Pouco se movia na França, em 7/9, salvo as imponentes colunas de grevistas que invadiram as ruas e praças das principais cidades do país, até as menos acosumadas das marchas sindicais: desde 20.000 pessoas em Brest, porto do Oeste de Bretanha, até 200.000 em Marselha, do outro lado do país, na costa mediterrânea, passando por várias centenas de milhares na capital onde se organizaram dois itinerários distintos para permitir aos manifestantes desfilar. Enquanto a marcha estava convocada para as 14 horas, ás 18 horas saíam as últimas colunas da Praça da República, mostrando a quantidade de trabalhadores de toda a região parisiense que haviam se movimentado para a manifestação. Um total de 2 a 3 milhões de trabalhadores se manifestaram em toda a França na ocasião da jornada de greve convocada pelas centrais sindicais contra a impopular (além de antipopular) projeto de reforma das aposentadorias que o governo Sarkozy pretende impor.
Como já antecipavam as colunas de manifestantes nas cidades do interior que se manifestavam durante a manhã e entre as quais se encontravam tanto trabalhadores do setor privado quanto estatais, a greve paralisou todos os setores da economia, desde as empresas mais importantes até as pequenas e médias empresas em muitos lugares. Nos correios (La Postle), em processo de privatização, a mesma direção reconheceu que ao menos um quarto dos trabalhadores havia acatado o chamado da greve. A metade entre ferroviário da SNCF (empresa nacional de ferroviários), apesar de que haviam saído sumariamente debilitados de um duro conflito em abril. 60% dos professores haviam paralisado segundo a direção de seu principal sindicato, o SNUIPP, e entre um terço e a metade dos trabalhadores de France Télécom.
Apesar das tradicionais diferenças entre os dados comunicados pelo governo aos das centrais sidicais, a jornada de terça feira registrou 40% a mais de manifestantes em relação ã jornada de greve anterior contra a reforma das aposentadorias organizada antes das férias de verão na França, em 24 de junho. O único dado a favor do governo: a escassa presença de estudantes na marcha, um dos temores de Sarkozy, que havia sido Ministro do Interior durante as marchas contra o CPE (Contrato do Primeiro Emprego) de 2006. Isso se deve, em parte, ao fato das aulas ainda não terem começado nas universidades. Muita raiva contra o governo, muito mais que em junho como demonstravam as bandeiras e cantos nas marchas. Isso se deve não somente ao caráter injusto e antioperário da reforma das aposentadorias, mas também a questões de condições de trabalho, etc, que sentem cada vez mais agudamente os trabalhadores tanto do setor privado como público. E se as marchas de 7/9 foram, segundo os dados da CGT, mais importantes que durante aos auges de 1995 e 2003, ainda são menores em relação aos do ano passado. Uma diferença substancial que dá ã jornada de 7/9 uma tonalidade particular e uma potencialidade inédita é o fator da profunda crise governamental na qual estão envolvidos Sarkozy e seus ministros.
Sarkozy, quanto mais debilitado pelos escândalos mais aferrado ã sua reforma
É essencial analisar a raiva expressa nas colunas com a seqüência de escândalos que manchou o governo nos últimos meses. O mais profundo e que está debilitando o governo é o paradigmático caso Woerth-Bettncourt. Suspeita-se da mulher mais rica da França e herdeira da L’Oréal por ter financiado ilicitamente a UMP, o partido de Sarkozy. O atual ministro do trabalho, Eric Woerth, artífice da reforma das aposentadorias está envolvido no escândalo Bettencourt, tanto como ex ministro das finanças, já que haveria coberto a fraude fiscal de Bettencourt, a título pessoal, tendo sido sua esposa uma das principais colaboradoras da herdeira.
Esse clima tenso para a direita e no governo e para o próprio Sarkozy é perigosamente alimentado e aproveitado por distintos setores da burguesia que discordam em relação aos ritmos e intensidades com a qual necessitam levar adiante as contrareformas em um contexto de pesada crise econômica. Isso se demonstra claramente com os ex-primeiro ministro de Chirac, Juppé, Raffarin e Villepen que não perdem chance de criticar o presidente no marco da crise aberta no seio da direita com vistas ás eleições presidenciais de 2012.
Frente aos escândalos que aparecem dia após dia, Sarkozy não só não pode retroceder em relação ã reforma das aposentadorias, uma de suas grandes promessas de “ruptura do status quo atual francês” feita ã patronal antes de assumir em 2007. Durante todo o verão tentou distrair a opinião pública dos problemas mais urgentes do país lançando uma campanha racista e xenófoba, em particular usando os ciganos franceses e imigrantes da Europa do Leste como bodes expiatórios.
A tosca operação revelou ser contraproducente como demonstraram as importantes manifestações antiracistas organizadas em 200 cidades em 4/9 contra a política do governo. Demonstra-se também pela taxa de popularidade de Sarkozy. As últimas pesquisas indicam que o presidente francês possui somente 30% de apoio entre a opinião pública, nível ineditamente baixo desde sua eleição em 2007.
