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A OTAN busca assegurar-se do controle da Líbia
por : Claudia Cinatti

26 Aug 2011 | Depois de cinco meses de bombardeios da OTAN em que a situação parecia estar em meio a um pântano o regime de Kadafi se desmoronou.

Depois de cinco meses de bombardeios da OTAN em que a situação parecia estar em meio a um pântano o regime de Kadafi se desmoronou. No fechamento deste artigo se desconhecia o paradeiro do ex-ditador líbio e continuavam combates isolados entre forças leais ao regime kadafista e as milícias do chamado bando “rebelde”. Embora tudo indicaria que Trípoli, a capital e centro do poder, está sobre controle do Conselho Nacional de Transição, ainda não está claro que governo substituirá Kadafi e a situação segue sendo volátil.

Distante de representar uma resistência ao imperialismo, Kadafi havia passado a colaborar com Estados Unidos e outras potências na “guerra contra o terrorismo” e até o último momento se postulava como quem podia manter a ordem a favor do imperialismo, ou prestar serviços como deter a imigração africana para os países da União Européia. Embora as imagens da televisão mostrem milícias locais em lugar de soldados norte-americanos ingressando no complexo de Bab al Aziziya e derrubando as estatuas de Kadafi, as forças “rebeldes” que tomaram Trípoli atuaram como “tropa terrestre” dos bombardeios da OTAN, com uma direção completamente colaboracionista com as grandes potências. Como informa o diário Washington Post, a ofensiva sobre a capital foi decidida por forças especiais britânicas, francesas e qataríes que vêm atuando no território, com a colaboração da inteligência norte-americana que sobre ordens de Obama havia intensificado suas tarefas de espionagem e vigilà¢ncia sobre o bando kadafista e incrementado os bombardeios com aviões não tripulados. Este operativo é a conclusão lógica da colaboração entre o CNT e a OTAN desde que se iniciou a operação “Odisséia ao amanhecer” no 19 de março passado.

Além de proteger seus interesses e reafirmar seu papel geopolítico com o surgimento de um governo fantoche na região, os governos imperialistas se preparam para manterem-se com o grosso do saque garantindo-lhes a suas corporações melhores negócios que os que faziam com Kadafi e o aceso privilegiado as reservas petroleiras da Libia, as mais importantes do continente africano. Nesta luta também existem ganhadores e perdedores. Em uma entrevista reproduzida em vários meios, o porta-voz da Agoco a companhia petroleira criada agora pelos “rebeldes” com apoio da OTAN, anunciou que o futuro governo reformulará os contratos para beneficiar as companhias petroleiras das potências ocidentais que participaram na intervenção militar –principalmente a ENI italiana, a Total francesa e BP britânica as que se somou a norte-americana Marathon Oil Corp - em detrimento de empresas brasileiras, chinesas e russas, enquanto que Alemanha, que se negou a participar da missão e por tanto ficou em desvantagem, está tratando de negociar seu futuro posicionamento.

O imperialismo busca evitar um “cenário Iraque”

Passado o triunfalismo inicial, expressado nos falsos anúncios dos “rebeldes” da captura de dois dos filhos de Kadafi, o cenário aberto é incerto e ainda está por ver-se se a direção de Bengasi, já reconhecida pelas potências imperialistas como governo legítimo, será aceita como representante nacional ou se ao desaparecer o objetivo que mantinha unificada a oposição primará o enfrentamento entre tribos, comunidades religiosas, ex-integrantes do regime kadafista e grupos com interesses diversos, o que poderia abrir uma dinâmica de guerra civil similar a que ocorreu no Iraque após a caída de Saddam Hussein.

Mesmo depois de consolidar-se a direção pró-imperialista de Bengasi que descartou os setores mais radicais, sobretudo juvenis, que haviam surgido durante o levantamento espontâneo, as divisões dentro do CNT, entre o leste e a região ocidental do país e entre diversas figuras políticas da oposição já eram evidentes.

Segundo um artigo do diário Washington Post, “os rebeldes das montanhas ocidentais que atacaram Trípoli no domingo a noite (21 de agosto NdoR) olham com desconfiança ao Conselho Nacional de Transição. Muitos queixam-se de que a direção nacional não lhes dá o apoio suficiente, mesmo depois de que os governos ocidentais começaram a permitir-lhes o acesso aos bens congelados do governo de Kadafi” (Washington Post 22-8). Talvez o exemplo mais alarmante deste fracionamento foi o assassinato, em fins de julho, do chefe militar rebelde que em fevereiro havia desertado do regime, o general Abdul Fattah Younes, cometido por milícias rivais que causou uma crise importante no interior do CNT. A política imperialista é tratar de criar um governo provisório baseado no CNT mas que permita incorporar os funcionários estatais do regime kadafista e preservar as forças armadas e de segurança, isto é, o contrario a política de “desbaathificação” (liquidação do partido oficial Baas, do exército e da polícia de Hussein) aplicada no Iraque que terminou alimentando a insurgência sunita contra as tropas norte-americanas. Mas ainda não está claro que esta saída será aceita ou que pode neutralizar eventuais lutas por a nova distribuição de poder estatal e econômico, por isso alguns analistas e inclusive funcionários do Departamento de Estado e o Pentágono não descartam a necessidade de algum tipo de presença de tropas –quer sob o mandato da ONU, da OTAN ou com a tutela de organizações regionais.

