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Nova marolinha ou a preparação de uma tsunami no Brasil ?
por : Leandro Ventura, Rio de Janeiro

03 Aug 2011 | Os cenários para a economia nacional não podem ser pensados em separado dos cenários mundiais, que ainda não se definem entre uma longa recessão, ou crescimento anêmico, ou se haverá algum crash.

“O Brasil não sairá ileso da crise, mas está melhor preparado do que em 2008” assegura Dilma. Esta certeza que ela procura afirmar cai até como um exagero ás amplas massas de trabalhadores. Educados pelo lulismo e por uma certeza, mentirosa, de que não houve impactos no Brasil, os trabalhadores confiam que tudo seguirá, não só como antes, mas melhorando. Diversos analistas burgueses oscilam entre o otimismo de o “pior já passou”, “os fundamentos são sólidos” e uma perplexidade e horror com as quedas da bolsa. Seu espanto com a Bovespa caindo mais que a bolsa de Atenas lembra um paciente com malária que se assegura que está curado quando passa uma onda da febre mas a febre retorna cada vez mais mortífera para sua perplexidade. Esta é a cara da crise atual em suas flutuações devido ás intervenções estatais que impedem sua “realização natural”, ao transformarem dívida privada em dívida pública no primeiro capítulo e diversas intervenções no último período. Ao contrário da crendice popular difundida por Lula, por diversos meios burgueses e pela burocracia sindical governista, o país está infectado, e prepara-se, para cedo ou tarde impulsionar a crise internacional ou a “somente” colocar-se ao tom da mesma.

As reservas internacionais e a dívida interna são sinais de dependência não de descolamento

Uma das principais “certezas” da solidez nacional propagandeadas pelo governo seriam as reservas e, supostamente, não ter mais dívida externa. A operação interessada de fazer sumir a dívida externa, que é igual a mais de metade das reservas, é feita para ocultar a internalização da dívida brasileira. O que antes era marcadamente uma dívida externa passou a ser dívida interna. Mais de 55% dela é detida por bancos nacionais e estrangeiros, outros 21% por fundos de investimento também nacionais e estrangeiros (dados da Auditoria Cidadã), e ela está dividida de uma forma que a maior parte paga a taxa Selic (38,1%), seguida por uma remuneração mixta (30,9% do total), onde remunera-se com um mixto de Selic, taxas cambiais e taxas de inflação. Ou seja, tanto pelo lado de quem é o dono como pelo lado do que é pago, esta dívida “soberana” é intensamente dependente de fluxo de capitais ao país e sua generosa remuneração com a taxa do banco central (Selic), que se constitui como o juros real (descontando a inflação) mais alto de todo o mundo.

O Brasil paga um juro real mais alto que a Grécia. A dita blindagem brasileira é, na verdade, uma remuneração fantástica que faz estes títulos da dívida terem uma importância mundial não por seu volume mas por sua atratividade e giro constante de mãos. Mesmo sem chegar a níveis de comprometimento do conjunto da economia com a dívida de mais de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) como estão agora os EUA e a Grécia, o Brasil que “só” deve 59% de seu PIB, gasta anualmente 5,7% do PIB em serviços da dívida, a Grécia, quebrada, gasta 5,47%.1.

As contradições da economia brasileira, ou como a prosperidade de hoje prepara as crises

O FMI projeta que este ano o PIB do país crescerá 4,1% sendo puxado pelo consumo interno que expandirá acima do PIB, a taxas de 5,7%. Este fato em si mostra uma tendência a problemas externos pois esta demanda está sendo atendida por importações. A balança de pagamentos somada a conta de serviços (turismo, juros, royalties, etc) puxa o PIB para baixo em -1,4%. A perspectiva de desvalorização de várias moedas por ação de seus governos (como já estão fazendo Suíça e Japão), também empurrará mais produtos para o país. O que tem feito as contas fecharem no positivo, e até aumentar as reservas externas do país, é o fluxo de capitais.

