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A 20 anos da queda do Muro de Berlim
por : Claudia Cinatti

17 Nov 2009 | A 20 anos da caída do muro, a crise econômica, as guerras, as convulsões sociais e a recuperação da classe operária, logo de três décadas de retrocesso e ofensiva burguesa, estão recriando as condições para que a perspectiva da revolução social volte a estar colocada na luta dos explorados, superando os anos de reação ideológica e política que seguiram ã (...)

No dia 9 de novembro os representantes de governos imperialistas, entre eles Angela Merkel, Nicolas Sarkozy, Gordon Brown e Hillary Clinton, junto com outros convidados como o presidente russo Dimitri Medvedev, o último presidente soviético Mikhail Gorbachev e Lech Walesa, foram os protagonistas do chamado “Festival da Liberdade”, em que os chefes do mundo capitalista decidiram celebrar o 20 aniversário da caída do muro de Berlim. Seus discursos estiveram cheios de referências a esse acontecimento com a “abertura de uma nova época” de “liberdade e democracia”.

Depois da caída do muro e a desintegração entre setembro e dezembro de 1989 dos regimes stalinistas da Europa do Leste, desatou-se uma furibunda propaganda capitalista que buscava capitalizar em todos os terrenos a derrubada do mal chamado “socialismo real”. Os 20 anos transcorridos desde esse acontecimento se caracterizaram por uma ofensiva ideológica e política contra o marxismo. A passagem da burocracia stalinista ás filas da restauração, foi acompanhada por um giro neoliberal das direções reformistas da classe operária. Uma parte importante da esquerda caiu no desconcerto e na desmoralização. Desacreditou-se a idéia da revolução social e se instalou como sentido comum a falta de alternativa ao capitalismo. Fukuyama anunciava seu já célebre “fim da História”, que significava a universalização inevitável e sem obstáculos da economia de livre mercado e da democracia liberal.

Ainda que sem o descalabro de Fukuyama, os principais meio de comunicação e os intelectuais do sistema aproveitaram a ocasião para reafirmar a idéia do “fracasso do socialismo”. Agitando o fantasma do “totalitarismo”, buscam forjar um novo consenso de que com suas “imperfeições” e “injustiças” – leia-se milhares de milhões de famintos e pobres, opressão nacional, exploração, guerras imperialistas – sempre é preferível a democracia capitalista a qualquer tentativa dos explorados de criar seu próprio governo, que dão por suposto que inevitavelmente conduzirá ao estabelecimento de uma ditadura burocrática. Inclusive alguns (como o filósofa argentino Feimann) que se permitem “suspeitar” à luz dos fatos que a “democracia é a ditadura do capital”, - suspeita que devemos dizer, vem atrasada alguns séculos -, colocam seu empenho em demonstrar que a ditadura do proletariado, como governo da maioria da população explorada e oprimida contra a minoria opressora, foi um “delírio teórico” de Marx e um pecado político da revolução russa de 1917. Mas esta operação ideológica é absolutamente insuficiente para disfarçar a realidade de que o triunfo burguês obtido com a restauração capitalista na Europa do Leste, Rússia e China, junto com a ofensiva neoliberal, permitiu ao capitalismo um respiro de curto alcance. Hoje a economia mundial atravessa sua pior crise desde a Grande Depressão de 1929, gerada no coração do sistema, os Estados Unidos. Esta crise está desnudando o caráter do capitalismo como um sistema de exploração e opressão, desmentindo nos fato os discursos ideológicos de seus apologistas.

Enquanto os governos salvam da quebra com dinheiro público ã elite financeira e aos grandes monopólios, que seguem fazendo seus grandes negócios a custo de aumentar sideralmente a dívida estatal, milhões de pessoas são empurradas ao desemprego e ã pobreza.

Longe de representar o “mundo da liberdade” a Europa e o Estados Unidos tem reforçado suas fronteiras transformando-as em verdadeiras fortalezas. Os mesmo governantes imperialistas, que celebram a queda do muro de Berlim, são os que levantam diariamente novos muros e constroem campos de concentração contra os imigrantes dos países semicoloniais, aos que o capitalismo afunda na miséria. E como se faltasse algo, toleram a construção do muro com o que o Estado de Israel pretendem fechar em guetos ao povo palestino.

A restauração capitalista significou uma catástrofe social para os trabalhadores que estão perdendo conquistas históricas e levou esses países a uma decadência social sem precedentes.