Triunfo das massas da mãos da OTAN ?

Enquanto que o presidente Chávez seguiu defendendo o ditador Kadafi, pretendendo apresentar-se como um “anti-imperialista” nada menos a quem foi amigo de Bush e Berlusconi e garantiu os negócios das principais corporações petroleiras, várias organizações de esquerda saíram a saudar o fim do regime de Kadafi como um “triunfo revolucionário”. Uma posição desta sustentam os companheiros da Izquierda Socialista, com quem já havíamos discutido sua consigna de “armas para os rebeldes” depois que a direção do CNT pedira abertamente a intervenção da OTAN, o que de fato liquidou todo setor progressivo independente da ditadura kadafista e das potências imperialistas.

Em um comunicado os companheiros afirmam que “a iminente queda da ditadura de Kadafi é uma vitória do povo líbio, que vem combatendo desde fevereiro frente a selvagem repressão do ditador. É parte do processo revolucionário que iniciaram os povos da Tunísia e Egito derrubando seus ditadores” e mais adiante afirmam que “Não se trata de um triunfo da OTAN como pretendem atribuírem-se Obama e o imperialismo europeu. Eles só realizaram bombardeios limitados para tratar de impedir um triunfo da milícia popular e buscar uma saída negociada que lhes permita defender seus negócios petroleiros”.

A LIT (corrente na qual a principal organização é o PSTU do Brasil) vai muito mais além e em sua declaração sustenta que estamos ante “uma tremenda vitória política e militar do povo líbio e de todo o processo revolucionário que sacode o mundo árabe”, que “evoca as mais grandiosas vitórias que há protagonizado nossa classe” (sic).

Porém os fatos parecem desmentir estas posições

Indiscutivelmente, o ódio frente a ditadura de Kadafi e seu sistema de regalias surgidas do controle estatal da importante receita petroleira motorizou o levantamento popular de fevereiro em Bengasi e outras cidades, como parte da “primavera árabe”. No entanto, a diferença da Tunísia ou Egito, a caída de Kadafi nas condições que se produziu não é a primeira conquista de um processo revolucionário, mas um triunfo da política das potências imperialistas –em particular Estados Unidos, França e Grã-Bretanha– que com a desculpa “humanitária” de “proteger os civis” levaram adiante uma intervenção militar para garantir que surja um governo ainda mais pró-imperialista que o de Kadafi e se re-legitimarem utilizando-se do bando “rebelde” para poder intervir e frear os processos abertos pela primavera árabe. Como disse sem eufemismos R. Haass, um ex-assessor de Bush partidário de enviar tropas terrestres a Líbia para manter a ordem, “os 7.000 vôos dos aviões da OTAN cumpriram um papel central na vitória rebelde. A intervenção ‘humanitária’ para salvar vidas supostamente ameaçadas, foi na verdade uma intervenção política para alcançar uma mudança de regime. Agora a OTAN têm que manejar seu próprio triunfo.” (Financial Times 22-8-11).

A esta altura dos acontecimentos, com as grandes experiências que passou o movimento operário durante o século XX, sem ir mais longe com o resultado dos levantamentos de 1989-90 contra os regimes estalinistas que terminaram com direções que levaram a restauração capitalista, os companheiros da LIT, da IS e de organizações que sustentam posições similares, deveriam ter sacado a conclusão de que não necessariamente a derrota de um governo reacionário ou a caída de uma ditadura significa um avanço da revolução operária e socialista. No caso da Líbia não dar nenhuma relevância ao fato de que a OTAN tenha sido um ator fundamental nas ações que levaram a caída de Kadafi é duplamente perigoso, porque alimenta ilusões que os inimigos dos povos oprimidos podem atuar a favor de seus interesses, reforçando os limites que até agora vem tendo os levantamentos árabes que apesar de enfrentar ditaduras aliadas do imperialismo não tomaram um caráter conscientemente anti-imperialista, o que em última instância facilita as políticas reacionárias de desvios ou “transições democráticas”. Havia uma possibilidade de que o levantamento popular iniciado em Bengasi se estendesse e derrubasse a ditadura de Kadafi, mas essa possibilidade foi abortada entre a guerra civil do regime e a intervenção imperialista com a colaboração da direção do CNT. As contradições que se abrirão nesta nova etapa em que as aspirações de mudança das amplas massas se chocarão com um governo que aprofundará as condições de submissão do país ao imperialismo e as tentativas de restabelecer a ordem, provavelmente criarão as condições para o ressurgimento de setores que se coloquem a necessidade de enfrentar o novo governo fantoche e de expulsar o imperialismo. Os marxistas sabemos que só a intervenção destas forças sociais e políticas independentes, junto com o despertar revolucionário da classe operária e da juventude que nos diversos países do Norte de África vêm protagonizando a “primavera árabe”, abrirão o caminho ã revolução.

26-08-2011

 

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