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Entre o fantasma de “Lehman” e a negociação
por : Paula Bach

03 Aug 2011 | Quando, em 1937, Roosevelt decidiu retirar as medidas de estímulo estatal da econômica norteamericana, os EUA escorregaram e caíram sentados na mesma desgraçada posição na qual estiveram durante os primeiros anos posteriores ao estouro da crise de 1929.

Quando, em 1937, Roosevelt decidiu retirar as medidas de estímulo estatal da econômica norteamericana, os EUA escorregaram e caíram sentados na mesma desgraçada posição na qual estiveram durante os primeiros anos posteriores ao estouro da crise de 1929. Quando, em setembro de 2008, o governo George Bush decidiu cortar a cadeia de resgastes estatais deixando ã própria sorte o quarto banco de investimento de Wall Street, Lehman Brothers, desatou a conhecida reação em cadeia de todos os mercados financeiros do mundo e a “globalização” da crise econômica. Um destino semelhante está vivendo hoje a economia mundial, porém, desta vez, em dois cenários simultâneos: Estados Unidos e Europa. A poucos dias da cúpula de Bruxelas aprovar um novo resgate – frente aos temores do quase certo não pagamento das dívidas pela Grécia – fracassou o princípio do acordo Democrata-Republicano para aumentar o teto da dívida pública dos EUA, restabelecendo o pânico nos mercados mundiais e os temores de que um novo “Lehman” poderia estar ás portas.

Quando o “impensável” começa a ser pensado

No próximo 2 de agosto vence o prazo para que o Congresso norteamericano autorize o poder executivo a aumentar o tamanho da dívida pública que, com 14,3 trilhões de dólares (100% do PIB), alcançou seu topo. Este trâmite burocrático, que desde a presidência de Reagan tem sido levado ã cabo por diversas vezes, adquire um caráter totalmente distinto no contexto da atual situação econômica mundial. Democratas e Republicanos já acordaram que tal aumento deve ser feito em troca de um corte de gastos do Governo Federal de aproximadamente 3 trilhões de dólares que seriam aplicados nos próximos dez anos e aparentemente Obama já teria renunciado a sua pretensão anterior de aumentar os impostos dos ricos. O ponto pelo qual a negociação rachou é que os republicanos querem aproveitar profundamente a atual debilidade do governo e propõem um plano desenhado em duas fases permitindo um aumento temporário do teto da dívida até o fim do ano, obrigando a uma nova negociação no Congresso durante o ano de 2012. O plano republicano amarra o governo de Obama que deveria optar entre um default técnico a partir da semana que vem ou a reprodução em escala superior da crítica situação atual durante o ano das eleições presidenciais. Porém, o problema central é que – além de ser muito provável que seja selado algum tipo de acordo antes de 2 de agosto – “a imagem dos EUA como o grande chefe da economia mundial já sofreu um dano que será difícil de reparar” (El País, 27/07). E só o fato de imaginar que pela primeira vez na história da dívida norteamericana possa perder a qualificação que lhe assegura aos Títulos do Tesouro um “risco zero”, o fato de que um default nos EUA possa ser pensado, é um duro golpe ã ideia de que a América do Norte pode endividar-se infinitamente imprimindo dólares e títulos de dívida sem nenhuma contrapartida de valor real. É um duro golpe na ideia de que o Estado nortemaericano e sua moeda podem exercer o papel que outrora exercia o ouro. A única “garantia” dos Títulos do Tesouro é a “fortaleza” de sua economia ao menos a “crença” de que esta fortaleza relativa existe. A queda da qualificação de sua dívida indicaria a diminuição dessa confiança pela qual seus bônus perderiam valor aumentando-se os juros. Muitos investidores institucionais estão obrigados a ter entre seus ativos instrumentos com a máxima qualificação e muitas operações financeiras utilizam estes instrumentos como respaldo. Se a qualificação da dívida norteamericana cai, os investidores devem compensar a perda adquirindo outros instrumentos com a máxima qualificação. É provável que o dinheiro para fazê-lo saia da venda de outros instrumentos, tais como ações, os quais impulsionariam fortes quedas nas bolsas. A perda de qualificação induziria muito provavelmente a China (principal detentora de Títulos do Tesouro, ou seja, principal credor da dívida norteamericana) e Japão a se desfazerem de seus ativos em dólares, mas também, os bancos europeus que durante o primeiro trimestre aumentaram sua participação na dívida estadunidense de 479.600 bilhões de dólares para 752.600 – o que representa aumento de 56% (Banco de Pagamentos Internacionais). Tal como apontava um executivo de Barclays Capital: “Dado que a dívida pública dos EUA tenha quase a condição de padrão ouro para o mercado mundial de títulos, [um rebaixamento de sua qualificação] poderia ser como um terremoto” (El Pais, 27/07). Tal situação traria junto o fim da possibilidade do Estado norteamericano de conter a crise econômica através do endividamento do Estado, assim como vem fazendo desde a quebra do Lehman.

