Muitas categorias entraram em greve ao longo do ano, principalmente por reivindicações econômicas, com algumas heroicas batalhas, como a greve dos correios, na qual os trabalhadores se enfrentaram com a direção governista e pelega dos seus sindicatos. Os operários das obras do PAC abriram essa nova conjuntura, com verdadeiras revoltas contra a precarização do trabalho, uma mobilização que tem continuidade nas greves dos estádios da copa e em mobilizações de terceirizados e dos operários da construção civil em vários estados. Com mais ou menos radicalidade, com enfrentamentos ã burocracia sindical ou ainda expressando confiança nesta, respeitando o regime sindical (datas-bases e sindicalismo oficial) ou se mobilizando por fora dele, o fato é que existe um novo fenômeno de ativismo operário, extremamente heterogêneo, mas que cada vez mais se impõe como um ator que deve ser levado em conta até mesmo pelos setores mais reacionários.
Apesar de terem caído 5 ministros por escândalos de corrupção, o ciclo de greves em curso não foi capaz de debilitar o governo Dilma, segue significativamente forte e com iniciativas políticas, como se mostra na mudança nada secundária da política econômica, na implementação de uma “Comissão da Verdade” domesticada e inofensiva, na votação da lei do “novo aviso prévio” que desagradou patrões e sindicalistas e nos enfrentamentos com o Tribunal Superior Federal. O fundamento dessa relativa força com a qual ainda conta o governo Dilma reside principalmente na inércia do ciclo de crescimento econômico dos últimos anos, que ainda proporciona uma sensação geral de melhoria das condições de emprego, renda e consumo.
Nesse segundo semestre as greves se colocaram no centro da cena política e da própria discussão econômica a partir do momento em que o Banco Central passou a apontar os reajustes de salário como principal pressão inflacionária a ser combatida pelo governo. De uma hora para outra, os reajustes acima da inflação, que eram apontados como um dos responsáveis pelo crescimento econômico, tornaram-se os grandes vilões a serem combatidos. Frente aos próximos impactos da crise mundial no Brasil e a consequente deterioração das condições econômicas, o governo terá muito mais dificuldade de lidar tanto com os recorrentes escândalos de corrupção como com as greves que colocam em questão a estratégia de descarregar os custos da crise através da desvalorização dos salários com o mecanismo da inflação.
Apesar da enorme popularidade que o governo Dilma herdou de Lula e ainda é capaz de manter, as políticas de combate a crise econômica – contenção dos aumentos salariais e tendencia ao arrocho via elevação da inflação, corte de gastos sociais, privatização de setores importantes como correios ou aeroportos – vão cada vez mais opor os setores operários que se mobilizam ao governo petista e ás direções sindicais governistas, que vão fazer de tudo para tentar impedir o desgaste de um governo que consideram seu.
Os novos pelegos da CUT e da CTB desmascarados pelos trabalhadores dos correios
As duas principais greves que ocorreram até agora no segundo semestre, a dos bancários e a greve dos correios, principalmente está última, revelaram tendências políticas que cada vez mais darão o tom de greves que tendem a ser muito mais duras no futuro.
Começam a acontecer algumas mobilizações que superam a dinâmica de greves toleráveis para a burguesia e o governo, por serem reformistas e domesticadas, e se impõe uma dinâmica mais pautada na luta de classes em que a lógica passiva das negociações é superada pelo enfrentamento classe contra classe. Isso se deu diretamente na greve nos correios (no primeiro semestre essa novidade ficou por conta das revoltas nas obras do PAC). Governo, ECT, justiça do trabalho e grande mídia se juntaram numa verdadeira “santa aliança” contra os carteiros e o conjunto dos ecetistas para impor um limite a esses trabalhadores que se recusavam a ser domesticados e deixar triunfar a privatização dos correios e a manutenção dos salários de miséria, um dos sustentáculos do crescimento econômico lulista.
