“O período que temos ã nossa frente não é o de crescimento da falsa neutralidade dos sindicatos, mas da reafirmação das posições comunistas no movimento operário.”1
Os quase dois anos de governo burguês de Lula-Alencar deram início a um inci-piente, mas rico processo de experiência do movimento de massas e do movimento operário com as direções do PT e da CUT.
A CUT, a maior central sindical do país, com seus mais de 3.000 sindicatos que representam cerca de 22 milhões de trabalhadores, se transformou numa central sin-dical atrelada ao governo. Esse oficialismo se materializa no apoio direto ao governo e ã sua política antioperária e antipopular - reformas “neoliberais”, arrocho salarial, superexploração etc.
O processo de experiência com essas direções burocráticas e traidoras pode-se dizer que começou em meados de 2003 com a massiva greve dos servidores públicos contra a reforma da previdência, cuja aprovação Lula não vacilou em impor no Con-gresso com o apoio declarado da direção da CUT, enfrentando-se com centenas de milhares da sua própria base social. Desde então, vivemos o incipiente processo de ruptura de amplos setores da vanguarda e de trabalhadores com essas direções con-ciliadoras, o qual tem se expressado ainda no nível sindical. As direções históricas do PT e da CUT ainda conservam o controle e a autoridade sobre milhões de traba-lhadores que mantêm a confiança nesses dirigentes. A confiança dessa grande maioria de trabalhadores precisa ser conquistada para minar a força dessa burocracia sindical, reconquistar os sindicatos para as mãos dos trabalhadores e dar os passos necessários para a unidade da maioria da classe trabalhadora.
A ruptura com essas direções burocráticas seguirá um curso febril e tortuoso. Entre a extinção das ilusões que as massas têm nessas direções e o salto para uma consciência de confiança em suas próprias forças e da superação das traições das di-reções, viveremos fases múltiplas, pois este processo está em seu início e nem sequer conheceu até o momento a palavra dos grandes e concentrados setores da classe trabalhadora. A recente greve dos bancários, de 30 dias, foi apenas uma pequena de-monstração da potencialidade desses setores no combate contra a burocracia sindical da CUT, e do desgaste da confiança no governo e no PT.
Este artigo, em seus limites, pretende discutir essas potencialidades e limitações na busca de contribuir com formulações para uma política justa, combativa, antiburo-crática e classista que permita aos milhões de trabalhadores avançar progressiva-mente para romper com as tradicionais direções burocráticas do PT e da CUT e a es-tratégia de conciliação de classes que impuseram nestas duas décadas. Para isso, confrontaremos as posições políticas das principais correntes que cumprem um papel dirigente e se apresentam como alternativa ã burocracia sindical nesse processo de ruptura e recomposição. Como principal delas, temos o PSTU que está ã frente da Conlutas e tem como política central que os sindicatos saiam da CUT e “construam uma alternativa”, que poderá ser uma nova central sindical. O PSOL, composto por correntes como CST, MES e MTL, no início se alinhava com a esquerda petista de-fendendo fortalecer a CUT. No entanto, diversos sindicatos que dirige estão em pro-cesso de discussão para se desfiliar da central.2
As primeiras formações do processo inicial de ruptura com as direções da CUT e do PT
Derrotada a greve dos servidores públicos e imposta a reforma da previdência, evidenciou-se o papel governista da direção majoritária da CUT - PT e PCdoB - e se desmascarou a política do governo Lula-Alencar e a firme resolução do PT e seus aliados burgueses em levar adiante a submissão ao imperialismo e a aplicação das medidas antipopulares e antioperárias, chamadas “neoliberais”, necessárias para a nova acumulação capitalista.
O atrelamento da CUT com a política oficial do governo e a necessidade de re-sistência contra os ataques capitalistas aplicados pelo PT deram as bases para as pri-meiras reconfigurações no interior dos sindicatos filiados ã CUT e das correntes polí-ticas que se declaram opositoras ás medidas “neoliberais” do governo. Inicialmente, viu-se um bloco unitário que abarcava desde o PSTU, passando pelo PSOL e incluindo as correntes da esquerda petista, apesar da contradição dessas correntes estarem di-retamente ligadas ao governo e mantendo cargos e ministérios.
Em abril de 2004, em Goiânia, cerca de 300 sindicatos reuniram quase 1.800 sin-dicalistas e ativistas num Encontro Nacional para organizar a “resistência” contra as reformas, dando início ã discussão sobre as alternativas para enfrentar o atrelamento da direção da CUT ao governo.
De um lado, setores afirmavam que “a CUT está morta” e que o caminho é a des-filiação dos sindicatos para formar uma “alternativa”. Esta é a política hegemonizada pelo PSTU. De outro lado, a esquerda petista - APS [ex-Força Socialista], Fórum do Interior e O Trabalho - junto com o PSOL se posicionavam contrários a que os sindi-catos se desfiliassem da CUT, pois esta é “uma conquista histórica” que deve ser for-talecida. Desde o princípio, a questão de “ficar” ou “sair” da CUT dividiu águas. O que unia a todos era essencialmente a resistência contra a reforma sindical, princi-palmente, que ataca diretamente os sindicatos e os submete totalmente ao comando das direções das centrais sindicais.
Destes dois setores resultou a criação da “Conlutas” - PSTU e aliados - e do “Fortalecer a CUT” - esquerda petista e PSOL. Este último bloco, em agosto, rom-peu e, com a saída da corrente petista O Trabalho, se constitui com as demais como “Fortalecer a Luta”.
Apesar de concordarem na resistência ás reformas, essas correntes políticas não foram capazes de manter a unidade. A marcha a Brasília que havia sido aprovada conjuntamente para o dia 16 de junho contra as reformas reuniu cerca de 15 mil mani-festantes, mas contou apenas com os setores ligados ao PSTU e seus aliados, com o boicote da esquerda petista e do PSOL. Com o sucesso da marcha, o PSTU lança-se na criação da Conlutas - Coordenação Nacional de Lutas - com algumas dezenas de sindicatos.
As principais correntes que compõem o PSOL passam a defender a desfiliação dos sindicatos e a discussão de compor ou não a Conlutas. O Andes - sindicato na-cional dos professores universitários -, dirigido pelo PSOL, começa o movimento pela desfiliação.
A Conlutas deve se formar como um Pólo Antiburocrático nacional
Hoje a Conlutas é um movimento progressivo que reúne dezenas de sindicatos em torno essencialmente da resistência ás reformas sindical e trabalhista. Espera-se que em janeiro do próximo ano reúna 600 mil trabalhadores organizados em algo co-mo 150 sindicatos. O processo inicial que configura a Conlutas ainda é minoritário, sendo a base para chegar a se constituir como uma verdadeira alternativa combativa e classista que seja capaz de se voltar para atrair os milhões de trabalhadores que ainda estão sob a influência da burocracia da CUT [e das demais centrais], expulsando dos sindicatos esses burocratas para que essas organizações sejam tranformadas em instrumentos antiburocráticos e antigovernamentais que unifique e coordene as lutas e os trabalhadores contra as traições da direção da CUT e do PT.
