No dia 16 de abril aconteceu a segunda Cúpula dos BRICs reunindo os presidentes dos países que compõem a sigla (Brasil, Rússia, Índia e China) em Brasília, sucedendo o primeiro encontro ocorrido em 2009 em Ekaterinburgo na Rússia. Além da cúpula dos BRICs, se realizou também a IV Cúpula do IBAS, com o presidente da África do Sul e da Índia, além do Brasil. Numerosos intelectuais vêm nestas iniciativas internacionais avidamente defendidas por Lula a coroação de uma política “Sul-Sul” que seria independente dos imperialismos e asentaria bases para uma nova geopolítica mundial, mais equilibrada e favorável aos povos semicoloniais. Esta expectativa não corresponde ao que são os BRIC e suas contradições e menos ainda ã dinâmica da política externa do governo Lula.
Os BRICs e suas contradições
Lula, o anfitrião da vez, não poupou esforços em apresentar a Cúpula como um grande avanço produto de sua política internacional, buscando capitalizar esta localização internamente em meio ã disputa eleitoral para projetar sua candidata, Dilma Roussef, e internacionalmente ao anunciar em tom triunfalista que do encontro “nasceu uma nova geografia econômica global”. Entretanto, longe disso, a Cúpula dos BRICs foi uma mescla de alguns acordos bilaterais, discussões para definir algumas tíbias medidas de pressão a serem levadas ã próxima reunião do G- 20 em junho no Canadá, e debate sobre as sanções ao Irã impostas pelos EUA e acatadas por todos os que estão no Conselho de Segurança (Rússia e China), com Lula sustentando uma posição mais mediada de diálogo – que busca negar-se ao compromisso de não desenvolver energia nuclear e ao mesmo tempo aparecer como um mediador internacional –, e a Índia com uma posição vacilante. Portanto, uma questão que seguiu sem acordo. Isso tem como pano de fundo as grandes diferenças que os países membros dos BRICs mantém entre si. Os meios tradicionais da burguesia imperialista ressaltam a sua debilidade como bloco, tal como coloca o The Economist: “Uma razão convincente para pôr em dúvida as chances dos BRICs ‘de mudar alguma coisa fundamental é que eles não são capazes disso. Eles competem tanto entre si como fazem com os Estados Unidos ou Europa, e, portanto, os BRICs, atuar como bloco parece improvável frente ao vigor de suas ambições individuais“ [1]”. Ainda que a análise seja politicamente interessada, contém fundamentos sólidos. Em primeiro lugar, a China e Índia mantêm uma disputa de posições na Ásia que conta inclusive com uma guerra, travada em 1962. Esta disputa segue vigente com as tensões entre os dois países para obter maior controle do gás e petróleo da Ásia Central e as barreiras que a Índia coloca para a entrada de trabalhadores chineses qualificados em seu país. Isso faz com que a China não veja com bons olhos as pretensões da Índia de adentrar no Conselho de Segurança da ONU. A Índia e a China tampouco aprovam a política do Brasil de pressionar para reduzir as barreiras de impostos ã exportação de sua produção agrícola, para proteger a agricultura de seus países. Estas tensões podem lançar por terra os acordos para pressionar o imperialismo para mais espaço aos BRICs nos organismos internacionais, um dos apelos ideológicos do próprio bloco. A competição também se mostra quando o tema é a participação de cada um dos BRICs em outras regiões. No último período, a China assinou uma série de TLCs com países como o Peru, a Costa Rica, e o Chile, país que passou a ter na China o maior parceiro comercial. Isso tende a azedar as relações com o Brasil, que busca garantir sua posição de exportador de manufaturas, aos vizinhos latino-americanos.
No que diz respeito aos acordos firmados entre o Brasil e a China, que ficaram conhecidos como “PAC chinês” (em alusão ao programa nacional de investimentos públicos de Lula), vendido pelo governo Lula e pela burguesia brasileira como um grande acordo, sobretudo por prever certo aumento dos investimentos diretos chineses no país, tampouco mostram avanços em algumas contendas fundamentais.“ O que o PAC e os demais atos assinados não tratam (...) são dos problemas nas relações bilaterais. São problemas que podem se tornar universais, como a perspectiva de que se esteja formando uma ‘bolha’ na China, visão compartilhada pela diplomacia brasileira e por muitos analistas.Todo o mundo sentiu o que acontece quando ‘bolhas’ grandes explodem. Há outro problema que afeta outros países: a moeda chinesa suposta-mente desvalorizada demais, o que facilita exportações e gera dese-quilíbrios com os EUA e também com o Brasil. Terceiro problema: a pauta comercial é formada, do lado brasileiro, por exportações de baixo valor agregado, basicamente commodities” [2].