O verdadeiro papel dos sindicalistas da CTB/PCdoB e CUT/PT nunca foi tão claro. Primeiro tentaram impor um acordo reacionário com a justiça e a empresa, que previa um reajuste salarial (6,57% mais R$ 80 linear) que já havia sido rechaçado mil e uma vezes pelos grevistas e além disso previa o corte de ponto e a compensação aos sábados e domingos. Os heroicos grevistas ameaçaram com uma rebelião em larga escala e obrigaram os pelegos a retroceder. Dias depois a (in)justiça do trabalho “decretou” o fim da greve e os pelegos fizeram coro, desmarcaram as assembleias, ou as fizeram ás escondidas como em São Paulo, para não terem que enfrentar a fúria da classe trabalhadora em assembleias massivas. A rebeldia demonstrada pelos trabalhadores dos correios ainda está longe de dar o tom no conjunto das greves (em bancários, por exemplo, apesar do desgaste dos pelegos, enterraram sem maiores problemas a greve), mas o enfrentamento entre trabalhadores mobilizados e direções traidoras antecipa uma imagem do futuro.
Como os revolucionários devem atuar nas greves operárias
Não se trata, para nós, de um ponto percentual a mais ou a menos a ser conquistado ou perdido na mesa de negociação. Aliás, nada de importante pode ser conquistado através de mesas de negociação (que deveriam ter um nome mais apropriado: mesas de enrolação). A questão fundamental que deve nortear nossa política para as greves é a independência de classe (na prática e não em palavras), isto é, são boas as táticas políticas que ajudam os trabalhadores a confiar apenas nas suas próprias forças, a se unificar entre efetivos e terceirizados, entre diferentes categorias, desmascarando o governo petista e a sua burocracia sindical. São ruins as táticas que levam a depositar confiança nas mesas de negociação com a patronal, na justiça, na intermediação do governo ou que reforçam as divisões que a burguesia e o sindicalismo oficial nos impõe.
Os trabalhadores quando estão em luta tem um instinto de unidade que deve ser reforçado pelos revolucionários a todo custo, devemos ter uma política voltada para o conjunto da classe e não para as “categorias” (expressão terrível imposta pelo vocabulário getulista). Em São Paulo, quando trabalhadores de base da Caixa Econômica Federal foram apoiar ativamente a greve dos correios indo ás suas assembléias, a direção do sindicato (CTB/PCdoB) ficava enlouquecida, os impedia de entrar na assembléia, mentia afirmando que estavam ali para votar. Tudo em vão. Os trabalhadores dos correios os cercavam de apoio e solidariedade, os ajudavam a furar o cerco e entrar na assembléia, os defendiam das ameças dos burocratas.
Democracia operária não é uma palavra ao vento para os revolucionários. É uma ferramenta poderosa de organização e de combate. O debate amplo de todas as questões que envolvem uma greve é a única forma de manter e ampliar a unidade do movimento, por isso a burocracia sindical é a primeira inimiga da democracia operária. Organizar os trabalhadores a partir de cada local de trabalho, impor assembléias democráticas onde todos possam se colocar, defender a organização de comitês de greve com delegados de cada setor como forma de superar a direção burocrática, são as demandas democráticas elementares pelas quais batalhamos.
Em cada greve é preciso lutar para recuperar os métodos combativos de luta da classe trabalhadora. Isso passa, inevitavelmente, pela retomada dos piquetes como organismo fundamental da greve, sem o qual é muito mais difícil impor verdadeiras perdas econômicas para a patronal, como ficou mais uma vez demonstrado nas greves dos correios e dos bancos este ano.
Como pequena liga de propaganda e ação, que ainda não consegue ter grande influência em greves nacionais como as desse segundo semestre, atuamos buscando deixar pequenos exemplos de combatividade, radicalização e democracia operária, que possam se generalizar no futuro. Na USP, acreditamos que os exemplos conquistados nas greves do Sintusp, nas mobilizações de terceirizados, são pequenas mostras de que é possível fazer palavras como democracia operária, unidade de classe, piquetes combativos, voltarem a ser armas poderosas para levar nossas lutas ã vitória e preparar os trabalhadores para os combates muito maiores que o futuro nos reserva.
31-10-2011
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