Este fluxo de capitais é movido, entre outras coisas pela taxa de juros, e tem significado nos últimos meses (o que só foi suavemente revertido nas últimas semanas) em uma expressiva valorização do real. A valorização da moeda nacional faz com que cada dólar que fique um tempo no país vire mais dólares quando retirado – por exemplo, um investimento de US$ 100 milhões convertido a R$1,60 gera R$ 160 milhões, se o investimento der retorno zero mas for retirado com o dólar a R$ 1,50, os mesmos R$ 160 milhões equivalerão a US$ 106,666 milhões). Enquanto em diversos países a taxa de juros é zerada para tentar estimular o consumo, o Brasil torna-se vítima de seu próprio sucesso com a valorização da moeda e atraindo mais e mais dólares já atraídos pelos juros.

O que os comentaristas da grande mídia brasileira escondem com as violentas oscilações da Bovespa, é que este capital, em grande parte estrangeiro, que está na bolsa pode rapidamente mudar de mercado e ir para os títulos da dívida do Brasil, dívidas de empresas, renda fixa, outros ativos e vice-versa. A disparidade entre a suave desvalorização do real nos últimos dez dias (1/8 a 10/8) de -3,81% e a aguda desvalorização da Bovespa de -12,57% marca como, mesmo que tenha ocorrido alguma saída de capital do país (puxando o dólar para cima), o ritmo que isto está ocorrendo é muito menor que a queda da bolsa, indicando que muitos capitais tem migrado para a dívida e outros ativos.

A Bovespa tem despencado neste ritmo superior ao dólar porque acompanha não só os ritmos das bolsas mundiais e tem perdido para a dívida mas porque é um índice fortemente marcado por empresas produtoras de commodities como a Petrobrás, Vale, Gerdau, OGX, entre outras. Com as perspectivas de recessão mundial (diminuindo a demanda por insumos) as commodities tendem a se desvalorizar e as empresas produtoras mais ainda. As grandes multinacionais brasileiras conhecidas como “Global Players” mostram neste movimento sua intensa dependência de uma situação específica da economia mundial que se deteriora. Os problemas nas commodities abrem perspectivas de problemas nestas empresas, altamente endividadas com carteiras de crédito para expansões a ritmos chineses2.

Os superávits comerciais minguantes ano a ano com o crescimento das importações se financiam pelo preço do ferro, soja e outras commodities ; ao caírem seus preços, mesmo se as quantidades exportadas permanecerem as mesmas, as divisas obtidas diminuirão. Isto acende outras luzes amarelas na conta corrente do país.

Na indústria, que enfrenta dificuldades de concorrência externa ainda mais com um real valorizado, já começam a aparecer analistas que prevêem um crescimento zero no ano, indicando uma dinâmica recessiva. Os bancos começam a aumentar a previsão de calotes que sofrerão das pessoas físicas (alta de mais de 10% na provisão para calotes) Com perspectivas recessivas o padrão de crescimento do consumo baseado no crédito e os imensos lucros dos bancos estarão questionados.

Distintos cenários para economia nacional mas todos convergem contra os trabalhadores

Os cenários para a economia nacional não podem ser pensados em separado dos cenários mundiais, que ainda não se definem entre uma longa recessão, ou crescimento anêmico, ou se haverá algum crash. Nacionalmente, distintos fatores podem operar, levando a distintos cenários. O melhor cenário é de um impacto recessivo com um acumulo das contradições. Este impacto recessivo pode não significar tecnicamente uma recessão, mas em um país com a população expandindo 1,1% ao ano e novos endividamentos exigindo crescimento mínimo de 2,9% do PIB ano a ano, qualquer número abaixo de 3% resultará em recessão. Os trabalhadores voltarão a ter que se enfrentar com os duros ataques patronais na indústria e nos setores ligados a commodities.