A Conlutas pode se tornar um Pólo Antiburocrático nacional que apareça como uma real alternativa contra as reformas, contra a superexploração e pela unidade da classe trabalhadora, com um programa que atenda aos seus interesses e ataque os lucros capitalistas e a política pró-imperialista do governo Lula, do PT e da CUT.
Um programa para unir e coordenar empregados e desempregados contra as re-formas e em defesa de emprego e salário para todos; por nenhuma demissão mais; que defenda que toda empresa que feche ou ameace demitir seja ocupada pelos tra-balhadores e colocada para produzir sob controle operário e a favor de um plano na-cional de obras públicas; pela divisão das horas de trabalho entre os trabalhadores empregados e desempregados para reduzir a jornada ao máximo necessário para ga-rantir emprego para todos; trabalhar menos para trabalhar todos; seguro desemprego sem limite; nenhuma redução do salário; aumento salarial mensal de acordo com o ín-dice do custo de vida.
Os sindicatos contrários ã política do governo burguês de Lula apoiada pela CUT, que compõem a Conlutas, devem se voltar para as bases dos sindicatos cutistas para convencê-los de que é imprescindível exigir que a direção burocrática da CUT rompa com o governo e sua política antioperária e antipopular, e assuma um programa em defesa dos interesses dos trabalhadores. Nesse caminho, a Conlutas tornar-se-á uma alternativa real, apoiando e coordenando ativamente as lutas para ligar-se aos milhões de trabalhadores para que esses compreendam a necessidade de expulsar as direções burocráticas dos sindicatos, e de que suas organizações sejam revolucionadas para voltar ás mãos dos trabalhadores e acabar com o controle e o domínio da buro-cracia que utiliza os sindicatos para atender aos seus interesses políticos e materiais, dividindo os trabalhadores e aliando-se aos capitalistas e ao governo.
A Conlutas, para aparecer como um pólo antiburocrático, antigovernamental e combativo, que seja atrativo para milhões de trabalhadores que não têm espaço nem poder em seus sindicatos controlados pelas burocracias, deve tomar como um prin-cípio básico inegociável a defesa da máxima democracia direta dos próprios traba-lhadores. Eles devem tomar os sindicatos em suas mãos, os burocratas devem ser varridos, as bases precisam encontrar em suas organizações o lugar onde discutem e decidem os rumos das suas vidas.
Não podemos mais aceitar que os dirigentes encastelados nas direções sindicais definam as táticas, os programas e as estratégias “em nome” da classe trabalhadora. Delegados e representantes, com mandatos revogáveis, devem ser eleitos pelos tra-balhadores em seus sindicatos para dirigir a Conlutas e garantir que os interesses das bases determinem a condução contra os interesses dos dirigentes e a herança cutista do “consenso das correntes”.
Elementos de um balanço necessário sobre a trajetória da CUT
Ao discutir uma política sindical revolucionária capaz de permitir ã classe tra-balhadora elevar-se ao papel dirigente dos interesses do conjunto da nação oprimida contra o imperialismo e a burguesia nacional, faz-se importante saldar contas com a trajetória da CUT nesses 21 anos, desmascarando o reformismo dessa burocracia que controla a principal central sindical do país.
A direção burocrática da CUT, desde os anos 80, é conhecida como “de esquerda, combativa e classista”. Durante duas décadas o movimento operário brasileiro se formou com a falsa consciência de que esses dirigentes sindicais eram combativos, isto é, defensores intransigentes dos interesses dos trabalhadores e das massas contra o capitalismo.
Essa falsa consciência foi criada e recriada por intelectuais e jornalistas, com a contribuição das correntes políticas de esquerda, como o PSTU (ex-CS), as que com-põem o PSOL e outras menores, que passaram todos esses longos anos reproduzindo que a direção da CUT representava uma “nova direção” distinta dos velhos pelegos, capaz de hegemonizar uma central sindical com um programa “socialista, democrático, combativo, classista e internacionalista”.
Para enfeitar a burocracia sindical da CUT com tantos adjetivos, as correntes que se reivindicam trotskistas, como o PSTU, a CST e o MES, simplesmente abando-navam o que dizia Trotsky sobre os sindicatos e a burocracia sindical na época de decadência capitalista:
o capitalismo só pode continuar mantendo-se se diminui o nível de vida da classe operária. Nestas condições, os sindicatos podem transformar-se em or-ganizações revolucionárias ou em correias de transmissão do capital que inten-sificam a exploração dos trabalhadores. A burocracia sindical, que resolveu sa-tisfatoriamente seu próprio problema social, tomou o segundo caminho3.
Essa definição de Trotsky é exemplar para compreender a origem da capitulação dessas correntes diante do papel contra-revolucionário e pró-capitalista da burocracia da CUT. Ao negarem o caráter burocrático da direção da CUT, essas correntes contri-buíam efetivamente para a criação de uma falsa consciência na vanguarda e entre mi-lhões de trabalhadores sobre o papel da burocracia da CUT. Para ganhar autoridade essa burocracia necessitava mascarar seu caráter reformista, conciliador e pró-capitalista, seu papel de “correia de transmissão do capital”.
Ao contrário do que a maioria dos intelectuais, das correntes políticas e da im-prensa “criou”, as direções do PT e da CUT sempre atuaram como defensoras da de-mocracia dos ricos e não por uma transformação socialista. Por isso, não deixaram de negociar a transição com o regime militar em troca da “redemocratização” do país, desviando o grande ascenso operário e popular do final dos anos 70 e início dos anos 80. O projeto dessa burocracia nunca foi de independência de classe, o que sig-fniicaria independência perante o Estado burguês. Sua estratégia era a reforma do Estado burguês e a consolidação do regime democrático, como nem os intelectuais defensores dessa burocracia podem escamotear: “A CUT tem que entrar no debate do papel do Estado no Brasil. E ter uma política para o Estado”4.
Para a burocracia tratava-se de pactuar e negociar a “discussão das políticas sociais, ‘com os partidos, com as centrais sindicais, com toda a sociedade’”, e “com todo esse projeto abrangente, a CUT deveria tentar trabalhar com os partidos políticos, sem escolher nenhum”5. Como se vê, o propósito hegemônico da direção da CUT sempre foi conciliar com “todos os partidos” um programa burguês-capitalista que deveria, em troca, garantir algumas migalhas para as massas na rubrica das “políticas sociais”. E foi assim, desde o início da década de 90, que a direção da CUT passou a defender as reformas “neoliberais”. Exatamente como a realidade atual em que a CUT apóia as mesmas reformas do governo capitalista de Lula e do PT com o argumento de que deve aplicar o programa que construiu, um programa que era de oposição ao “modelo econômico de FHC/FMI” e propunha “outro modelo”, nos marcos da defesa do capitalismo e da democracia dos ricos.
