Nas últimas semanas temos visto uma crise política em Cuba que está trazendo grandes contradições para o governo comandado por Raúl Castro. A morte de um preso opositor por greve de fome incentivou a mesma prática por outros dissidentes do regime, desatando um enfrentamento entre mães de presos políticos opositores (as chamadas “mulheres de branco”) e setores da população em Havana. A burguesia imperialista dos EUA utilizou a opressão autoritária do regime burocrático do PC para denunciar cinicamente o “desrespeito aos direitos humanos” em Cuba, enquanto segue assassinando a população do Iraque e do Afeganistão e torturando na prisão que mantém em Guantánamo. Este conflito em Cuba coloca na esquerda a necessidade de responder ã crise atual e qual programa deve ser levantado.
Quando tratamos de Cuba, nos deparamos com duas posições equivocadas. Uma que não vê as contradições da dominação burocrática do PC, que leva adiante uma política oposta ã democracia operária, e confunde a defesa das conquistas da revolução com a defesa da casta governante. Esta posição é correntemente defendida pelas organizações stalinistas e populistas. A outra posição nega qualquer existência em nossos dias do menor traço de conquista da revolução. Esta posição toma como fundamental o regime, de natureza bonapartista, e afirma que o capitalismo em Cuba já teria sido restaurado completamente. Trata-se da posição da LIT, que caracteriza Cuba como uma “ditadura capitalista”. Neste artigo buscaremos centrar a discussão com esta segunda posição, que leva a que a LIT defenda um programa que não só é incapaz de responder aos desafios colocados pela contraditória situação cubana, como contribui para o processo de restauração capitalista total na ilha.
O que foi a revolução cubana?
A revolução cubana de 1959 derrubou uma ditadura capitalista expulsando o capital estrangeiro e expropriando a burguesia. Pela primeira vez na América Latina ocorria uma revolução deste tipo. Sua maior contradição foi sua direção guerrilheira, que tomava o poder com o apoio das massas exploradas em uma pobre ilha do Caribe, instaurando um Governo Revolucionário apoiado no exército rebelde, com a participação de vários membros da burguesia, num primeiro momento. O M26, liderado por Fidel Castro, tinha base camponesa e no início apenas pretensões democráticas de derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista no país. Porém, a mobilização teve uma dinâmica de ascenso motorizada pela derrota que as forças rebeldes impuseram ao exército e ã policia secreta. Os trabalhadores e camponeses não se detiveram na tarefa de derrubar a ditadura e continuaram desenvolvendo a revolução com seus próprios métodos: greves e ocupações das terras e dos engenhos. Castro, que já era primeiro-ministro, decretou uma limitada reforma agrária, o que levou ao recrudescimento da pressão do imperialismo. Mas Fidel Castro e o M26 foram forçados pela pressão exercida pelo imperialismo por um lado, e pelas massas de outro, em ir mais além de suas intenções originais, e avançar sobre a burguesia, que racha com o governo e se apóia no imperialismo, que impulsiona um boicote e rompe as relações comerciais com Cuba. Com a ruptura da burguesia, a expropriação da propriedade privada e a planificação da economia, se instauram o monopólio do comércio exterior, e se constitui o primeiro estado operário, ainda que deformado, da América Latina que nos primeiros anos se mantém com a ajuda da União Soviética.
O caráter deformado deriva do fato de que a direção guerrilheira, que nem mesmo se pretendia comunista de início, não tinha uma estratégia baseada na luta pelo desenvolvimento dos organismos de democracia operária, os soviets, e na centralidade desta classe e seus métodos. Era uma direção de caráter e estratégia pequeno-burguesa. Portanto, desde os primeiros dias após a tomada do poder a direção do novo Estado operário cubano era burocrática, e conservada ao restrito círculo de um partido-exército, que depois da tomada do poder se impôs como partido único. Além disso, se alinhava ao bloco da URSS sem nenhuma perspectiva de expandir a revolução internacionalmente, assumindo a reacionária política stalinista de socialismo num só país [1]. Portanto, a luta contra esta casta burocrática é fundamental a todos que pretendem manter e ampliar as conquistas da revolução cubana e avançar rumo a um regime de democracia operária que ponha em pé os comitês dos produtores e dos consumidores.
