Quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Algumas matérias dos jornais e comentários jornalísticos nos rádios e na televisão reduziram a explicação do resultado eleitoral alcançado pela Frente de Esquerda ã campanha lançada por Jorge Rial e Gustavo Sylvestre pelo twitter, na qual chamaram de “um milagre para Altamira”. Algo similar disse também Pino Solanas, quando depois dos magros resultados do Proyecto Sur acusou Rial em seu programa de prejudicá-lo. Esta “explicação” de nosso resultado é completamente superficial e politicamente interessada.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que as forças que conformaram a FIT já tinham um peso eleitoral relativamente importante nas eleições anteriores. Por exemplo, nas eleições de 2009, a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, Anticapitalista e Socialista (que foi integrada pelo PTS, Izquierda Socialista e o Nuevo MAS) teve ao redor de 180 mil votos e o PO, 220 mil. Ainda que tenhamos somado 400 mil votos, o fato de nos apresentarmos separadamente debilitou o impacto político do resultado obtido, assim como a possibilidade de obter cargos legislativos. Hoje, quando superamos estas cifras e obtivemos 520 mil votos e uma importante vitória política derrotando a proscrição na fórmula presidencial e na maioria dos distritos onde nos apresentamos, vemos o quão correta foi a política de conformar frentes unificadas de intervenção no terreno eleitoral, levada ã frente pelas forças daqueles que nos reivindicamos da esquerda operária e socialista, uma política que em maior ou menor grau nosso partido vem implementando desde 2005 (nesse ano, nos apresentamos com o MAS e em 2007 e em 2009 com a Izquierda Socialista e o MAS), ã qual agora se somaram os companheiros do Partido Obrero.
Em segundo lugar, em relação ã campanha de Sylvestre e de Rial, que, ainda que tenha tido “repercussão mediática”, é difícil de medir a proporção de sua influência real no voto, pois foi lançada apenas dez dias antes da eleição, quando a frente há meses realizava uma grande campanha militante e quando já fazia quase 20 dias que, pelo rádio e TV, se escutavam e se viam os spots da FIT nos espaços gratuitos. Na realidade, foi uma expressão parcial da grande repercussão que o apelo político central da campanha tinha conseguido : a denúncia de que nos exigiam 400 mil votos para nos apresentarmos em outubro, articulando isto com os pontos programáticos que destacamos para a agitação. Uma denúncia que fizemos de forma criativa, com a destacada participação na produção audiovisual dos companheiros e companheiras do Contraimagen (PTS) e do Ojo Obrero (PO), a ponto de que nossos spots foram os mais lembrados, apesar de sermos uma das forças políticas que contou com o menor espaço (o tempo gratuito de rádio e televisão se repartia metade de forma igualitária e metade em base aos votos obtidos na eleição anterior ; o Proyecto Sur, por exemplo, teve muito mais espaço que nós). Os artigos mais sérios de análise da campanha eleitoral nas primárias deviam levar isto em consideração, que também se destaca por numerosos jornalistas que não se contentaram com a explicação da campanha “milagrosa”. Todos nós que militamos pela campanha da frente estamos com referências positivas pelos nossos spots, com comentários de que iam votar em nós aqueles que antes não o tinham feito, devido ao fato de que era “uma injustiça” o piso eleitoral que se exigia. Pessoalmente, recebi comentários deste tipo em várias ocasiões durante as numerosas viagens da campanha realizadas. Inclusive, muitos jornalistas expressaram publicamente que iam votar na Frente devido ã campanha realizada, pela justeza de nossa denúncia contra o piso proscritivo.
Em terceiro lugar, esta visão oculta que a FIT já havia alcançado importantes resultados eleitorais nas eleições provinciais de Neuquén e Córdoba sem campanha de “milagre” algum, ás quais nos permitiram obter um cargo em cada legislatura e mostraram um respaldo a nossas candidaturas dos setores politicamente mais avançados dos trabalhadores e da juventude.
A que serve a ideia de “milagre” ?
Para muitos meios de comunicação, a imagem de que ocorreu um “milagre” na eleição da FIT graças ã campanha de Rial e de Sylvestre é atrativa. Diante de toda a campanha, lhes permite diluir o conteúdo de luta que teve nossa campanha contra o caráter proscritivo do piso eleitoral, algo que não fez nenhuma outra força política, nem sequer as que estavam em perigo de não ultrapassar o piso, como foi o caso do Proyecto Sur, no que diz respeito a sua fórmula presidencial e ã maioria dos distritos nos quais se apresentou. Nisto, a Frente de Esquerda teve o mérito de por sobre seus ombros a luta contra o cerceamento de direitos democráticos, neste caso de não ter que passar pelo “filtro” do piso de votos nas primárias. Mostrou-se novamente que os revolucionários somos os únicos que enfrentamos consequentemente todo ataque antidemocrático do regime. Algo que, por outro lado, vamos continuar fazendo, já que a cláusula proscritiva segue de pé.
No domingo prévio ã eleição, o periodista do Página 12 Mario Wainfeld, ao reconhecer o impacto de nossa campanha, separava seu aspecto democrático de nossa perspectiva revolucionária : “A campanha da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, que impulsiona a fórmula Jorge Altamira-Christian Castillo, se centrou em colocar para o votante a necessidade de conseguir superar o piso de adesões exigido pela lei eleitoral. Trata-se de um e meio por cento dos votos válidos emitidos em cada distrito no qual se participa (…) A franqueza da publicidade da esquerda e a clareza (democrática, mais que revolucionária) de sua consigna e a grande difusão que tiveram tornou seu desempenho um eixo a mais” (“Dia de estreia”, Página 12, 14-08-2011). O certo é que, se um mérito tivemos, foi articular a justa batalha democrática que exige o piso eleitoral não só com alguns dos pontos programáticos da frente (como pode se ver nos distintos spots) mas também com a denúncia mais geral do regime político existente. Para nós, as demandas democráticas que “mantêm força vital” (junto ás consignas mínimas – reivindicativas – e transicionais) são parte integrante de nosso programa transicional, que busca desenvolver a mobilização das massas para que estas cheguem ã necessidade de que a saída é a conquista do poder pela classe trabalhadora.
A explicação do “milagre”, além disso, evita dizer que o resultado eleitoral expressou uma parte do peso militante real e o papel na luta de classes que vem cumprindo a esquerda operária e socialista no período kirchnerista, como em Zanon, Kraft, metrô, ferroviários, as lutas do movimento estudantil, pela aparição com vida de López e o castigo aos repressores ou pelo direito ao aborto legal e gratuito. Não recebemos um voto democrático que poderia ter sido dado a qualquer outra força, mas um voto em defesa de que a esquerda possa agitar seu programa anticapitalista, expressão do respeito ganho em amplos setores da população trabalhadora, da juventude, da intelectualidade. Nossa campanha teve efeito porque mostrou a um setor que se considera de esquerda ou nos respeita pelo lugar que conquistamos com nossa intervenção em distintas lutas e no debate político nacional. Nem milagre, nem voto “lástima”, o importante apoio eleitoral alcançado pela Frente de Esquerda é o resultado de uma grande campanha militante com apelo ás massas, realizada com grande criatividade política, que soube acertar na batalha política que estava colocada nestas “primárias”. A conquista alcançada deve servir para continuar na eleição de outubro com o objetivo de que a esquerda que se reivindica operária e socialista avance como referência política de oposição desde posições de independência de classe e socialistas ao governo nacional e a todas as forças políticas patronais, incluindo suas variantes centro-esquerdistas, e para desenvolver a força militante dos revolucionários na classe operária e na juventude.
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