Logo que o governo Collor assumiu em 1990, Jair Meneguelli, presidente da CUT, sentou-se para discutir o “entendimento nacional” (pacto), desmarcando a gre-ve geral de junho e desarmando o movimento operário. Deu início aos pactos das câ-maras setoriais, abrindo as portas para intensificar a exploração dos trabalhadores pela via dos acordos de banco de horas, congelamentos salariais, aceitação de demis-sões para elevar a produtividade, defesa de isenções de impostos para a patronal e a conseqüente majoração das margens de lucro etc. A CUT foi peça fundamental para impedir que se convocassem ações combativas e uma greve geral para que o movi-mento operário entrasse em cena e transformasse o movimento pelo Fora Collor nu-ma ação independente dirigida pela classe operária em aliança com os estudantes e a classe média para levar ã derrubada revolucionária do governo. Em 1992, Vicentinho, então presidente da CUT, declarava que “temia falar em pacto... Mas acho que sem um acordo entre os empresários e os trabalhadores, em que a participação do governo seja mínima, o Brasil não conseguirá ir para a frente”6. Durante o governo FHC, a CUT selou pactos traidores como a reforma da previdência, onde Vicentinho e Luiz Antonio Medeiros da Força Sindical (dois burocratas em ação conjunta) negociaram o fim da aposentadoria por tempo de serviço. E essa escandalosa traição da direção da CUT nunca foi denunciada com firmeza pelo PSTU e a esquerda.
Ainda que pequena, a esquerda conquistou influência e autoridade entre amplos setores da vanguarda e dos trabalhadores. Em 1988, por exemplo, a Convergência Socialista (hoje PSTU) detinha 16% dos votos no III Congresso da CUT que reuniu 6.218 delegados e dirigia grandes e importantes sindicatos operários, como metalúr-gicos de Belo Horizonte e São José dos Campos, bancários do Rio de Janeiro e de Porto Alegre etc. No IV Congresso (1991), já sem uma grande participação das bases, a direção majoritária da CUT [Articulação Sindica] perdeu (48%) para a oposição, que somou 52%, sendo que a CS, sozinha, teve 6,3%. Esse Congresso condenou a participação da direção da CUT no pacto social com o governo Collor (1990) e criticou a criação das primeiras câmaras setoriais com a patronal das montadoras. O IV Congresso foi marcado por uma renhida luta entre as correntes que resultou em pancadaria e vários feridos.
Ao ser derrotada a Articulação passou a pressionar as correntes de oposição aos gritos de “racha, racha, vai para a Força Sindical”, acreditando na sua autoridade para preservar o controle da CUT mesmo em minoria. De fato, a Articulação conhecia suas forças e tinha certeza da impotência da esquerda que não teria coragem de rom-per. Desta forma, a oposição “venceu, mas não levou” e a burocracia continuou diri-gindo a Central até hoje para impor a sua estratégia de seguir com pactos e acordos com a patronal para vender as conquistas dos trabalhadores.
Duas semanas depois do IV Congresso, na primeira reunião da executiva eleita, já se pode conhecer a prova cabal do grau de oportunismo das correntes que criti-cavam a direção da CUT, mas no final das contas fechavam todos os acordos e pac-tos possíveis para defender “a unidade da CUT”, preservando o poder e o controle da burocracia sobre os sindicatos, em troca de manter um equilíbrio relativo entre as principais correntes. Celebra-se um documento de “consenso das correntes” - Bases para um compromisso - que afirma que “um balanço geral do IV Concut indica cla-ramente que a centralidade na luta interna, em detrimento dos enormes desafios no enfrentamento das políticas do governo Collor e dos patrões, não arma a CUT [...]”, propõe a “apresentação de propostas para uma base ética de convivência na CUT”. A CS, depois de denunciar as fraudes e o golpe que garantiu a direção ã Articulação, apesar de ser minoria, assinou este compromisso que garantia a “legitimidade” do congresso e defendia “o cumprimento das suas resoluções, o ponto de partida para uma efetiva unidade na prática da CUT”7. É a velha e conhecida política de duplicidade: faz-se acordos com os burocratas e depois coloca-se alguma denunciazinha em seus jornais ou para o público interno.
Este é um exemplo incontestável do método que ainda se utiliza em larga escala de buscar o “consenso dos dirigentes ou das correntes” para manter a “unidade”, numa visão de que essa unidade se conquista com a junção de aparatos (e as correntes são aparatos políticos).
Esses poucos exemplos demonstram a atualidade e a vigência das definições marxistas revolucionárias de Trotsky sobre os sindicatos e a burocracia sindical: ou os sindicatos (e a central sindical) se transformam em organizações revolucionárias ou se consolidam como correias de transmissão do capital para intensificar a explo-ração dos trabalhadores, e que nada se pode esperar dos burocratas.
A direção do PSTU, mesmo quando criticava a burocracia da CUT, não escondia sua sua capitulação e adaptação:
“O governo FHC tem jogado toda a sua força na implantação do projeto neo-liberal. As reformas na Constituição, o ataque aos direitos sociais [...]. E no início da greve nacional unificada, que chegou a paralisar cerca de 350.000 trabalhadores, a direção da CUT modificou a orientação de combate ás re-formas neoliberais e adotou como centro da sua política a defesa das reformas [...]. Isso, em termos práticos, significou que a prioridade, para a direção da CUT, deixou de ser a construção da resistência e da mobilização para derrotar as reformas [...]. Ou seja, no momento em que se criavam as condições para enfrentar o governo e seu projeto, a direção nacional da central vota um re-cuo no enfrentamento. [...] O recuo político da CUT gerou confusão. [...] aju-dou a estratrégia do governo [...].”8
Vejam que a direção da CUT defendia [como centro] as reformas não é de hoje, como costumam dizer os centristas e oportunistas. Mas em 1995 a direção do PSTU não propunha, como hoje, romper com a CUT, mesmo que a direção da central já defendesse as reformas... no governo de FHC, quando estava na “oposição”!
Nesse momento, a direção do direção do PSTU, ao invés de denunciar e desmas-carar burocracia da CUT, procurava abusava das palavras para “tentar justificar” as traições da direção, como nesse boletim nacional que “chamava” a construção de sua tendência sindical [MTS], considerava as traições e a estratégia da direção da CUT de apoiar boicotar uma greve unificada de 350.000 trabalhadores para ter co-mo centro o apoio ás reformas de FHC, como eles mesmos denunciavam, como me-ros recuos, equívocos. Uma inegável demonstração de que a direção do PSTU, assim como a CS, capitulava e se adaptava ã burocracia da CUT, tratando-a como uma dire-ção “combativa”, “classista”, que “não traía”, no máximo se “equivocava” e “recuava do enfrentamento” com o governo. A burocracia cutista abertamente apoiava as re-formas “neoliberais de FHC”, desmontava greves, fazia pactos, mas nem assim o PSTU [e a esquerda] nunca a consideraram “pelega”!
As bases dessa capitulação ã burocracia sindical está no fato de as correntes centristas desdenharem a teoria marxista revolucionária, como fica evidente ao com-pararmos com os ensinamentos de Trotsky a forma como a direção do PSTU [e a CS] encarava a burocracia da CUT. O resultado é a completa adaptação ã burocracia, apa-recendo sempre como “críticos e conselheiros”, que, na prática, atuavam com a buro-cracia como se fosse uma direção aliada portadora de combatividade, independência de classe, democrática e até internacionalista. De novo, no mesmo boletim citado na página anterior, a direção do PSTU faz o seguinte balanço da burocracia da CUT: “o setor majoritário da direção nossa central [...] tem abandonado o projeto classista, de luta e socialista da origem da CUT e abraçado as concepções de reforma do capi-talismo da social-democracia”.