O que é Cuba hoje?
Em 1992 diante de uma pesada crise interna após o fim da URSS, foram anunciadas reformas e diversas outras concessões ao capital, conhecido como Plano para o Período Especial, Cuba inicia o processo de abertura de concessões ás empresas mistas e a investimentos estrangeiros e boa parte da esquerda afirmou que Cuba já tinha voltado a ser um país capitalista. É baseado nestes planos que a LIT tenta apoiar suas afirmações de que o capitalismo já estaria completamente restaurado, ao afirmar: “Neste contexto, a direção castrista começou a desenvolver uma política de restauração capitalista e de desmonte das bases do estado operário. Os pilares fundamentais de uma economia planificada (o planejamento central estatal e o monopólio do comércio exterior) já não existem e a economia funciona segundo as leis capitalistas de mercado” [2].
É certo que a Política do Período Especial desde 1992 até nossos dias promoveu uma corrosão crescente das conquistas da revolução, com a flexibilização do monopólio do comércio exterior, que permitiu que algumas empresas mistas e estatais, autorizadas pelo Ministério do Comércio Exterior tenham acesso ao mercado externo, junto com as zonas francas e a entrada do capital estrangeiro em alguns setores. Hoje, as empresas mistas em que o estado divide seu controle e supervisão com o investimento privado, correspondem a 29,93% das empresas [3]. Estas empresas, que ou são de propriedade estatal, mas algumas tem administração autônoma, ou já são de propriedade parcialmente privadas, abrangem parte da indústria açucareira, mineração, abastecimento, construção civil, comércio e hotelaria (também existentes em escala bem menor na agricultura, caça e silvicultura).
Porém, as afirmações da LIT são mecânicas e simplistas. Isso por que a base da economia permanece fundamentada em grande parte na propriedade estatal, com 73,07% das empresas em seu poder, somando entre elas cooperativas de trabalhadores e empresas diretamente estatais, onde se encontram 60,95% da população economicamente ativa. Atualmente, as empresas se dividem da seguinte forma entre os distintos tipos de propriedade em relação ã força de trabalho: são 12.462 empresas no total, sendo 20,27% Empresas de Orçamento Estatal, totalmente sob controle direto do Estado, onde se encontram quase todas as empresas de Saúde, Educação, Defesa, Tecnologia, Serviço Social, Cultura e Esporte e onde atuam 42,42% dos trabalhadores. Isso nos mostra que poucas empresas estatais de controle direto do governo concentram quase metade da força de trabalho cubana, sendo a espinha dorsal da manutenção da propriedade estatal. Junto a elas, temos 52,80% das Unidades Básicas de Produção Cooperativa (UBPC’s), de propriedade estatal com usufruto coletivo dos produtores, que abrangem a maior parte da agricultura, caça e silvicultura, onde se encontram 18,53% [4] da população ativa. Se por um lado já existem concessões do usufruto da terra, em grande parte dada aos camponeses, o que de fato favorece forças sociais pró-capitalistas, sua propriedade e controle continuam sendo estatais. Isso faz com que não exista uma burguesia latifundiária, bem como propriedade privada e direito ã herança. Conclusão: ainda que debilitadas, se mantém aspectos chave da propriedade nacionalizada da terra. Portanto, dizer que a economia em Cuba é uma economia de mercado, como faz a LIT, é confundir uma tendência com um fato consumado.
De outro ponto de vista, a LIT afirma que “A restauração significou a perda ou a deterioração extrema da maioria das conquistas da revolução e a volta dos males que se haviam eliminado, ou reduzido ao mínimo, como o desemprego, a prostituição, a marginalidade, as drogas e a delinqüência (dados que são reconhecidos, inclusive, pela própria direção cubana)” [5].Vejamos se tais males sociais transformaram os fundamentos destas conquistas. Enquanto Obama nos EUA consegue com muitas dificuldades aprovar um plano público de saúde que não abarcará o conjunto da população que empobreceu com a crise mundial, em Cuba o povo possui saúde e educação gratuitas, tendo sua taxa de analfabetismo erradicada há anos. A taxa de desemprego é de apenas 1,5%, enquanto os trabalhadores norte-americanos amargam uma taxa de desemprego superior a 10%, e 17% se consideramos os setores subempregados. Não dizemos que estes índices não possam existir em alguns países capitalistas em períodos de crescimento. Mas estes seriam países com um Estado de Bem-Estar típico dos países imperialistas, que mantém suas condições de vida e concessões ao seu proletariado mediante o saque sobre os países semi-coloniais. Isso faz com que tenhamos que perguntar aos que defendem que em Cuba já haveria sido restaurado o capitalismo completamente como explicar estas questões, já que supomos que não teriam como defender que Cuba, além de capitalista, seria imperialista.
