Por por Marcelo Torres, dirigente da LER-QI diretamente de Santiago do Chile
O espírito que a juventude chilena expressa em cada olhar atento, cada ocupação, cada assembleia, cada marcha de milhares, cada enfrentamento com a polícia, carrega a profundidade que conecta a América Latina – a qual ainda não foi atingida pela crise econômica – com os processos intensos de luta de classes que estão se dando em todo o mundo.
Não é só o sistema absolutamente elitista da educação chilena que está provocando este levantamento. Dá-se um despertar do ódio de toda a juventude contra o governo de Piñera e um questionamento do regime terrivelmente repressivo e conservador. A juventude que está concentrada nos colégios secundaristas ou técnicos, onde estudava Manuel Gutierrez assassinado no dia 25/8, é hoje o setor mais mobilizado e radicalizado do movimento estudantil. É uma geração que cresceu se enfrentando com a repressão policial dia-a-dia e por isso não se intimida por um segundo sequer frente ã enorme repressão policial e das diretorias das instituições de ensino ou frente enfrentamento com os nazistas. Surgem não somente jovens combativos, que se auto intitulam “sem medo”, mas verdadeiros dirigentes naturais nas escolas de 14, 15, 16 e 17 anos. São estes também os mais consequentes politicamente, que não querem negociar com o governo sem a garantia do piso mínimo da educação gratuita e que se enfrentam cada vez mais politicamente ao PC. Muitos dos jovens operários, que são a camada mais sensível à luta estudantil dentro nas fábricas, participaram da “Rebelião dos pinguins” de 2006, traída pelo PC. E agora, mais uma geração, que em breve estará compondo os batalhões da classe trabalhadora, está se forjando profundamente. Também na universidade, nas quais atualmente tem início um refluxo, estão muitos dos que viveram a traição de 2006. Infelizmente, ainda não surgiram organismos de auto-organização como direção alternativa ã burocracia estudantil, e essa é justamente a luta política que estamos dando como PTR, organização irmã da LER-QI aqui no Chile.
O processo de mobilização está hoje numa encruzilhada. Depende da capacidade do setor mais combativo se organizar como uma verdadeira alternativa ás direções burocráticas. A partir do PTR, que intervém em mais de 5 estados chilenos e dezenas de faculdades e colégios, estamos colocando todas as nossas forcas para que surjam organismos de auto-organização dos setores em luta, a única forma de superar as travas do PC e das agrupações populistas e autonomistas que, apesar do discurso mais de esquerda, não tomam nenhuma iniciativa para organizar o movimento a partir das bases, subordinando-se na prática ã política do PC. Conseguimos fazer votar em várias assembleias de universidades – como a Faculdade de Filosofia e Humanidades da Universidade do Chile – a política do piso mínimo da educação gratuita, contra a política do PC e dos populistas que ficaram totalmente isolados nessas votações. É por votações deste tipo que essa faculdade é uma referencia entre os secundaristas que querem lutar por essa política, que hoje são centenas de colégios em Santiago.
O movimento estudantil ecoou como “caixa de ressonância” as contradições do conjunto da sociedade e está transformando-a. “A ver, a ver, quién lleva la batuta, los estudiantes o los hijos de puta!”. Este canto, que ecoa em cada concentração de estudantes, expressa bem o que está acontecendo: são os estudantes que estão assumindo a dianteira de um processo que está despertando o país. A enorme adesão das paralisações de 24 e 25 de agosto, convocadas pela CUT, que levou ás ruas mais de 500 mil em todo o país, sem nenhuma política da burocracia sindical (PC e PS, principalmente) de organizá-la, foi somente a expressão mais vistosa de uma mudança profunda (ainda que lenta) de subjetividade no conjunto da população. Os trabalhadores e o povo aspiram mudanças e não vão mais permitir que se governe como antes.
É por isso que, a partir do PTR, também lutamos por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana com deputados eleitos pelo povo que ganhem um salário de um trabalhador qualificado, para colocar abaixo o regime que é fruto de uma transição pactuada que traz a herança pinochetista na opressão ao povo mapuche, numa enorme repressão ã organização sindical, na impunidade, na submissão ao imperialismo expressa agudamente nas privatizações neoliberais e em cada esquina deste país. A mobilização que será necessária para impor uma medida deste tipo será também a base para construir organismos de democracia direta, resgatando o melhor do movimento operário chileno que tem a tradição dos “cordões industriais” que protagonizaram o processo revolucionário que deu lugar ao golpe de 1973, a qual é viva em uma grande geração que ainda está nas fábricas e que tem laços com a nova geração que está nas ruas. Essa síntese entre a tradição e a juventude é a base para lutar pela única perspectiva que pode resolver os problemas estruturais do país, que é a construção de uma República dos trabalhadores e do povo, baseado em organismos de autodeterminação das massas. Essa é a estratégia que contrapomos ã conciliação que o reformismo do PC quer levar adiante com sua política de “segunda transição ã democracia”, que nada mais é do que pactuar mudanças cosméticas no regime, conquistando mais espaço para o PC, salvando o regime democrático burguês.
Estamos tratando de intervir muito audazmente, não somente nas estruturas onde estamos, mas coordenando a atuação nos colégios secundaristas a partir da agrupação Abran Paso, que reúne dezenas de jovens e está se transformando-se em uma referencia. Também colamos 10 mil cartazes em todo o país como parte de uma agitação massiva para contribuir na formação de uma vanguarda que possa ser uma alternativa real na luta em defesa da educação gratuita, pela prisão dos responsáveis pelo assassinato de Manuel Gutierrez e pela derrubada do regime pinochetista.
É por estes elementos que viver este processo junto aos camaradas do PTR me deixa com mais energias revolucionárias do que nunca, pois me faz sentir mais profundamente o que dizia Trotsky, que construir um partido revolucionário internacional é como carregar um pedaço da história nas suas costas.
15-09-2011
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