Pasmem! A direção do PSTU somente em 1995 foi “descobrir” que a direção majoritária da CUT, isto é, a Articulação, defendia as “concepções de reforma do capitalismo”! Ou seja, para o PSTU, entre 1983 [fundação da CUT] e 1995, ao me-nos, a direção da CUT não era uma, mas uma “nova direção” portadora de um proje-to classista e socialista. Todos hão de concordar, por lógica, que aqueles que são portadores de projetos classistas e socialistas são, óbvio, revolucionários. Assim, a direção do PSTU “ensinava” [e continua ensinando] que a burocracia sindical da CUT [e a CUT] “em suas origens” era revolucionária!
Não há o que contestar, posto que é o próprio PSTU, em seus materiais públicos, quem confessa as enormes ilusões que depositava [ao menos nos últimos 21 anos] na burocracia da CUT, negando na prática seu caráter burocrático para “criar” uma falsa direção classista e socialista.
Entre o final dos anos 70 e os primeiros anos da década de 80, o proletariado bra-sileiro protagonizou uma grande ofensiva operária, o maior ascenso grevístico do pós-Segunda Guerra. A realidade política esteve marcada pelas ações da classe tra-balhadora, greves, greves gerais, passeatas, ocupações de fábricas e métodos radica-lizados. Os trabalhadores assumiam um papel protagonista na luta política. As direções burocráticas da CUT e do PT dirigiam os principais sindicatos, das principais concen-trações operárias que tomavam conta da cena.
Desarmadas da teoria marxista revolucionária, as correntes centristas não se constituíram como uma alternativa real que aportasse uma política sindical revolu-cionária capaz de atuar nos sindicatos com um programa transicional e uma estratégia soviética que pudesse ser assumido pelos operários mais avançados, constituindo frações sindicais revolucionárias como vanguarda classista capaz de dirigir o combate dos trabalhadores para varrer as burocracias que dirigiam os sindicatos e as mobili-zações não com “projetos classistas”, mas como correias de transmissão do capital e barreiras que desviaram o acenso operário para as armadilhas democráticas e impe-diram que avançasse para ações revolucionárias independentes que ameaçassem a democracia dos ricos e o capitalismo.
Ao não fazerem uma análise marxista da realidade da época, junto com o abandono dos conceitos marxistas sobre os sindicatos e a burocracia, olharam com lentes objeti-vistas que somente viam as sombras e não o movimento dinâmico do ascenso operário da época. Enxergavam, ã frente das greves, mobilizações e sindicatos, os burocratas e os considerava como a direção combativa dos trabalhadores. Ao esperar, equivoca-damente, que esses burocratas, pressionados peça ofensiva operária, pudessem “ir mais além” da sua vontade [da sua estratégia reformista]. As correntes centristas atua-ram em aliança com os burocratas, ao invés de cumprir a tarefa revolucionária de des-mascará-los para ganhar a confiança das massas e derrotar essa burocracia.
Reconhecer os erros teóricos e políticos deste período é a primeira condição pa-ra ajudar a vanguarda e os trabalhadores a encontrar uma política justa e revolucionária que evite novas traições. É necessário “cortar na própria carne”, fazer um balanço sé-rio do papel da CUT, da burocracia e das correntes políticas nesses últimos 21 anos que marcaram as mentes e os corações de milhões de trabalhadores e da vanguarda e que têm muitas lições a extrair.
Dizer que “a CUT morreu” só serve para esconder uma política oportunista
Como principal corrente política da Conlutas, o PSTU constrói sua hegemonia com o discurso de “a CUT morreu” e “já não fala em nosso nome”, levando na prática os sindicatos que estão contra a política do governo e o oficialismo da burocracia da CUT a se desfiliarem da central. Esquematicamente, esse partido determina que houve uma “CUT das origens” - combativa, socialista, democrática, independente etc., na qual tinha validade manter a unidade a todo custo - e que hoje “esta CUT morreu” restando uma “CUT governista”, com a qual se deve romper incondicionalmente.
Esta é uma fraseologia radical, uma forma ultra-esquerdista que esconde um conteúdo oportunista. Ontem, quando estava na CUT, o PSTU, ao invés de lutar conseqüentemente contra a burocracia da CUT a considerava uma aliada combativa e classista. Hoje, com sua política oportunista de levar os sindicatos a romperem com a CUT, este partido reafirma que não é portador de uma política sindical revolu-cionária capaz de combater seriamente a burocracia da CUT e construir frações revolucionárias nos sindicatos dirigidos pelos burocratas para dirigir a luta para expulsá-la das organizações de massas.
Um dos sinais de oportunismo na política atual do PSTU pode-se verificar ao re-lembrar que este partido conviveu pacificamente com a burocracia e sempre teve im-portantes cargos na direção da CUT e até hoje não fez qualquer balanço de sua traje-tória nesses 21 anos, para que seus militantes, a vanguarda e milhares de trabalhadores tivessem uma explicação marxista deste partido do porquê a “ex-combativa” direção da CUT tornou-se “governista e traidora” e qual a causa da sua “morte”.
Nesses anos essas correntes defendiam a unidade da CUT a todo custo, mesmo com a direção fazendo pactos com Collor ou com os patrões, aprovando a reforma previdenciária com FHC, desmarcando greves gerais e barrando as mobilizações. Com seu oportunismo, essa esquerda ajudou a convencer milhões de trabalhadores de que a direção da CUT era “combativa” e “defendia os interesses da classe traba-lhadora”. Muitos ainda crêem nisso, mas o PSTU pretende convencê-los simples-mente de que “a CUT morreu” - e contra mortos não se combate, vira-se as costas...
Como se pode dizer que “a CUT morreu” quando ainda tem 3.262 sindicatos filiados representando nada menos que 22.036.181 de trabalhadores. Mais de vinte e dois milhões entre os cerca de 40 milhões de assalariados do país!
Como um petroleiro pode se convencer de que a burocracia morreu se ela, dirigindo a Federação Única dos Petroleiros, acaba de usar todas as manobras possíveis para garantir um acordo negociado com a Petrobrás (cujo presidente é um dirigente sindical) sem atender as reivindicações? Quais as causas que explicam que essa “CUT morta” tenha impedido a greve nacional dos petroleiros, represando o descontentamento a despeito dos esforços dos ativistas da oposição petroleira? Os históricos metalúrgicos do ABC ainda confiam ou não nessa burocracia? Será que a consideram morta? Os bancários que acabaram de fazer a greve mais longa de sua história se rebelaram contra uma burocracia morta? Por que, então, essa burocracia se manteve nos sindicatos e conseguiu, junto com o governo e os banqueiros, derrotar a greve?
A greve dos bancários e o seu desfecho são a prova incontestável de que o slo-gan do PSTU de que “a CUT morreu” não condiz com a realidade e desarma os traba-lhadores para enfrentar essa burocracia que ainda conta com grande margem de manobra, pois sua ligação mais direta com o governo e o Estado capitalista lhe ga-rante novos instrumentos para conservar seu controle sobre os trabalhadores e con-tra-atacar. Nem a burocracia da CUT, e nem qualquer outra, vai morrer “naturalmente” - os trabalhadores ainda vão ter que destruí-la.