Os países da Europa do Leste foram transformados no quintal das potências européias, principalmente Alemanha, que os usa como reservatório de mão de obra barata. Ainda que não exista um muro de concreto, depois da unificação imperialista, a Alemanha segue dividida, os trabalhadores do leste tem os salários mais baixos e os índices mais altos de desemprego. Isto explica o fenômeno conhecido como “ostalgie”, um jogo de palavras criativo que expressa a nostalgia por alguns aspectos da vida na ex República Democrática Alemã (RDA), e a alta votação obtida pelo partido Die Linke do qual participa o ex partido stalinista reciclado.

Alguns países do leste europeu, junto com as ex Repúblicas Soviéticas do Báltico, foram incorporadas como membros de segunda ã União Européia. Estes países como Letônia ou Hungria, transformaram-se em um elo débil ante o estalar da crise econômica, deixando escancarado os lucrativos negócios que os bancos ocidentais fizeram, pelos quais agora o FMI com seus planos de ajuste pretende que os trabalhadores paguem.

O imperialismo norte-americano, frente seu triunfo na Guerra Fria, havia conquistado uma década de domínio inquestionável, inclusive recebeu o mote de “hiper-potência”. Mas o “momento unipolar” do domínio norte-americano chegou a seu fim. Durante o governo de Bush os neoconservadores trataram de relançar um novo século de domínio norte-americano embasando-se no poderio militar. Mas as guerras do Afeganistão e do Iraque foram um fracasso estratégico e junto com a crise econômica, estão agravando a decadência hegemônica do Estados Unidos. A crítica situação em que se encontram as trapas imperialistas no Iraque e no Afeganistão, o que tem levado a não poucos analistas a compará-lo com a guerra do Vietnã.

A 20 anos da caída do muro, a crise econômica, as guerras, as convulsões sociais e a recuperação da classe operária, logo de três décadas de retrocesso e ofensiva burguesa, estão recriando as condições para que a perspectiva da revolução social volte a estar colocada na luta dos explorados, superando os anos de reação ideológica e política que seguiram ã restauração capitalista.

Stalinismo versus socialismo na segunda pós-guerra

Depois da Segunda Guerra Mundial, as potências vencedoras pactuaram a repartição do mundo. Nesta repartição, ã União Soviética lhe coube controlar as zonas que estavam sob ocupação do Exército Vermelho, que compreendiam a Europa do Leste e o setor oriental da Alemanha, enquanto que a Grã-Bretanha e o Estados Unidos se fizeram cargo da Europa Ocidental.

O stalinismo teve um papel profundamente contra-revolucionário que foi fundamental para estabilizar o capitalismo no imediato pós-guerra. Nos países ocidentais, os partidos comunistas ajudaram a desarmar os movimentos de resistência e colaboraram com a reconstrução burguesa, apoiando inclusive a restituição de velhas monarquias. Nos países do leste europeu, as tropas soviéticas se encarregaram de restabelecer a ordem e sustentaram aos governos formados por antigos fascistas reciclados, como no caso da Romênia e Bulgária.

Uma vez desaparecida a possibilidade de revolução no ocidente, em 1947 os Estados Unidos lançou o Plano Marshall, uma ajuda milionária para a reconstrução capitalista da Europa, com o que buscava diminuir a influência da União Soviética. Este foi o início da Guerra Fria.

Nesta tensa relação Stalin utilizou os países da Europa do Leste como uma zona de amortecimento entre o Ocidente capitalista, sob domínio norte-americano, e a União Soviética. Depois de quase três anos, decidiu transferir o governo destes estados a mãos dos partidos comunistas, ademais de nacionalizar os principais meios de produção e a terra nos países ocupados da Europa do Leste. As exceções a este processo de “revolução em frio” foram principalmente a Iugoslávia, onde se desenvolveu uma revolução operária e camponesa, e parcialmente a Checoslováquia.

Como resultado, liquidaram-se as relações de produção capitalista e foram substituídas pela propriedade nacionalizada dos meios de produção, ainda que sem participação ativa dos trabalhadores e dos camponeses pobres, nem órgãos de democracia operária, como haviam sido os soviets russos nos primeiros anos da revolução de 1917. Por estas características os trotskistas da época definiram a esses estados como “estados operários deformados”. Esta definição expressava que, diferentemente da União Soviética onde a contra-revolução stalinista havia liquidado o caráter revolucionário do estado operário, os da Europa do Leste eram estados operários que já haviam nascido burocratizados, ou seja, que o stalinismo havia implantado um ditadura burocrática que comandava segundo suas necessidades e interesses a economia. Isto estava em contradição com o fato de que a expropriação das antigas classes possuidoras e a nacionalização da economia eram importantes conquistas para os trabalhadores e os camponeses.