Default grego e a cúpula em Bruxelas

Em 21 de julho, a cúpula do Eurogrupo se reuniu na capital belga a fim de definir um novo plano de “resgate” da Grécia e evitar uma interrupção de pagamentos descontrolada que, se deduzidos, provocaria uma reação em cadeia similar ã de “Lehman”. Como resultado da cúpula – de cuja restrita mesa de negociação participou Alemanha, França e o Instituto Internacional de Finanças representando os bancos privados (acredite-se ou não, a Grécia não participou) – na qual tanto Alemanha como o BCE cederam posições, se admitiu pela primeira vez que a Grécia não pode pagar suas dívidas o que significa o reconhecimento de um default parcial, pela primeira vez em décadas, de um país capitalista avançado. O mecanismo de “resgate” recentemente aprovado consiste em outorgar um novo empréstimo de 109 bilhões de euros que só poderá ser utilizado para pagar os vencimentos da dívida. A novidade é que uma parte do montante será fornecido pelos bancos credores que concordaram em aderir a um plano voluntário de troca de títulos com vencimentos até final de 2019 por outros com prazos de até 30 anos. O novo empréstimo contempla um rebaixamento nas taxas de juros e um prazo de vencimento médio de 15 anos. Calcula-se que os bancos credores dariam uns 36 bilhões de euros. O resto do montante seria fornecido pelo FMI, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF), a União Europeia e a própria Grécia que deverá privatizar empresas e outros ativos do Estado (aproximadamente 28 bilhões de euros) além de continuar com o plano de ajuste draconiano em curso, destinado a reduzir o déficit fiscal. Com este mecanismo se reduz a dívida em aproximadamente 21% e se evita que a Grécia tenha que continuar demandando fundos no mercado de capitais. A reestruturação é muito limitada para permitir que a Grécia restabeleça sua capacidade de pagamento, obrigando-a a depender de seus sócios europeus que lhe criam uma espécie de guarda-chuva enquanto garantem a submissão das massas gregas durante pelo menos 30 anos. O plano avança ainda mais na flexibilização das condições de funcionamento do EFSF permitindo que outorgue créditos preventivos a países em problemas (ainda que não tenham sido “resgatados”) e recapitalize seus bancos. Além disso, o habilita (com a autorização do BCE e sob condições de extrema instabilidade) a comprar títulos no mercado secundário de dívidas. Todas essas medidas estão sendo pensadas para “isolar” a Grécia quebrando a linha de contágio e preparando mecanismos de rápida ativação em caso de risco na Espanha e Itália, países nos quais se define o destino do euro. Porém, o aspecto mais débil de todo o plano é que se outorgam novas atribuições ao EFSF sem recapitalizá-lo, o que torna extremamente duvidoso que possa cumprir todas as metas apresentadas.

Negociações frenéticas e manobras excepcionais

Comenta-se que a apenas duas horas de começar a cúpula do Eurogrupo, se deixou vazar um comunicado com as “resoluções finais” para ver como reagiriam os mercados. Como as bolsas não caíram, seguiram adiante e finalizaram a negociação que já estava definida previamente pela França e Alemanha com a aprovação do BCE. Frente aos temores de um cenário pior, a resposta imediata foi uma alta de todas as bolsas. Tudo parecia indicar um cenário de calmaria, mas muito temporário. Contudo, a ruptura do acordo entre Democratas e Republicanos nos EUA deixou bastante tensa a situação e, ainda que o mais provável seja que cheguem a algum tipo de negociação, continua a ameaça sobre a dívida norteamericana, questão que se soma ás debilidades do acordo alcançado pelo Eurogrupo. Ambos os fatos geram um clima que prima as “espremidas” e a negociação com um pano de fundo de alto risco que se utiliza buscando negociar em melhores condições. Tanto EUA como o Eurogrupo estão atuando de maneira extremamente pragmática, encurralados entre o cenário de um novo Lehman e outro que consiste em jogar a crise pra frente e ganhar tempo. O teatro excepcional de manobras, negociações políticas e com os mercados (que só pode desenvolver-se mediante o método de tentativa e erro) mostra que assim como a burguesia aprendeu com os anos 30, também aprendeu com a quebra do Lehman e que em todo caso está tentando que algum tipo de destruição de ativos (necessária) se produza a conta gotas e de forma não explosiva. O cenário de um novo “Lehman” não está descartado num clima de extrema tensão no qual toda a negociação pode fugir do controle. O que é certo é que – além dos tempos e formas exatos com os quais a crise vai se desenvolver (que mesmo sendo mundial está muito distante de ser um processo linear e homogêneo) e muito além dos “bons presságios” dos que se apressam em dar por terminada – nos anos de 2007 e 2008 começou um processo estrutural profundo, o mais grave desde a década de 30, do qual não é possível sair com medidas evolutivas e pacíficas e que vai exigir ataques aos trabalhadores e ás massas populares, luta de classes e conflitos entre e no interior dos Estados, muito mais violentos do que temos visto até agora.


 

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