Apesar de todas as dificuldades econômicas que o isolamento da ilha traz, e da crescente apropriação realizada pela burocracia para manter seus privilégios como casta governante, estes dados mostram como a expropriação da burguesia, e o que resta das conquistas da revolução, tendo ainda elementos de monopólio do comércio exterior e de planificação econômicas vigentes, coloca a população de Cuba em melhores condições de vida que muitos países capitalistas, e nem falar em relação aos vizinhos do Caribe, como o Haiti ou Honduras. São conquistas próprias de um estado operário deformado, por mais que esteja em avançada decomposição, mas que devem ser defendidas – e não negadas, como a LIT faz – pelos revolucionários. Em outro artigo, a LIT colocava que “enquanto o monopólio do comércio exterior era estatal e os direitos do capital não eram restabelecidos, a burguesia do mundo inteiro considerava Cuba um inimigo irreconciliável” [6]. O que a LIT nem tenta explicar, já que não poderia, é justamente por que o embargo econômico a Cuba é mantido pelos EUA. Simples: por que Cuba continua sendo considerado pelos EUA como um “inimigo irreconciliável”. Tampouco consegue explicar por que a burguesia gusana exilada em Miami não retornou a Cuba para recobrar “sua propriedade”, tal como já afirmou ser sua intenção muitas vezes, e continua sendo um dos pilares da política norte-americana de seguir com o embargo econômico ã ilha.
Lembremos ainda que em Cuba não houve massacres ás massas como o da Praça Tianamen na China, muito menos as guerras civis e étnicas que seguiram ás restaurações do Leste Europeu. Ou seja, do ponto de vista da luta de classes tampouco os trabalhadores em Cuba sofreram uma derrota em forma de repressão. Isso coloca aos revolucionários a necessidade de combater para dar um curso progressivo aos legítimos descontentamentos da classe trabalhadora e das massas. Se o regime bonapartista é uma verdade em Cuba, também é uma verdade relevante que este não se manteve no poder unicamente através da repressão, pois, amplos setores de massas cubanas ainda defendem as conquistas da revolução, mesmo após décadas de assédio imperialista, diferentemente do que ocorreu nos países do Leste Europeu ou na China.
Os marxistas sabem que é necessário analisar os processos como um movimento vivo. Mas a LIT prova não saber do que trata a lei da dialética de transformação de quantidade em qualidade. No caso de Cuba é chave estabelecer se a restauração já foi completada integralmente ou se este processo está em andamento, pois desta caracterização derivam as tarefas. Caracterizar Cuba como ‘ditadura capitalista’ como faz a LIT é deixar de dar a batalha pela defesa das conquistas revolucionárias existentes.