Para os marxistas revolucionários, os estados operários deformados surgidos na segunda pós-guerra e na União Soviética não foram “estados socialistas” nem representaram o “comunismo”. A casta burocrática que se havia apropriado do estado na União Soviética e governava os países do Leste, mantinha um regime de partido único apoiado em um aparato de vigilà¢ncia, que garantia seus privilégios extraídos da administração da propriedade nacionalizada. Portanto, como no caso da União Soviética, o que estava colocado então era uma revolução política que baseando-se nas relações de propriedade derrubasse ã burocracia governante e desse lugar a um estado operário revolucionário, baseado em órgãos de autodeterminação de massas com um regime de pluralidade de partidos reconhecidos por esses órgãos de democracia aberta.

A crise da economia de comando e da implosão do stalinismo entre agosto e dezembro de 1989 os regimes stalinistas foram varridos como peças de dominó dos países da Europa do Leste. Em sua grande maioria as mobilizações foram pacíficas, a exceção da Romênia onde o processo dói mais violento e culminou com milhares de mortos e posteriormente com a execução do ditador Nicolas Ceaucescu e sua esposa, no natal de 1989.

Na verdade, o êxito fácil destes movimentos se explica porque o prolongado domínio da burocracia havia carcomido as bases da economia planificada que respondia ás necessidades e interesses da casta governante e não da maioria da população. Isto fazia com que cada vez menos “as relações de propriedade vivessem na consciência das massas”.

Depois de alguns anos de crescimento da economia soviética, que assistia ademais ao resto dos países de seu bloco, incluindo Cuba, a economia se estancou na década de 1970. Os países do leste europeu optaram por ir abrindo parcialmente sua economia e endividando-se com o ocidente para tratar de conseguir financiamento, pelo que foram acumulando uma dívida que se tornou insuportável.

Na década de 1980 a economia soviética entra em uma profunda crise. Em 1985 assume Mikhail Gorbachev como presidente da URSS e começa a implementar um programa de reformas econômicas pró-capitalistas conhecido como Perestroika, junto com uma gradual abertura política, a Glasnost.

A degradação da planificação levava a momentos de escassez extrema o que obrigava ã grande maioria da população, que não tinha acesso aos privilégios da burocracia, a fazer filas intermináveis para adquirir bens de consumo básicos. Setores da burocracia governante especulavam com esta situação e tiravam proveito por seu rol na distribuição dos bens. Assim se foi gestando no mercado negro e na economia ilegal uma protoclasse capitalista, surgida das filas da própria burocracia.

Outro fator determinante na crise da URSS foi a política agressiva do imperialismo norte-americano, que sob Reagan havia lançado uma exorbitante carreira armamentista, que obrigava ã URSS a priorizar o gasto militar. O tiro de misericórdia foi a retirada humilhante do Exército Vermelho do Afeganistão derrotado pelas milícias islà¢micas armadas pelo Estados Unidos.

Produto da combinação destes e outros fatores, em 1989 o aparato stalinista não foi derrotado nem por uma contra-revolução burguesa, nem por uma revolução política. Simplesmente colapsou como produto das pressões internas e externas.

1989: o último ato de um longo processo de derrotas

Desde o começo, o regime stalinista da União Soviética estabeleceu uma forte opressão nacional sobre os países da Europa do Leste, que se via reforçada pela necessidade da economia soviética de recuperar-se da custosa vitória que havia obtido sobre os nazis. Quatro destes estados sob controle da burocracia stalinista – Alemanha oriental, Hungria, Romênia e Bulgária – haviam sido parte do Eixo (o bando encabeçado por Hitler derrotado na Segunda Guerra Mundial, pelo que a União Soviética os obrigava a pagar reparações de guerra, cobrando-lhes em extração de matérias primas e recursos.

A resistência ã opressão nacional, o rechaço ao regime burocrático totalitário e aos privilégios da casta governante foram as demandas que motorizaram os processos de revolução política que recorreram aos chamados países do glacis. A greve insurrecional dos operários metalúrgicos da Alemanha oriental em 1953, as greves em Poznan na Polônia, a revolução húngara de 1956, que foi o processo mais radical de revolução política que havia desenvolvido elementos soviéticos; e posteriormente a primavera de Praga de 1968 e da rebelião operária na Polônia da década de ’70 e princípio de ’80 que viu o surgimento do sindicato Solidariedade. Estes levantamentos confirmavam ao tempo que a economia nacionalizada era uma conquista para a grande maioria dos operários dos estados do Leste, e que este podia empurrar ã revolução contra o regime despótico da burocracia.