O pano de fundo é que o PSTU, tanto antes, durante 21 anos, quanto hoje, não faz qualquer diferenciação entre organização e direção. A CUT e os sindicatos, a despeito da estratégia das suas direções reformistas, são organizações operárias de massas que para os marxistas revolucionários são “um campo propício para a educação revolucionária de amplos setores operários e para o recrutamento dos operários mais avançados”9. Os sindicatos, no Brasil, ainda que organizem apenas uma parcela dos trabalhadores, são organizações que gozam de importante confiança entre as massas e têm grande influência entre a classe trabalhadora. “Quanto mais uma determinada organização abarca amplas massas, maiores são as possibilidades que oferece ã vanguarda revolucionária.10” Isto quer dizer que para os revolucio-nários os grandes sindicatos e as grandes centrais sindicais são espaços privilegia-dos de atuação.
Ao contrário da posição oportunista do PSTU, os revolucionários “que não tenham perdido contato com a realidade devem reconhecer que a criação de frações comunistas nos sindicatos reformistas é uma tarefa de tremenda importância” e, como insiste Trotsky, “os comunistas não querem que se dividam os sindicatos, mas, ao contrário, estão dispostos em todo momento a restabelecer a unidade sindical”.11
A direção do PSTU [desde a época da CS] nunca foi portadora da estratégia marxista revolucionária de atuar nos sindicatos reformistas em defesa de uma polí-tica sindical revolucionária, ou seja, para transformar, com uma direção revolucio-nária, essas organizações em instrumentos da luta revolucionária. Ao confiar, nesses 21 anos, que a direção da CUT era uma “nova direção”, não reformista nem bu-rocrática, então, na falsa lógica do PSTU, os sindicatos da CUT [e a central] não eram sindicatos reformistas. Dessa lógica oportunista em relação ã CUT se des-prendia a lógica sectária e ultra-esquerdista em relação aos demais sindicatos das outras centrais sindicais. Se, para o PSTU, os sindicatos da CUT não podiam ser rompidos, o que incluia até fazer chapas”cutistas” com a própria Articulação, em relação aos demais sindicatos, cujas direções eram consideradas “pelegas” [Força Sindical e outras], o PSTU defendia inclusive que “dividir o sindicato pelego é a condição para unir a categoria na luta contra a patronal e seu governo”12. Em ou-tras palavras, a direção do PSTU não se propunha a organizar frações revolucionárias nos sindicatos fossem os da CUT, onde capitulava ã sua direção burocrática, ou os da Força Sindical e demais centrais, que era consideradas “pelegas”. Nos dois ca-sos, sua política sindical era oportunista e, na prática, contribuia para que as buro-cracias sindicais, da CUT, da Força Sindical ou as demais, seguissem controlando os sindicatos e dividindo a classe trabalhadora em prol do capitalismo e da demo-cracia dos ricos. Como, nos anos anteriores, o PSTU já propunha dividir os chamados sindicatos “pelegos”, não é de se estranhar que agora, quando passam a considerar que os sindicatos da CUT também são “pelegos”, façam o mesmo, propondo romper com eles e até dividi-los.13
Parafraseando Trotsky, se fosse possível acreditar por um instante que o de-ver de contrapor uma política revolucionária ã dos reformistas impõe aos comu-nistas a divisão dos sindicatos [como propõe o PSTU], isso não poderia se limitar ao Brasil; dever-se-ia exigir que os comunistas rompessem, sem ter em conta a rela-ção de forças, com os sindicatos e centrais, e formassem seus próprios sindicatos e centrais na Argentina, na Bolívia, no México, no Chile, nos Estados Unidos e um longo etcétera.
Os revolucionários não fazem como o PSTU, que confunde o salto de qualidade que significou a direção burocrática da CUT se tornar diretamente governista quando sempre foi reformista com a “morte” dos sindicatos e da central, abandonando essas organizações e os milhões de trabalhadores nas mãos dos burocratas. “Até agora nunca e em nenhum lugar os comunistas provocaram uma divisão por não admitir de antemão o trabalho junto aos reformistas nas organizações das massas prole-tárias.”14
Uma prova incontestável da tradição dos marxistas revolucionários diante dos sindicatos e organizações de proletárias reformistas podemos verificar na Rússia de 1917. Os sovietes, nesse momento, continuavam sendo dirigidos pelos menche-viques que apoiavam e participavam do governo provisório de Kerensky e nem as-sim Lenin ou os bolcheviques se propuseram a romper ou dividir os sovietes para construir “sovietes comunistas”. Mesmo depois da Revolução de Outubro, os bolcheviques toleraram os mencheviques na direção dos sovietes e dos sindicatos, sem, contudo, capitular e deixar de lutar intransigentemente contra essa corrente pequeno-burguesa que foi expulsa dessas organizações de massas quando se tornou uma camarilha que apoiava a contra-revolução.
Essa tradição revolucionária é a base teórica e prática para evitar que os revo-lucionários do nosso tempo deixem de compreender a dialética entre organizações de massas e suas direções, entre outras questões fundamentais de uma política sindical revolucionária.
A política do PSTU, na prática, significa continuar como sempre fizeram nas duas décadas passadas, sem lutar conseqüentemente para varrer a burocracia dos sindicatos. Preferem “voltar as costas aos ‘velhos’ sindicatos [agora, a CUT, antes, a Força Sindical e outras centrais], isto é, a dezenas de milhões de operários organizados, como se as massas pudessem viver fora das condições da luta de classes real!” Para esconder esse oportunismo, atuam como sectários, “indiferentes à luta que se desenvolve no seio das organizações reformistas como se pudéssemos conquistar as massas sem intervir na sua luta diária!”15
É extremamente atual a definição marxista revolucionária de que “a unificação da classe operária somente é possível mediante a luta contra os colaboracionistas de classe [burocratas] que se encontram não apenas nos partidos políticos, mas também nos sindicatos”16. Esquecer este ensinamento é negar uma política justa e revolucionária capaz de enfrentar a burocracia que ainda existe e tem forças sobre a classe operária. O resultado só poderá levar a uma política oportunista, uma visão organizativa e aparatista de que para enfrentar as traições da burocracia da CUT e do PT basta romper com a CUT e construir uma nova “organização”, “pura”, enquanto os burocratas seguem em seus sindicatos e suas centrais sindicais dividindo a classe operária numa falsa dicotomia entre sindicatos “pelegos” e sindicatos “com-bativos” que não é contestada porque já se tornou costume ter várias centrais sin-dicais com as quais os burocratas dividem a classe trabalhadora.
Para os marxistas revolucionários os sindicatos só podem ser, na época de decadência capitalista, reformistas ou revolucionários
Ao contrário do PSTU, os marxistas revolucionários não “entram ou saem” dos sindicatos e das centrais sindicais apenas porque “apoiam ou não os governos de turno”. Contudo, isso não pode permitir considerar os sindicatos como independentes quando não estejam “apoiando diretamente o governo”.
