de novembro nem seu resultado. [...]
De fato, manteve o embaixador Hugo Llorens, -quem admitiu publicamente haver participado nas reuniões que planejaram a destituição de Zelaya – e impulsionou a política de negociação com os golpistas, com a mediação do presidente costarriquenho Oscar árias, expressada nos Acordos de San José, no qual se estabelecia o regresso condicionado de Zelaya ã presidência como parte de um governo de unidade nacional com os golpistas e prévia renúncia ã convocatória de uma Assembléia Constituinte. Esta política de diálogo e negociação deu legitimidade ao governo de Micheletti, ao colocá-lo em igualdade de condições com o destituído presidente Zelaya, e permitiu que a ditadura cívico-militar se mantivesse no poder por mais de quatro meses [...].
O imperialismo norte-americano conseguiu um triunfo diplomático com a assinatura dos acordos de San José/Tegucigalpa. No plano interno, permite a Obama neutralizar a ofensiva do partido republicano que havia se voltado abertamente para sustentar o governo de Micheletti e pressionava pelo reconhecimento das eleições de 29 de novembro. No plano externo, ainda que Honduras em si mesmo não seja uma prioridade estratégica para os Estados Unidos, era importante para Obama resolver uma crise no seu próprio pátio traseiro alcançando os objetivos políticos imperialistas como limitar a extensão da influência chavista para dar mostras de que impõe a ordem, principalmente quando a política exterior norte-americana está em crise no Afeganistão e no Paquistão, sendo questionada a suposta estabilidade lograda no Iraque. Isso tudo no marco das negociações com o Irã que vivem uma grande incerteza e das crescentes contradições com a Rússia. A política de Obama em Honduras é funcional ao objetivo de mudar a imagem do imperialismo na América Latina depois dos oito anos da presidência Bush, buscando recompor o domínio norte-americano na região, como se vê no acordo com a Colômbia para instalar sete novas bases militares.
4 - A OEA rastejou diante do imperialismo
Os governos latino-americanos, organizados na OEA, se subordinaram ã estratégia de Washington de negociar com os golpistas. Apesar da retórica de alguns governos e de certos gestos, como a suspensão de Honduras da organização, a OEA atuou de fato como um verdadeiro “ministério de colônias” do Estados Unidos [...] nos fatos, e sob a direção do presidente Lula, os governos latino-americanos aceitaram a política de Obama e Hillary Clinton de legitimar Micheletti tratando-o como um “interlocutor válido” nos Acordos de San José. [...] O acordo entre Micheletti e Zelaya, como resultado da intervenção norte-americana, debilita a posição de Chávez e seus aliados no tabuleiro político regional, desnudando a total impotência do bloco da Alba, que não teve nenhuma alternativa ã política de subordinar-se ao imperialismo e aos golpistas. Nos mais de quatro meses transcorridos desde a derrubada de Zelaya nem Chávez nem nenhum dos presidentes do bloco da ALBA convocaram a nenhuma ação regional para impedir que os golpistas, com o ar que lhe dava a negociação, consolidassem-se no poder. [...]
5 - A entrega da luta da resistência contra o golpe
[...] Os trabalhadores do magistério, do setor público, os camponeses pobres, os jovens e estudantes, as mulheres e os setores populares sustentaram durante mais de 100 dias a resistência contra o golpe de Estado, a despeito da repressão e da perseguição das forças armadas e da polícia, que ainda se mantém, com numerosos mortos e milhares de denúncias de violações aos direitos humanos cometidas durante o governo Micheletti. Protagonizaram paralisações, ocupações de algumas instituições, mobilizações massivas, bloqueios de ruas e estradas. Quando Zelaya se instalou na embaixada do Brasil, importantes setores redobraram a mobilização e diante da selvagem repressão ergueram barricadas em diversos bairros populares de Tegucigalpa. Esta disposição de luta anunciava a possibilidade de desenvolvimento da greve geral e de um levante de massas até derrotar os golpistas. No entanto, a direção majoritária da Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado nunca teve a política de desenvolver a luta por uma verdadeira greve geral de massas, e transformou a mobilização popular num instrumento de pressão a favor de Zelaya na negociação com os colpistas para conseguir sua restituição ã presidência, contribuindo assim para que a mobilização não pudesse dar um salto e fosse retrocedendo nas últimas semanas. [...]