Enquanto isso, entre os trabalhadores e os setores populares, o descontentamento cresceu. Por mais que tenha arrefecido as ondas de demissões, o desemprego alcança hoje 9,3% enquanto o governo continua com os cortes ao setor público (Saúde, Educação etc), ataques ao salário indireto e as perspectivas de voltar a dar continuidade ao crescimento econômico ainda estão distantes. Notou-se, entretanto, uma mudança notável no estado de ânimo em relação ã reforma das aposentadorias. Se há pouco tempo a maioria dos franceses consideravam essas reformas necessárias ainda que injustas, passado poucas semanas e o aprofundamento da crise governamental, os trabalhadores a tomam cada vez menos como uma fatalidade e vem a necessidade de opor-se ao governo. Estas são algumas das principais razões do êxito da jornada de 7/9.
Pressão da base e êxito das marchas de 07/09
Este espírito é o que se plasmou nos distintos setores, tradicionalmente mais mobilizados, que começaram a exercer uma pressão real sobre as direções sindicais. Estas, em um primeiro momento, vacilaram em se opor rotundamente ao projeto de reforma, em base ao errôneo argumento demográfico repisado pelos meios, o governo e retomado pelos mais direitistas, começando pela Confederação Francesa de Trabalhadores (CFDT) de Chérèque: ao ter se estendido a expectativa de vida seria normal trabalhar mais tempo... para o maior proveito na realidade da patronal e do Estado.
O argumento não colou naqueles setores que mais sofrem a política governamental, como os docentes, por exemplo entre os quais se anuncia para esse ano 16.000 supressões de postos de trabalho. Daí a razão pela qual a paralisação se estendeu por 48 horas entre os professores secundaristas, começando em 06/09, ainda que a taxa de participação este dia não foi muito alta. Era a primeira vez em 40 anos que o SNES, principal força sindical entre os professores secundaristas, chamava a dois dias seguidos de greve, mais ainda logo após reiniciar o ano escolar, estando mais da metade dos professores em greve no 07/09.
Em outros setores, os trabalhadores impuseram que suas direções já não reivindicassem “uma reforma mais justa”, como era o caso até agora da ala direita dos sindicatos (CFDT e UNSA) e até em certo sentido da mesma CGT, senão, ao menos em palavras, “a retirada da reforma”, reivindicada hoje em dia já não só pela confederação Force Ouvriere (FO) e por Sud-Solidaires senão também por vários sindicatos do ramo da CGT ou da FSU (estatais).
Os anúncios cosméticos de Sarkozy para justificar sua intransigência
Ante o caráter contundente das marchas, em 08/09 o presidente anunciou no Conselho de Ministros uma série de retoques menores ao projeto de lei que entrou ontem no Parlamento para que o discutam os deputados. Estas modificações já tinham sido prenunciadas e não modificam substancialmente o conteúdo da reforma. Se trata de medidas cosméticas que não colocam em discussão a base mesma da reforma. Com razão. Com a questão das aposentadorias Sarkozy sabe perfeitamente que um retrocesso de sua parte implicaria uma derrota política central para a UMP e questionaria sua capacidade de se candidatar de novo em 2012. Mas fundamentalmente, e disso estão bem conscientes tanto os burocratas sindicais como a oposição parlamentaria de centro-esquerda, um desenvolvimento maior das mobilizações já não só poderia ressuscitar o espectro das greves de novembro e dezembro de 95, senão que colocaria em questão a viabilidade do governo e do mesmo Sarkozy (e já não só de um Juppé, premier de Chirac em 1995) em um contexto de profunda crise econômica, elemento ausente a meados dos anos 90.
A estratégia da burocracia sindical, o principal obstáculo ao desenvolvimento da greve e ao triunfo
Ante a intransigência governamental e a importância da greve, as direções sindicais também tiveram que modificar parcialmente seus planos, sem alterar nem um pouco sua estratégia, que é o principal obstáculo ao desenvolvimento de uma verdadeira luta contra o governo de Sarkozy. Sob a pressão direitista da CFDT e UNSA, nos corredores da burocracia se falava da possibilidade de uma marcha de descompressão sem greve no sábado 18/09 junto com um chamado simbólico a somar-se ã paralisação européia de 29/09, quer dizer, uma vez aprovada a lei pelo Parlamento e antes de sua discussão no Senado. Frente ã pressão das bases as direções sindicais reunidas em 08/09 em Intersindical terminaram adotando, sem o apoio da FO (ainda que mantenham a unidade de ação) e de Sud-Solidaries, um chamado a uma nova jornada de paralisação para a quinta-feira 23/09.