Para os marxistas os sindicatos são definidos não apenas por serem organizações da classe operária, mas também pelo setores da classe que agrupam e a política de suas direções. As burocracias sindicais se baseiam na defesa corporativa dos setores mais privilegiados e de seus próprios interesses como casta. As vezes fazem isso co-mo agentes diretos do capital e seus governos, e outras vezes adotam políticas refor-mistas, isto é, defendem políticas de conciliação de classes propugnando que é pos-sível reformar progressivamente o capitalismo, o que as leva a se opor frontalmente ás tendências revolucionárias. Neste último caso, definimos essas burocracias como politicamente reformistas, mas socialmente contra-revolucionárias.
A única possibilidade de que os sindicatos adotem um curso progressivo na época imperialista é se estes militam pelos interesses da classe operária e da maioria da população, impulsionando a luta pelas reivindicações parciais e democráticas co-mo parte de um programa transicional, a luta contra o imperialismo, contra o Estado burguês, pela aliança operária e popular e pela construção de organizações de demo-cracia direta que superem as fronteiras de cada sindicato ou categoria profissional, ou seja, conselhos operários. Definitivamente, esses sindicatos lutam pela revolução operária e socialista e se transformam em sindicatos revolucionários, com uma direção revolucionária ã frente.
Estes são os critérios marxistas revolucionários para definir os sindicatos e as centrais sindicais. Trotsky, com razão, dizia que “os fatos demonstram que não existem, em nenhum lado, sindicatos politicamente ‘independentes’. Nunca houve. A expe-riência e a teoria nos dizem que nunca haverá”17. Ou são sindicatos revolucionários ou sindicatos reformistas.
Depois de 21 anos de convivência pacífica e de “unidade na CUT”, o PSTU e outras correntes see lançam com um discurso “radical” de que “a CUT morreu”, pro-pondo que os sindicatos saiam da central para construir “uma alternativa de direção para as lutas dos trabalhadores”18. Para a CST, por exemplo, a Conlutas deve se transformar, o mais rápido possível, numa central sindical. O PSTU afirma que “não se pode ter pressa”, mas o curso é esse. Os ensinamentos marxistas afirmam o contrário:
Uma maioria segura numa federação sindical pequena e isolada, ao contrário de continuar o trabalho de oposição numa verdadeira organização ampla e massiva, só pode ter a preferência dos sectários ou dos carreiristas, nunca a dos proletários revolucionários.19
Para os marxistas revolucionários “o sindicato não é um fim em si, mas somente um dos meios ao longo da marcha para a revolução proletária”20. Esta definição afasta também todo e qualquer fetichismo sobre os sindicatos de algumas correntes que pretendem transformar as organizações de massas em ícones sagrados, quando na realidade não passam de defensores das burocracias que se adaptam e giram cada vez mais ã direita para posições abertamente reformistas. Correntes deste tipo, no Brasil, são, por exemplo, as petistas O Trabalho e a Democracia Socialista que se colocam como quinta-coluna da burocracia da CUT [e do PT] com o falso discurso de que “a CUT é um patrimônio histórico da classe” e que “deve ser defendida contra a divisão”. Aqui, fica claro, não se encontra qualquer posição próxima do marxismo revolucionário sobre os sindicatos e as organizações de massas. Muito distintamente, o que está por trás da poítica dessas correntes é a pura conservação da burocracia da CUT e os mil laços materiais e políticos dessas correntes com os aparatos sindicais e o Estado capitalista. Essas correntes se adaptaram qualitativamente ã burocracia [são correntes claramente governistas] e ao regime democrático burguês perdendo a cada dia os traços de independência perante o Estado burguês, como se vê em suas participações em cargos do governo e ministérios, tanto a DS como O Trabalho.
Em nome da “não divisão da CUT”, por exemplo, a corrente O Trabalho rompeu um encontro sindical conjunto com a esquerda petista e o PSOL com agressões físicas contra sindicalistas deste partido, porque não aceitava que estivesse ã me-sa um dirigente sindical da CST que defendia publicamente a ruptura com a CUT. Correntes como a DS e O Trabalho avançam para posições reformistas, mas antes fazem um estágio como guarda-costas do reformismo.
Uma política sindical revolucionária para derrotar a burocracia e unificar a classe trabalhadora
Os marxistas revolucionários devem ter claro que a unidade das organizações sindicais é uma enorme vantagem “tanto do ponto de vista das tarefas diárias do proletariado como para a luta do partido comunista para expandir sua influência sobre as massas”21. Ao mesmo tempo, devem estar cientes de que a burocracia não vacilará em romper os sindicatos, como vimos em 1991. Os trabalhadores defendem a unidade das suas organizações e os revolucionários devem ajudar a desmascarar as burocracias como os verdadeiros divisionistas que preferem as boas relações com a burguesia ã unidade da classe operária. A responsabilidade pela divisão dos sin-dicatos deve recair sobre os burocratas.
Os revolucionários devem confiar na classe operária e na sua capacidade de su-perar os obstáculos que a burocracia impõe ã unidade dos trabalhadores e ao avanço revolucionário. Os aparatos e as manobras burocráticas não podem ser mais fortes que as condições objetivas de decadência capitalista que impelem a classe operária a se enfrentar com esse sistema para defender as mínimas condições de vida.
As formas organizativas - sindicatos, coordenações, centrais etc. - devem es-tar a serviço da unidade da classe operária em torno de um programa (consignas) e uma estratégia revolucionária - antiburocrática, classista e internacionalista. Os sin-dicatos ligados ã Conlutas devem se transformar em organizações militantes que travem uma luta política diária contra o sistema capitalista e em defesa dos interesses das massas que “necessitam uma orientação e consignas concretas [que] exclui toda conciliação teórica e toda proteção aos confusionistas [oportunistas de todo tipo] que exploram o atraso das massas”22.
A classe operária, para ganhar a confiança das demais classes subalternas precisa defender, além dos seus interesses, as demandas dos oprimidos, criando as bases da aliança operário e popular. O programa não pode ser uma generalidade de reivindicações parciais com algumas demandas “máximas” que não encontram correspondência com o nível de consciência nem têm ligação com a luta estratégica de destruição do Estado capitalista. É necessário combinar as demandas parciais e democráticas com as medidas de transição, de tipo socialista, anticapitalista, que ajude a elevar o nível de consciência da classe operária e demonstre ás demais clas-ses oprimidas que somente a aliança operária e popular pode condensar os interesses da maioria da população com os métodos combativos dos trabalhadores para ex-propriar os expropriadores e constuir uma república operária e socialista dirigida pelos trabalhadores e as massas, organizados numa democracia soviética.
Na situação concreta atual, os revolucionários devem utilizar a tática de construção de um partido operário independente
Para os marxistas, o problema dos problemas é a construção de um partido revo-lucionário, internacionalista, que conquiste a confiança da maioria da classe tra-balhadora e dirija a revolução proletária. Hoje, no Brasil, não existe nenhum partido operário revolucionário com influência de massas.