Portanto, em meio ás incertezas que ainda rondam o capitalismo mundial, o que hoje aparece como “salvação” pode se transformar em mais um ponto de discórdia e disputas comerciais. Se a União Européia, que concentra algumas das economias imperialistas mais importantes, passou por uma crise importante desatada pela falta de acordo em como lidar com a crise grega, que ameaçou sua moeda comum, é uma ilusão das mais risíveis crer que os BRICs poderiam constituir um estável bloco de interesses. Se, por um lado, pode servir como aliança defensiva frente aos EUA e ã UE no marco da crise capitalista, e ser uma contra-tendência ás contradições da tendência ã menor demanda dos EUA pelas mercadorias chinesas, está longe de compor um bloco homogêneo. Do ponto de vista político, inclusive, a Cúpula tem lugar no momento de uma aproximação entre a Rússia e os EUA a partir da assinatura do acordo de não proliferação de armas nucleares. Isso mostra como os BRICs, compostos por países dependentes e outros que aumentaram sua participação internacional sem mudar suas bases estruturais, são incapazes de lidar com as contradições que poderia desatar uma política de maiores enfrentamentos com o imperialismo. Por outro lado, qualquer aliança impulsionada pelos BRICs visa garantir os interesses de suas burguesias, sendo completamente contrários aos interesses da classe trabalhadora e dos povos dos países dependentes e semicoloniais de avançarem em sua necessária unidade para combater os ataques imperialistas e a exploração negociada nessas Cúpulas.
Lula: “autonomia” em cooperação militar com o imperialismo
contra as sanções ao Irã na Cúpula de Segurança Nuclear, Lula busca levar adiante seu projeto de resguardar os interesses da burguesia brasileira de se projetar como uma potência regional, e capitalizar sua posição como um mediador “independente”. Isso se combina ã sua negativa de se compro-meter em não enriquecer urânio no futuro. Embora defendamos o direito democrático das nações pobres e semicoloniais de desenvolver armamentos nucleares para se defender do imperialismo, e denunciemos a cínica política de Obama de negar esse direito ás demais nações (lembremos que as bombas atômicas foram disparadas pelos EUA e ninguém mais) e usar isso como pretexto para avançar sobre o Irã, é preciso que se diga claramente que o que motiva Lula não é nenhuma posição antiimperialista, ou preocupação com o povo iraniano, como poderia parecer. Isso se demonstra quando contrastamos sua posição na Cúpula de Segurança Nuclear com o fato de que no último dia 12 o mesmo Lula acaba de assinar um acordo de cooperação militar com ninguém menos que... os EUA! O acordo, o primeiro desde 1977, está sendo apresentado como um mero penduricalho ã venda de 200 aviões brasileiros aos Estados Unidos. Entretanto, o próprio ministro da Defesa brasileiro, Nelson Jobim, e seu par norte-americano Robert Gates declararam ser mais que isso. “Este acordo levará ao aprofundamento da cooperação em defesa entre Estados Unidos e Brasil em todos os níveis”, disse Gates após a cerimônia, que aconteceu na sede do Pentágono. “O pacto assinado nesta segundafeira cria um marco de cooperação para organizar visitas mútuas de delegações militares dos EUA e Brasil e prevê a colaboração em assuntos técnicos, além de encontros entre instituições de defesa, intercâmbios de estudantes e instrutores e treinamentos militares conjuntos”. Apesar do ponto que previa instalações de bases norteamericanas em território brasileiro não ter passado, ele prevê centenas de consultores de segurança dos EUA no Brasil e este acordo assenta graves precedentes e demonstra que a política de Lula em relação aos EUA é de combinar barganhas quando o tema não depende da decisão do Brasil, com a busca por acordos que possam fortalecer suas posições. É uma hipótese razoável supor que este movimento de Lula é uma resposta reacionária e entreguista ã realidade cada vez mais perceptível de que o imperialismo busca fortalecer sua entrada direta na América Latina (Haiti, Colômbia, IV Frota), e que isso dificulta o seu plano original de se alçar como potência regional e mediador latino-americano por excelência. Isso demonstra como a política internacional de Lula, a despeito de seus discursos demagógicos, está longe de ser autônoma. Com isso, Lula ajuda a aprofun-dar, ainda que indiretamente, as posições do imperialismo na América Latina. É preciso ampliar o debate sobre este caráter submisso e reacionário do governo Lula, colocando a necessidade de rechaçar este acordo e de que a classe trabalhadora e os povos do mundo não confiem em nenhum caudilho que enche a boca para falar de autonomia, mas termina trazendo o imperialismo para seus países.
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