Entretanto, estes processos de revolução política foram brutalmente esmagados na maioria dos casos pela intervenção direta dos tanques russos. Na Hungria se calcula que morreram ao menos 20.000 húngaros e 3.500 russos nos enfrentamentos desatados pela repressão do processo de 1956. Milhares foram presos, muitos deles executados.

Na Polônia, o governo stalinista do general Jaruzelski decretou a lei marcial para fazer retroceder o levantamento de Solidariedade de 1981. Este sindicato independente da burocracia chegou a agrupar a 10 milhões de trabalhadores, mas estava dirigido por Lech Walesa, um homem da Igreja Católica que mantinha uma importante influência no país e aproveitou para fortalecer-se a nomeação do papa Juan Pablo II, o primeiro de origem polaco, que desenvolveu uma militância aberta pró-capitalista e anti-comunista. Ainda que Solidariedade tinha uma ala esquerda minoritária, seu desenvolvimento não foi suficiente para contrapor a propaganda capitalista e o peso da igreja.

Estas derrotas prévias dos trabalhadores do Leste, combinadas com o profundo retrocesso da classe operária ocidental, que perdia uma a uma suas conquistas a mãos do neoliberalismo iniciado por Reagan e Thatcher, explicam em grande parte o caráter que tiveram os levantamentos anti-burocráticos de 1989 que culminaram com a restauração em grande medida pacífica do capitalismo.

As mobilizações de 1989, a diferencia por exemplo da Hungria de 1956, dirigiam-se contra a burocracia mas não tinha o programa da revolução política em defesa das relações de propriedade nas que se embasavam os estados operários deformados. Em sua composição social, a exceção da Polônia, foram hegemonizadas, por setores médios da população e intelectuais dissidentes, agrupados em foros cívicos poli-classistas, que lhe imprimiram uma ideologia confusa na que terminaram primando as ilusões pró-capitalistas.

A exceção da China, onde a burocracia reprimiu selvagemente as mobilizações estudantis da praça Tianamen, estes levantamentos antiburocráticos foram desviados por eleições nas que triunfaram governos restauracionistas, a grande maioria deles formados por alas recicladas da burocracia.

Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, León Trotsky apresentou um prognóstico alternativo para a União Soviética: ou bem uma revolução política liquidava ã burocracia e restabelecia as bases da ditadura do proletariado; ou triunfava a contra-revolução burguesa e se restaurava o capitalismo. Por sua vez, contemplava uma terceira variante, ã que considerava praticamente improvável, de que a burocracia mantivesse por um período prolongado o poder do Estado, neste caso, como agente interna da restauração capitalista, cedo ou tarde iria buscar as bases materiais de seu poder transformando as relações de propriedade. Podemos dizer que com décadas de atraso, o processo de restauração capitalista na Europa do leste e da ex-URSS terminou confirmando a “hipótese improvável” de Trotsky.

O programa da revolução política na Alemanha

A caída do muro de Berlim colocou aos marxistas que programa levantar frente ã demanda democrática da unificação da Alemanha, cujo território havia sido dividido artificialmente na repartição do botim da Segunda Guerra Mundial.

Frente a isto um setor das correntes trotskistas, entre as quais estavam o Secretariado Unificado, negou-se a tomar as demandas democráticas da unificação, ã que consideravam uma manobra do imperialismo, e defenderam as fronteiras da RDA para evitar a restauração capitalista.

No extremo oposto se localizou a LIT, que colocando uma vez mais em prática sua teoria da “revolução democrática”, defendeu simplesmente a consigna de “reunificação já”, sustentando que para além de que esta unificação se fizera sob o imperialismo, a soma das classes operárias transformaria ao proletariado alemão no mais forte da Europa.

Nossa corrente adotou um programa de revolução política que unia a revolução no oriente com o ocidente e frente ã unificação imperialista, que liquidava as bases da economia nacionalizada na ex RDA, defendia a unificação socialista da Alemanha, baseada em conselhos operários. Este era o único programa que realmente podia haver evitado a derrota que implicou para as massas operárias do leste a unificação imperialista da Alemanha levada adiante por Kohl.

 

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