O PSTU, que se proclama partido revolucionário - na realidade é um pequeno partido centrista, como Trotsky definia -, tem uma influência política relativa na van-guarda brasileira, dirigindo há anos dezenas de importantes sindicatos na indústria, nos serviços e nos transportes. Contudo, mesmo onde o seu peso sindical é signifi-cativo a sua influência política entre os trabalhadores é muito pequena. Por exemplo, em São José dos Campos, onde dirige desde a década de 80, entre outros, o sindicato dos metalúrgicos com 36 mil operários, o seu principal dirigente sindical não alcançou cinco mil votos nas últimas eleições. Em todo o país o PSTU obteve tão somente 0,19% dos votos válidos (183 mil). O PCO, então, nestas eleições alcançou 42,8 mil votos. Outra referência para medir a influência política dos partidos é o alcance das suas publicações. Ainda que os partidos não divulguem, pode-se estimar que o PSTU, que tem poucos milhares de militantes, vende cerca alguns milhares exemplares do seu jornal em todo o país, e o PCO muito menos.
Analisando os resultados eleitorais destes partidos e a difusão dos seus jornais, e comparando com as dimensões dum país que tem 120 milhões de eleitores e 40 mi-lhões de assalariados urbanos, a única conclusão possível é que esses partidos têm pequena e relativa influência entre a vanguarda e uma quase nula influência entre as grandes massas. E estamos falando de partidos que vêm se construindo há mais de 20 anos, passando por períodos de ascenso e refluxo operário, mas nunca superam um crescimento vegetativo. Qualquer trabalhador pode compreender de maneira simples que só por milagres organizações com dois ou 10 mil militantes possam obter influência real entre essa imensa classe trabalhadora brasileira sem buscar táticas ofensivas e audazes.
Como vimos, os partidos operários atuais - PSTU e PCO -, e mesmo o PSOL, não podem se constituir em alternativas revolucionárias reais para conquistar a in-fluência política dos milhões de trabalhadores deste país. A gigantesca classe operária brasileira precisa se organizar com independência política para eliminar a influência e o domínio que a burocracia da CUT e o PT ainda mantêm sobre milhares de sindicatos e milhões de trabalhadores. Apesar do desgaste que o PT vem sofrendo, ainda conserva força de atração na classe operária, ao contrário do que afirmam as correntes de esquerda quando decretam a “morte do PT”. Está na ordem do dia buscar táticas que permitam aos revolucionários chegar a essas bases sociais do PT para liberá-las dessa influência reacionária.
A classe operária brasileira ainda precisa completar sua experiência com a independência de classe, abortada pelo PT e pela CUT que agora começam a se des-mascarar como direções pequeno-burguesas e burocráticas traidoras da vontade das massas. O PT nunca foi o “partido da classe”, nem pelo seu programa nem por sua composição social. Efetivamente sempre foi dominado por carreiristas pequeno-burgueses como José Dirceu, José Genoino, Mercadante e outros, e burocratas sin-dicais como Lula, Olívio Dutra, Gushiken, Berzoini, Vicentinho e uma extensa lista.
Os marxistas revolucionários devem buscar as táticas mais apropriadas, em ca-da situação, para resolver o problema dos problemas - a construção do partido revo-lucionário. Diante das proporções das massas brasileiras, pequenas organizações que continuam se construindo de maneira evolutiva, nunca chegarão a ser verdadeiros partidos revolucionários. Para que os revolucionários deixem de ser pequenas seitas [ou grandes], de poucos milhares, que vendem alguns milhares de jornais e dirigem dezenas de sindicatos, mas sem influência real na enorme classe trabalhadora bra-sileira, é necessário recorrer a táticas audazes e ofensivas para “ir ás massas”.
É preciso reafirmar a tática de partido operário independente, como Trotsky propunha para situações concretas de recomposição do movimento operário em que os revolucionários não têm nem podem adquirir, a tempo de aproveitar essas con-dições, suficiente influência de massas, . Neste sentido, Trotsky aconselhava a todo partido ou organização que se considere revolucionária começar um sério trabalho nos sindicatos com a consigna de que os trabalhadores devem tomar o Estado em suas mãos e que para isso necessitam um partido operário independente23.
No atual processo incipiente de recomposição do movimento operário, os revo-lucionários devem atuar nos sindicatos para se ligar aos trabalhadores mais avançados e formar frações sindicais revolucionárias nos sindicatos, principalmente na CUT, ajudando os trabalhadores a desmascarar essa burocracia com a exigência de que a CUT e seus sindicatos rompam o governo e o PT, assumam um programa de defesa das reivindicações dos trabalhadores e das massas e iniciem a discussão da cons-trução de um verdadeiro partido operário independente dirigido pelos trabalhadores a partir dos sindicatos e da autodeterminação das bases para impedir novas traições. Com essa orientação política e a tática de partido operário independente, a vanguarda se dirige ás bases dos sindicatos para se ligar aos milhões de trabalhadores para que eles completem sua experiência com a independência de classe.
Os burocratas e as diversas correntes reformistas e oportunistas - com o apoio das correntes centristas - repetem sem cansar que os sindicatos não podem fazer política, que devem ser “independentes” dos partidos. Essa é mais uma grande farsa que a burocracia difunde para iludir os trabalhadores e a vanguarda! A direção da CUT e a maioria dos seus sindicatos nunca foram “independentes” dos partidos. Basta ver que os principais dirigentes, parlamentares, prefeitos e governadores do PT são ou foram sindicalistas da CUT. Nem falar dos ministros, executivos de em-presas e bancos estatais e assessores no governo capitalista de Lula, o mais conhecido dirigente sindical da CUT. A Força Sindical esteve ligada ao PMDB, PFL, PSDB e, agora, ao PDT, inclusive lançando como candidato a prefeito em São Paulo o presidente da central. As demais centrais, cada uma, se liga majoritariamente a um partido. Ve-jam que são, todos, partidos burgueses ou operário-burguês (PT). A ladainha da “independência” dos sindicatos controlados pela burocracia, na prática, significa o atrelamento dos sindicatos e demais organizações de massas aos distintos partidos burgueses ou conciliadores. Nada de estranho, pois o centro da estratégia burocrática é exatamente a conciliação de classes, e a aliança de classes se concretiza entre as instituições criadas pelas classes. Por mais que se cante a ladainha da “independência dos sindicatos perante os partidos”, a grande verdade, como era previsto por Trotsky, é que “a dependência dos sindicatos diante de um partido se mostra, sem exceção, cada vez mais evidente e aberta em todas as partes”24.
Para que os sindicatos sejam independentes dos partidos burgueses e do Estado, e se constituam como organismos das amplas massas em defesa dos seus interesses e da sua independência política, a burocracia sindical deve ser expulsa dessas insti-tuições operárias para que se construa a ferramenta política independente dirigida pelos próprios trabalhadores.
O objetivo dos revolucionários é a revolução proletária, onde os milhões de tra-balhadores assumirão o controle do novo Estado de transição. Por isso mesmo, des-de já esses milhões precisam se exercitar na vida política. Uma das tarefas dos revolu-cionários é lutar contra os privilégios que a democracia dos ricos reserva para alguns poucos. A classe operária em aliança com as massas constitui a maioria e deve utilizar as suas organizações para avançar na sua independência política. Para que os mar-xistas revolucionários se consolidem nos sindicatos nessa situação concreta de-vem utilizar esta consigna tática25.