A LIT e os perigos de seu programa de “liberdades democráticas, inclusive para burgueses”
Portanto, para Cuba defendemos um programa de revolução política, que derrube a burocracia castrista e instaure os organismos de auto-determinação das massas, e se combine ã reconquista dos logros sociais corroídos pela burocracia. Esta é a única via de conservar as conquistas da revolução de 1959 mediante a luta contra o bloqueio e as ameaças imperialistas, ao mesmo tempo em que se combate contra as políticas repressivas da burocracia e seus privilégios, a fim de construir em Cuba uma democracia operária em busca do socialismo e da revolução mundial. Reconhecer isso é o ponto de partida de um programa revolucionário, e não embelezamentos da burocracia castrista, como enxergam alguns de visão mecânica. Somos completamente contrários a posição programática da LIT. Para a LIT/PSTU, Cuba não é mais um estado operário, mas é desde 1992 uma ditadura capitalista. Não são novas determinadas posições da LIT/PSTU em relação a como se enxerga os acontecimentos em Cuba. Porém, ao afirmarem em um recente artigo a caracterização de Cuba como uma “ditadura capitalista” acabam defendendo um programa de liberdades democráticas em geral para Cuba que na prática o colocam na ala esquerda da própria restauração! É necessário um debate em torno de suas posições: “Na época que era um Estado operário burocrático, já havia um intenso debate sobre Cuba na esquerda. (...) Naquele momento, não defendíamos as liberdades para os burgueses ou pequeno-burgueses que buscavam restaurar o capitalismo. Exigíamos democracia operária, mas não estávamos a favor de dar liberdades ás frações políticas que queriam o retorno do imperialismo ou conspiravam para derrubar o Estado operário, como os ‘gusanos’ de Miami. A realidade, porém, mudou: Cuba não é mais um Estado operário com um regime burocrático, mas um Estado capitalista governado por uma ditadura. Hoje, o centro de nosso programa de reivindicações para Cuba é de luta frontal contra a ditadura e pela defesa das mais amplas liberdades democráticas (sindicais, civis e políticas). (...) Frente ás ditaduras burguesas, lutamos pelas liberdades para diferentes setores sociais. Por exemplo, na Argentina, entre 1976 a 1982, ou Brasil, em 1964 a 1984, tinham setores burgueses opositores aos regimes ditatoriais. (...) Nessas situações, lutamos pelas mais amplas liberdades democráticas para todas as correntes opositoras, incluídas as burguesas, para permitir que o povo se organize e mobilize contra esses regimes” [7].
Estas linhas contêm um sem número de inverdades, que dizem respeito não só a uma análise equivocada, mas a uma política extremamente perigosa. Em primeiro lugar, está a questão de definirem, como já respondemos, Cuba como uma “ditadura capitalista”, e não como um estado operário deformado, ainda que em decomposição.
Isso faz com que a LIT realize esta comparação entre Cuba e as ditaduras comandadas por ninguém menos que Médici ou Videla, que afogaram em sangue o movimento operário e suas organizações para garantir a propriedade privada e os lucros de suas burguesias, mostrando a total falta de rigor da discussão. Não contentes com isso, a LIT ainda abandona a independência de classe quando se trata de como encarar as lutas por reivindicação democráticas, ao defender liberdades democráticas até mesmo para as organizações burguesas, separando a luta por estas demandas da luta pela revolução.
Portanto, a LIT defende uma política que levará ã aceleração da restauração capitalista sob o nome de “revolução democrática”. Este programa da LIT que pretende restaurar uma “democracia-parlamentar” em Cuba significa concretamente “liberdade” para as empresas capitalistas explorarem os trabalhadores e afogarem o povo cubano na mais profunda miséria, nada mais. Significa nada mais, nada menos, que conceder o direito ao retorno da burguesia gusana de Miami, que até hoje não esconde seu ódio contra a classe trabalhadora e o povo que efetivaram a primeira revolução responsável pela expropriação da burguesia na América Latina. Significa dar “liberdade política” para que esta burguesia exilada, serva do imperialismo, abra as portas do país para que Cuba se transforme em uma semicolônia dos EUA, que avançará sobre a ilha da maneira mais cruel. Para que esta burguesia se organize não só contra as conquistas que persistem da revolução de 1959, mas para que impeçam qualquer tipo de protagonismo renovado da classe trabalhadora e do povo cubano. Assim, ao pedirem “liberdade política inclusive para os opositores burgueses” no afã de defender a democracia (no regime, portanto, burguesa), a LIT prova uma vez mais não entender como se dar o combate pelas demandas democráticas mais fundamentais: a independência nacional, econômica e política que esta ilha no Caribe conquistou em relação ao imperialismo norte-americano, questão que Obama busca por todas as vias reverter.
Portanto, seguramente, a última coisa de que o povo cubano necessita é da “liberdade política para os burgueses” para que possa se organizar e derrubar a burocracia castrista. A LIT já deveria saber que a emancipação da classe trabalhadora e do povo não é mais facilmente alcançada a partir da “liberdade para as correntes opositoras, incluídas as burguesas”. Pelo contrário. O que a classe trabalhadora necessita é de um programa de independência de classe, que restitua os organismos de auto-organização dos trabalhadores, o que só ocorrerá com a classe trabalhadora retomando a confiança em suas próprias forças. Isso é um dos princípios mais fundamentais do marxismo.