A burocracia sindical, encabeçada pela CGT e Thibault, preferiu ceder em relação ã forma da próxima ação de força, convocando a uma greve e já não a uma mera marcha em um sábado, postergando, no entanto suficientemente seu chamado para obstaculizar a aqueles setores que ao menos ameaçavam em palavras a lançar-se em uma paralisação mais dura por tempo inderteminado nos próximos dias. No entanto, entre os ferroviários a maioria dos sindicatos, inclusive a CFDT-FGAAC, sinalizava lançar-se já ã greve a partir de 14/09. É mais, em algumas regiões (Champagne, Lorena e Sudoeste), muitos depósitos ferroviários permaneceram vazios em 08/09. Docentes de varias localidades da periferia parisiense e da mesma capital reunidos em assembléia colocavam por sua parte em se lançar ã ação com ou sem os sindicatos a partir da semana de 13/09. Desde este ponto de vista, a orientação da Intersindical é mais que clara: evitar a todo custo todo tipo de ação que vá mais além de sua estratégia de pressão sobre a reforma, buscando uma negociação sobre seus pontos mais irritante, mas aceitando a necessidade da mesma, que lhe permita lavar a cara, diferente da CFDT que afundou sindicalmente depois de seu papel conciliador na luta contra as contra-reformas da aposentadoria na administração pública de 2003. Neste marco é chamativo notar como o quadro político se simplificou nos últimos dias. Os dois protagonistas centrais do tradicional tabuleiro político já não são o governo e a oposição de centro-esquerda encabeçada pelo Partido Socialista (PS) que, de passagem seja dito, depois de ter defendido a idéia de um incremento da idade de aposentadoria a 62 anos passou nas últimas horas a exigir voltar a discutir por completo a reforma, para não ficar ultrapassado do todo da magnitude da paralisação de 07/09. Já não é o PS o que ocupa o centro do cenário político com Sarkozy, como em 2003 e 2006, mas os sindicatos, começando pela CGT. Seu secretário geral Bernard Thibault bem sabe que detrás da potencialidade da greve de 07/09 está o espectro de 95 que quer conjurar a todo custo. Colocaria em perigo o mesmo jogo institucional cuja defesa está, em última e em primeira instância, inteiramente preparada.
A extrema esquerda francesa, entre passividade e seguidismo ã burocracia
Ante semelhante panorama, lamentavelmente a extrema esquerda francesa uma vez mais não está ã altura do enorme desafio colocado. Tanto a Lutte Ouvrière (LO) como o Novo Partido Anticapitalista (NPA) colocam antes e depois de 07/09 que a chave é realizar uma mobilização massiva e que um só dia de greve não basta para fazer retroceder o governo.
No entanto nem as direções da LO nem do NPA colocam seriamente como fazer avançar a relação de forças existente e suas potencialidades ante o obstáculo imposto pela estratégia da burocracia. “Depois do êxito de 7 de setembro, amplificar e desenvolver a ação” coloca o editorial da LO assinado por Arlette Laguiller (www.lutte-ouvriere-journal.org). Nada diz no entanto de como dar uma luta para superar o obstáculo que é o controle do movimento pela burocracia sindical. Para a LO, os trabalhadores teriam que mobilizar-se como se esta não existisse. A direção do NPA coloca por sua vez que “tem que prosseguir com a dinâmica, apoiar-se nas novas jornadas anunciadas pela Intersindical nacional e as Intersindicais locais para estruturar a luta em todo o território na maior quantidade possível de setores. (...) É necessário que o movimento se amplifique, se potencialize e se generalize” (www.npa2009.org). Como? Nem uma palavra sobre isso. Estas organizações tentam extremamente não se chocar com a burocracia assinalando o único caminho que pode levar ã vitória, isto é a preparação da greve geral política contra Sarkozy e seu plano, paralisando o país indefinidamente inclusive o setor privado que não vai entrar decisivamente no movimento se não vê uma luta pela que valha a pena lutar.
Para que semelhante perspectiva se concretize deveria se combinar a luta pelo prosseguimento da greve por tempo indeterminado nos setores mais avançados – antes assinalados – com uma exigência clara ás direções sindicais que se mostram opositoras a Sarkozy para que se pronunciem em relação ã necessidade de um movimento duro, a única forma de fazer retroceder o governo, como em 1995 com Juppé e em 2006 com Villepin. Ao mesmo tempo deveria denunciar as artimanhas da burocracia, que consistem em negociar aspectos parciais e postergar o máximo possível o chamado a uma nova paralisação para permitir que passa a reforma. Este não é o caminho que empreendem as duas principais organizações de extrema esquerda francesa.
No entanto há militantes da LO e do NPA, sindicalistas combativos, que estão se comprometendo localmente na construção de coordenadoras, setoriais ou interprofissionais. Ainda são embrionárias, mas servem para juntar forças e avançar a idéia de greve por tempo indeterminado, retomando o exemplo das “interprofissionais” de 95. Em vez de se contentar com invocar a necessidade do “tous ensemble” (todos juntos) sem atuar concretamente nesse sentido, o que significa em última instância fazr seguidismo ã direções sindicais, as direções da extrema esquerda teriam que apoiar com tudo aquelas iniciativas, o que implicaria oferecer uma orientação alternativa ao beco sem saída ao qual pretende nos levar a burocracia sindical. Como partidarios de uma Tendência Revolucionária no NPA, ao contrário, estamos convencidos de que o caminho a seguir é o da construção da greve geral através de por em pé assembléias gerais nos lugares de trabalho e criação de organismos interprofissionais onde é possível para tentar por em xeque a orientação capituladora da burocracia sindical e militamos nesse sentido.
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