Em seu comunicado n° 32, de 30 de outubro, a Frente Nacional de Resistência qualifica o acordo San José/Tegucigalpa como “uma vitória popular sobre os interesses mesquinhos da oligarquia golpista”, porque permitiria “a pronta restituição do presidente Manuel Zelaya Rosales”, exigindo que o Congresso Nacional “decida rápido” os acordos, e, para esse fim, convoca seus integrantes para “se somarem ás ações de pressão para que se cumpra imediatamente o consignado no documento final elaborado na mesa de negociação”. Além disso, pretende dissimular com promessas de lutas futuras sua desistência de lutar pela reivindicação popular de Assembléia Constituinte.
O que a direção da Frente Nacional quer fazer passar como uma “vitória popular” na realidade foi o triunfo da estratégia de Micheletti e do imperialismo: o golpe tinha entre seus objetivos evitar qualquer processo constituinte que questionasse o regime oligárquico e pró-imperialista consagrado na Constituição de 1982, que reafirmou com a última ditadura o domínio político da burguesia através da alternância bipartidária entre o Partido Liberal e o Partido Nacional. Precisamente, a base dos acordos assinados por Zelaya com Micheletti e seus seguidores foi a renúncia de convocar uma Assembléia Constituinte, mesmo que com o caráter limitado com que Zelaya pretendia instalá-la, e a legitimação do conjunto das instituições do regime que deram o golpe de Estado – o Congresso Nacional, a Corte Suprema de Justiça, as Forças Armadas e os partidos políticos capitalistas, junto com as associações empresariais e as igrejas católica e evangélica. O coroamento desta vergonhosa capitulação de Zelaya e seus aliados diante dos golpistas foi a aceitação das eleições de 29 de novembro, convocadas pela governo de fato, como se fosse um processo “limpo e democrático”.
A candidatura independente ã presidência, postulada pelo dirigente sindical Carlos Reyes, se manteve especulando que ao final o governo Micheletti aceitaria algum compromisso e se daria por “restabelecida” a “ordem constitucional”; portanto, nunca teve uma política decidida de organizar o boicote a estas eleições convocadas pelo regime para legitimar o golpe. Tampouco teve esta política a Unificação Democrática, mais afinada com a política de Zelaya. Desta maneira, apesar de haver setores de base da resistência que estavam dispostos a enfrentar as eleições, não houve nenhuma alternativa clara ã saída eleitoral do regime. [...]
Pela via da negociação, a direção zelaista da Frente Nacional de Resistência vem entregando as bandeiras de luta da resistência, que tinha como objetivo a derrota do golpe. Mas este resultado não era inevitável. A mobilização operária, camponesa e popular podia dar um salta em sua luta contra o governo golpista, organizando a greve geral e a autodefesa diante da repressão do exército e das forças de segurança, abrindo assim a possibilidade de derrubar Micheletti e substituí-lo por um governo provisório das organizações operárias e populares antigolpistas que convocasse uma Assembléia Constituinte Revolucionária.
Hoje o regime, com a bênção de Zelaya, buscará legitimar-se nas eleições organizadas pela ditadura cívico-militar, que ainda mantém de fato o estado de sítio e persegue dirigentes e ativistas da resistência. Por isso os trabalhadores e os setores populares têm que exigir de suas direções rechaçar o acordo San José/Tegucigalpa e retomar a luta para derrotar o regime golpista e oligárquico. Participar nas eleições significa avalizar a fraude dos golpistas. É necessário organizar o boicote ativo contra as eleições fraudulentas de 29 de novembro e continuar a luta para impor uma Assembléia Constituinte Revolucionária que coloque em xeque a subordinação ao imperialismo, o domínio oligárquico e abra o caminho para a luta por um governo operário, camponês e popular. A resolução reacionária em Honduras, impulsionada pelo Estados Unidos, aceita pelos governos regionais e levada adiante por Zelaya, demonstra que a luta pela derrota do regime golpista está indissoluvelmente ligada à luta contra a patronal local, seu staff político-militar e o imperialismo. Apesar do repúdio generalizado em todo o continente ao golpe de estado em Honduras, as direções tradicionais, burocráticas, nacionalistas e reformistas da classe operária latino-americana, não organizaram nenhuma ação afirmativa de solidariedade ativa com a luta do povo hondurenho, alimentando a confiança de que o golpe terminaria pela via do diálogo e dos trâmites da OEA e do imperialismo sob a direção de Obama. A experiência de Honduras mostra, uma vez mais, que só os trabalhadores do continente em aliança com os camponeses pobres e os setores populares, e com seus próprios métodos de luta, podem enfrentar consequentemente o imperialismo, as burguesias e as oligarquias locais.
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