O programa da LIT é, dessa forma, simplesmente o oposto ao necessário para garantir os interesses da classe trabalhadora e do povo cubano. Este programa defendido pela LIT, Obama poderia assinar sem problemas. É por isso que alertamos ao perigo em reivindicar um programa de “mais amplas liberdades democráticas para todas as correntes opositoras, incluídas as burguesas”, política que rompe claramente a independência de classe. Nesta política mora um perigo alarmante, pois estará a serviço, nas mãos da oposição burguesa, da destruição de tudo o que resta das conquistas da revolução sendo um ataque sistemático ao povo cubano pelo imperialismo por meio de uma reação democrática burguesa. Por mais que a LIT diga defender a organização independente e nenhum compromisso com a burguesia em sua ação política, seu programa termina sendo ala esquerda do programa de Obama e do imperialismo para Cuba.
Defendemos a conquista de liberdades democráticas contra o bonapartismo castrista, e não compactuamos, a exemplo da tradição dos revolucionários bolcheviques, com as práticas de tortura contra os opositores do regime. Entretanto, estas liberdades democráticas devem ser conquistadas pelas mãos da classe trabalhadora, e se estender ã todas as organizações e partidos que defendam as conquistas da revolução, e levá-las adiante, e não para a burguesia!
Para usar os exemplos que a LIT retoma na Argentina, em 1982, ou no Brasil, em 1984 a democracia burguesa veio como desvio justamente em momentos em que a classe trabalhadora protagonizou históricos enfrentamentos contra o capitalismo. Nunca poderíamos separar a luta contra a ditadura da luta pela revolução socialista. Porém, a posição da LIT nestes conflitos em 1982 na Argentina e de 1984 no Brasil foi de assistir contra-revoluções democráticas alimentando a constituição das democracias burguesas que mantiveram a exploração dos trabalhadores, ficando como ala esquerda das transições costuradas pela burguesia. No caso de Cuba, por ser um Estado operário deformado, a “revolução democrática” não implica apenas alterar o regime, mas restaurar completamente o capitalismo. Uma posição indefensável.
Uma vez mais: “revolução democrática” ou revolução permanente?
As raízes desta política da LIT se remetem ã sua revisão da teoria da revolução permanente, condensadas na teoria da revolução democrática elaborada por Nahuel Moreno. Contrastemos esta visão com a defendida por Trotsky na teoria da revolução permanente.
A teoria da revolução permanente apontou que nos países de capitalismo retardatário a solução das demandas democráticas estruturais só é possível de ser alcançada pela ação da classe trabalhadora, pois a burguesia está atada ao imperialismo e aos grandes proprietários da terra. Também atestava que a luta da classe trabalhadora contra uma ditadura capitalista teria que abrir caminho para a revolução socialista, e não para a instauração de uma democracia capitalista.
Neste sentido, Leon Trotsky numa discussão com os oposicionistas italianos (Pietro Tresso) sobre as tarefas dos revolucionários frente ao fascismo, colocava que: “Em relação ã ‘revolução antifascista’, a questão italiana está mais do que nunca ligada intimamente aos problemas fundamentais do comunismo mundial, ã chamada teoria da Revolução Permanente. A partir de todo o anterior surge o problema do período ‘transicional’ na Itália. Em primeiríssimo lugar, há que responder: ‘transição de que a que? Um período de transição da revolução burguesa (ou ‘popular’) ã revolução proletária é uma coisa. Um período de transição da ditadura fascista ã ditadura proletária é outra coisa. Se tomamos o primeiro, se coloca em primeiro termo a questão da revolução burguesa, e só se trata de determinar o papel do proletariado na mesma. Só depois estará colocada a questão do período transicional ã revolução proletária (posição de Pietro – NdR). Se tomamos a segunda concepção, então se coloca o problema de uma série de batalhas, convulsões, mudanças, viradas abruptas, que em seu conjunto constituem as distintas etapas da revolução proletária. Pode haver muitas etapas. Mas em nenhum caso isso pode colocar em primeiro plano a revolução burguesa ou esse misterioso híbrido, a revolução ‘popular’ (...) Isso significa que [o Estado capitalista - NdR] não pode se converter novamente em um estado parlamentar ou em uma república democrática? Considero que esta eventualidade não está excluída. Porém não será fruto de uma revolução democrática, senão de um aborto da revolução proletária insuficientemente madura ou prematura. Se estoura uma profunda crise revolucionária e se dão batalhas de massas no curso das quais a vanguarda proletária não tome o poder, possivelmente a burguesia restaure seu domínio sob bases ‘democráticas’”. E continua em outra passagem: “Em relação ã revolução alemã de 1918, é evidente que não foi o coroamento democrático da revolução burguesa, senão a revolução proletária decapitada pela social-democracia, ou, para dizer com mais precisão: uma contra-revolução burguesa obrigada pelas circunstâncias a revestir, depois da vitória obtida pelo proletariado, formas pseudo-democráticas” [8]. Assim, vê-se como ao defender “liberdade política para a oposição burguesa” e a luta pela democracia formal, a LIT, rompe com esta lição legada por Leon Trotsky.