Num partido operário independente, construído e dirigido pelos trabalhadores a partir dos seus sindicatos, onde a burocracia não terá lugar, os marxistas revolucio-nários atuarão aberta e resolutamente para que este partido assuma um programa re-volucionário para a destruição do Estado capitalista e a instituição de uma república operária em que as amplas massas poderão tomar em suas mãos a administração dos assuntos públicos, numa democracia soviética que permita planificar a economia de acordo com os interesses dos trabalhadores e das massas.
As novas condições nacionais e internacionais, se bem aproveitadas pelos re-volucionários, permitem atuar de maneira ofensiva com uma política justa para que a recomposição que se inicia avance para um novo movimento operário revolucio-nário, superando a atual subjetividade reformista.
Uma política sindical revolucionária é imprescindível, pois “o partido revo-lucionário tem que saber como estabelecer relações corretas com a classe”.26
NOTAS
1 Leon Trotsky. “Monatte cruza el Rubicon”. 15 de dezembro de 1930. Sobre los sindicatos. Edi-ciones Pluma, 1974.
2 PSTU - nasceu em 1994 da fusão entre a CS (Convergência Socialista), que foi expulsa do PT em 1992, e diversas pequenas correntes e militantes independentes. A LIT - Liga Internacional de Trabalhadores - é a corrente internacional dirigida pelo PSTU, fundada em 1982 por Nahuel Mo-reno, dirigente trotskista argentino. As correntes seguidoras deste dirigente são conhecidas como “morenistas”. CST - Corrente Socialista de Trabalhadores -, uma ruptura da antiga CS e da LIT que permaneceu no PT até a expulsão em outubro de 2003. Internacionalmente é parte da UIT - União Internacional de Trabalhadores - corrente morenista dirigida pelo MST (Movimento Socialista de Trabalhadores) da Argentina. O principal dirigente da CST é o deputado Babá. MES - Movi-mento de Esquerda Socialista - dissidência da CST, também morenista, cuja principal dirigente é a deputada Luciana Genro. Conceituamos a corrente morenista como centrismo trotskista, cor-rente morenista como centrismo trotskista, ou seja, corrente que se distancia da teoria e da prática do marxismo revolucionário e se caracteriza por uma política centrista, oportunista, que oscila entre a reforma e a revolução. MTL - Movimento Terra e Liberdade - é uma corrente resultante da fusão de um grupo que rompeu em 2000 com o PSTU e outros grupos dos sem terras. Tem avan-çado para posições populistas que negam o papel da classe operária como sujeito revolucionário e rompe os princípios de independência de classe, como nas últimas eleições em que um diri-gente da corrente foi eleito vereador em Goiânia (GO) com a sigla do Partido Verde (que inte-grará o governo de José Serra, do PSDB, em São Paulo).
3 Leon Trotsky. “O ILP e a nova internacional”. 4 de setembro de 1933. Escritos. Edição em CD do CEIP LT. Buenos Aires. 2.000. Livro 3.
4 Iram Jácome Rodrigues. Depoimento de dirigente da corrente Articulação em 1991. Sindicalismo e política - A trajetória da CUT. Scritta. 1997. Pág. 173.
5 Idem.
6 Revista Veja. 21/10/1992.
7 Iram Jácome Rodrigues. Sindicalismo e política - A trajetória da CUT. Scritta. 1997. Pág. 191.
8 “Unir a esquerda sindical por uma CUT de luta, democrática e pelo socialismo”. Boletim na-cional assinado por dezenas de sindicalistas do PSTU, entre eeles Zé Maria de Almeida, na época já da Executiva Nacional da CUT, como “chamado” para construir “uma tendência [sindical] no interior da CUT que una toda a esquerda. 1995.
9 “Problemas de estrategia y tactica sindical. La cuestión de la unidad sindical”. Sobre los sin-dicatos. Ediciones Pluma. 1974.
10 Idem.
11 Idem.
12 Boletim “Uma primeira avaliação da plenária nacional da CUT. MTS (Movimento por uma Tendência Socialista-CUT), tendência sindical criada pelo PSTU. 1995-1996.
13 Note-se que no Brasil se criou uma verdadeira “feudalização” dos sindicatos, onde as centrais sindicais e as correntes políticas se mantêm numa espécie e pacto de convivência em que não são incomodados. Todas as correntes políticas de esquerda e da CUT afirmam considerar os sindicatos ligados ás demais centrais sindicais como “sindicatos pelegos”. Porém, a convivência com a burocarcia sindical, mesmo a da Força Sindical, CGT e outras, prevalece. Apesar dessa esquerda [juntando PSTU, PSOL, esquerda petista, PCO etc.] contar com centenas de sindicatos e força militante, os burocratas das chamadas “centrais pelegas” e os sindicatos controlados pe-la direção da CUT gozam de uma invejável paz e tranquilidade para manter seu domínio sem estarem ameaçados por oposições sindicais e, muito menos, por frações revolucionárias. Entre todas as correntes e a burocracia sindical se instalou um equilíbrio que não pode ser ameaçdo para que cada corrente continue com seu “espaço”. Nesse esquema, óbvio, os que menos con-tam são os interesses da classe trabalhadora que se enfraquece e divide, enquanto as correntes “dirigem” sindicatos que são “cascas vazias” sem representatividade real.
14 “Problemas de estrategia y tactica sindical. La cuestión de la unidad sindical”. Sobre los sin-dicatos. Ediciones Pluma. 1974.
15 Leon Trotsky. “Contra o sectarismo”. Programa de Transição. Editora InformAção. 1989.
16 Leon Trotsky. “Comunismo y Sindicalismo”. Sobre los sindicatos. Ediciones Pluma. 1974.
17 Leon Trotsky. “Comunismo y sindicalismo”. Sobre los sindicatos. Ediciones Pluma, 1974.
18 Jornal Conlutas n° 2. Outubro/novembro de 2004.
19 Leon Trotsky. “Nota de los Editores”. Sobre los sindicatos. Ediciones Pluma. 1974.
20 Leon Trotsky. “Os sindicatos na época de transição”. Programa de Transição, 1938. Editora In-formAção. 1989.
21 Leon Trotsky. “Comunismo y sindicalismo”. Sobre los sindicatos. Ediciones Pluma, 1974.
22 Leon Trotsky. “Los errores de los sectores de derecha de la Liga Comunista sobre la cuestión sin-dical”. Sobre los sindicatos. Ediciones Pluma. 1974.
23 Leon Trotsky. “Problemas del Partido norteamericano”. 5 de outubro de 1938. Escritos. Edição em CD do CEIP LT. Buenos Aires. 2.000. Livro 6.
24 Leon Trotsky. “Problemas del Partido norteamericano”. 5 de outubro de 1938. Escritos. Edição em CD do CEIP LT. Buenos Aires. 2.000. Livro 6.
25 Leon Trotsky. “O ILP e a nova internacional”. 4 de setembro de 1933. Escritos. Edição em CD do CEIP LT. Buenos Aires. 2.000. Livro 3.
26 Idem.
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