A queda do preço das commodities pode fazer baixar os índices inflacionários até mesmo a tendências deflacionárias (uma vez que muitos produtos operam em preços mundiais, como os derivados de trigo, milho, as carnes, álcool, etc), mas também criará contradições, em médio prazo, nas empresas produtoras de commodities bem como nas obrigações externas do país. Ou seja, um cenário de recessão, deflação e problemas fiscais e da dívida, um cenário “mais europeu” que passaria por uma “doença brasileira”, como um analista argentino chamou. Recessão, desindustrialização e sem desvalorização do real pois seguiriam fluindo intensos fluxos de capital3.

Este cenário acima seria possível desde que a desvalorização das commodities não seja acompanhada de igual ou maior desvalorização do real. Não tem ocorrido até o momento uma aguda desvalorização do real mas não se pode descartar esta “velha tendência” operando seja pelos impactos mundiais ou pela aversão dos investidores aos crescentes riscos que a economia nacional irá demonstrar com seu acumular de contradições. Uma desvalorização do real maior que a queda dos preços das commodities faria explodir a inflação (porque as commodities tem preços em dólar). Isto combinado ao impacto recessivo, seria uma “estagflação”, um cenário conhecido por todo brasileiro nos anos 80. Desvalorizar a moeda significaria abocanhar parte expressiva dos salários e renda dos que vivem do trabalho, favorecendo os capitalistas

Preparar uma vanguarda de trabalhadores e da juventude

Diante da crise capitalista mundial, os trabalhadores devem se preparar para cenários muito mais duros na luta de classes onde as patronais e os governos que já militarizam conflitos como Jirau e atacam o direito de greve como ocorrido agora com os professores em diversos estados quando cresce, e muito, seu bolo, o que farão quando ele diminuir ? O próprio governo, através das declarações do ministro da Fazenda Guido Mantega, fala em cortar gastos sociais (verbas para salários do funcionalismo público, educação, saúde, previdência, moradia etc.) exigindo que “os trabalhadores não podem pedir aumento salarial”. Enquanto o país crescia o governo Lula garantiu fortunas aos capitalistas e migalhas para os trabalhadores e o povo pobre. Agora o governo Dilma anuncia que não romperá sua aliança carnal com os grandes capitalistas e continuará defendendo os lucros, mesmo que aos custos do orçamento (vide programa Brasil Maior). Isto significa fazer os trabalhadores e o povo pobre pagarem a crise com demissões, fechamentos de empresas, cortes salariais, de direitos e de serviços sociais (já degradados). A crise arrancará as máscaras do governo, dos seus partidos – PT, PCdoB, PMDB etc. – e da burocracia sindical governista e patronal – CUT, Força Sindical, CTB, CGTB etc. – mostrando nitidamente que são parte do “partido dos exploradores”, constituindo-se num obstáculo que os trabalhadores e o povo pobre deverão enfrentar e derrotar para não pagar com sacrifícios sociais inimagináveis.

A batalha hoje é formar uma vanguarda de trabalhadores que compreendam esta situação e se preparem em programa, estratégia e moral. A esquerda anti-governista e as centrais que influenciam, a CSP-Conlutas, as Intersindicais, não podem continuar perdendo tempo nesta preparação. É preciso colocar de pé a coordenação das lutas em curso, como ainda é possível fazer na educação em alguns estados, campanhas salariais unificadas neste segundo semestre, e preparar um plano de guerra para impedir que sejam os trabalhadores, o povo e a juventude que paguem pela crise. É preciso lutar pelos reajustes salariais, contra o corte de verbas sociais, contra as demissões, pela ocupação e controle da produção pelos operários nas fábricas que demitirem ou ameaçarem demitir, por impostos fortemente progressivos contra os especuladores e capitalistas.

11/08/2011


1- Dados extraídos de relatório do FMI, disponível em : http://www.imf.org/external/np/sec/pn/2011/pn11108.htm

2- Vide o papel da Petrobrás no PAC, obras da Vale, concentração e fusões internacionais das empresas brasileiras de alimentação e carnes, das empresas do império “X” de Eike Batista, entre outras.

3-http://www.pagina12.com.ar/diario/economia/2-173900-2011-08-06.html

 

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