Indissoluvelmente ligado ao princípio da independência de classe, que norteia toda a formulação da teoria da revolução permanente, Trotsky apontou ainda a necessidade da revolução política a partir da stalinização da URSS. Contra todos que diziam que a URSS haveria deixado ser um estado operário pela opressão e privilégios exercidos pela burocracia, Trotsky defendeu que a URSS seguia sendo um estado operário, porém degenerado, o que exigia a luta por um programa de revolução política, que restaurasse a democracia operária e o internacionalismo revolucionário, derrubando a burocracia. Este programa de revolução política, aliada a elementos de reconquista de elementos sociais em Cuba, é o que pode responder aos desafios atuais, e não a “liberdade para opositores burgueses” da LIT.
Para Moreno, a conquista das demandas democráticas é um fim em si mesmo. Isso leva a que defenda ser possível uma revolução apenas no âmbito do regime, ou seja, da forma política de dominação, sem alterar as bases de dominação de classe do Estado. Neste sentido, Moreno afirma que nos estados capitalistas o fundamental é “fazer uma revolução no regime político: destruir o fascismo para conquistar as liberdades da democracia burguesa, ainda que fosse no terreno dos regimes políticos da burguesia, do Estado burguês”. E mais: “hoje temos que formular que não é obrigatório que seja a classe operária e um partido marxista revolucionário quem dirija o processo da revolução democrática em direção ã socialista [9]”, mas sim uma direção sem determinação de classe, não revolucionária. É isso que a LIT/PSTU prevê em Cuba atualmente, uma revolução democrática em um país de “ditadura capitalista”, uma “mudança do regime”, sem a direção política revolucionária dos trabalhadores.
Suponhamos que Cuba fosse de fato uma “ditadura capitalista”, como afirma a direção da LIT/PSTU. Neste caso a “revolução democrática” contra a ditadura não serviria a qualquer luta estratégica por parte dos trabalhadores mesmo em países capitalistas, pois mesmo se os trabalhadores derrubassem a “ditadura capitalista” seguiria sendo explorada pela burguesia. O que a LIT ainda não compreende é que a etapa democrática pela qual eles lutam, como colocamos acima, só pode ser o triunfo da contra-revolução e o aborto da revolução proletária.
Em um regime bonapartista, assim como em um regime democrático, se mantém a exploração cotidiana dos capitalistas sobre a classe trabalhadora. Neste sentido, mesmo supondo que em Cuba existisse hoje a ditadura de um estado capitalista o programa não é lutar pela democracia burguesa, mas para que fossem os trabalhadores, armados pela estratégia de independência de classe, que derrubassem a ditadura abrindo espaço para o avanço ã revolução socialista. Os trabalhadores se levantando contra a repressão do bonapartismo, teriam que garantir a sua capacidade de organização sindical e política para lutar por suas próprias demandas enquanto classes de forma independente, nunca para permitir a liberdade dos capitalistas de reformar o Estado carcomido com um novo regime, no intuito de perpetuar a exploração e atenuar pela via eleitoral a luta de classes aberta. É com esta perspectiva que os revolucionários devem lutar pelas liberdades democráticas formais, e não como faz a LIT.
A burocracia castrista e o regime na encruzilhada
A decomposição das conquistas da revolução tem se feito sentir mais profundamente com os impactos da crise capitalista sobre Cuba. Como nossa organização internacional, a Fração Trotskista – QI, já definiu: “No Estado cubano a burocracia se apresentou sempre como guardiã das conquistas da revolução frente ao imperialismo e ao bloqueio. Por outro lado, recorre ã repressão política e ao controle social para disciplinar as massas e suas organizações, o que implica o afogamento das liberdades populares e das organizações operárias e populares. Com a chegada ao poder de Raul Castro se abriu a expectativa sobre um relaxamento das condições repressivas e de controle social. Isso era alentado pelos ares de mudança das relações cubano-norte-americanas de Obama. Porém, nem a Casa Branca deu um giro na posição sobre Cuba, nem Raul Castro iniciou uma reforma do regime. O novo sinal de bonapartismo burocrático se consolidou com o isolamento da geração que substituição de da burocracia governante, como Felipe Pérez Roque e Carlos Lage, e pelo aprofundamento das políticas de abertura e pró-mercado da burocracia dirigida pelo comando das Forças Armadas Revolucionárias. A conseqüência desta orientação são os chamados do governo para aumentar a produtividade do trabalho, no crescimento exponencial da corrupção estatal, no descontentamento social e em uma luta fracional no seio do PC, que faz necessário o fortalecimento das formas policiais do regime político [10]”.
Neste último período diante da crise mundial, a burocracia castrista, agora sob o comando de Raul Castro, foi obrigada a tentar avançar contra estas conquistas de forma mais aberta, ainda sem um enfrentamento direto contra o povo cubano, o que aumenta o questionamento ao regime abrindo margem tanto para setores ã esquerda quanto ã direita reivindicarem maiores liberdades de organização. A necessidade de repressão sobre a oposição política (de esquerda e de direita) por parte do regime cubano está intimamente ligada com seus propósitos políticos e sociais, de manter-se como casta privilegiada. Assim, o desenvolvimento de sua política, no caso da classe operária e do povo não intervirem de maneira independente, facilitará o caminha ã restauração capitalista. Isso coloca ainda mais urgência na necessidade de levantar um programa revolucionário em Cuba.
Um programa revolucionário
Isto faz com que em Cuba os revolucionários devam defender liberdades democráticas quando isso signifique especificamente a liberdade de organização dos trabalhadores e a legalização dos partidos que defendam a manutenção das conquistas da revolução, e não a facilitação para que a burguesia derrube de uma vez o que resta das conquistas da revolução. Isso deve se ligar a um programa que responda aos problemas concretos que a massa cubana vive hoje, defendendo a constituição de conselhos operários através da democracia nos locais de trabalho como base de organização dos trabalhadores dentro das empresas estatais, a expulsão da intervenção das FAR nas principais empresas do ramo produtivo, e uma luta sistemática contra a influência da CTC (Central dos Trabalhadores Cubanos) nos sindicatos, como forma de abrir o caminho para se sair em defesa de conquistas como a manutenção do sistema de retribuição relativamente igualitária (ainda que degradada pela burocracia) do trabalho que hoje está ameaçada, o pleno emprego, a integridade dos serviços públicos ã população, o fim da monetarização do déficit fiscal que gera a desvalorização do peso cubano diante do dólar e os drásticos cortes nas cotas diárias de produtos básicos ã população. Em outras palavras a manutenção da propriedade estatal dos meios de produção e do que ainda se mantém da planificação da economia e do monopólio do comércio exterior pelo Estado, numa luta pela reversão das tendências abertas com a Política de Plano Especial, que restaure as conquistas da revolução e o integral monopólio do comércio exterior. Isso, evidentemente, por tudo que discutimos aqui, não pode se dar por fora de um combate da classe trabalhadora e o povo cubano para acabar com os privilégios da burocracia castrista, e reverter sua política. Em relação aos presos políticos, trata-se de exigir que aqueles que não estiveram envolvidos em ações patrocinadas pelo imperialismo tenham sua situação analisada por comissões operárias e camponesas independentes. Neste sentido é que todas as organizações que se reivindicam revolucionárias teriam que assumir um programa que levantasse desde a exigência do fim do embargo imperialista, ás maiores liberdades e controle da produção por parte das organizações operárias, e defensoras das conquistas da revolução.
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