Por Claudia Cinatti, PTS
Depois de ocupar o cargo de primeiro ministro por três ocasiões durante as últimas duas décadas, Berlusconi teve que deixar o poder no dia 12 de novembro.
Logo após sua renúncia, o senado e a câmara de deputados aprovaram em tempo recorde o pacote de cortes sociais, congelamento de salário dos funcionários públicos e flexibilização do mercado de trabalho.
Dezenas de milhares de pessoas saíram ás ruas em Roma para festejar a saída e o que poderia ser o fim político do “Cavaliere”. Entretanto, Berlusconi não caiu pela ação do movimento de massas, embora seu governo fosse profundamente impopular como vimos nas múltiplas mobilizações e lutas, mas sim produto da pressão da União Européia (UE), a patronal agrupada na Confederação Geral da Indústria Italiana (Confindustria), e o FMI. A imprensa capitalista opositora e o amplo arco policlassista “antiberlusconiano” tenta criar expectativas em que seu sucessor, Mario Monti, devolverá a “seriedade” ao capitalismo italiano, presidindo um governo “neutro” ou “técnico” que permita recuperar a confiança nos mercados e reviver o anêmico crescimento econômico.
Entretanto, a pretendida “neutralidade” é uma grande mentira que mais cedo ou mais tarde ficará em evidência: Monti representa os interesses dos bancos e das grandes corporações que o colocaram no governo, inclusive melhor do que fez o próprio Berlusconi.
Uma substituição ao gosto dos capitalistas
Há muito tempo, Berlusconi perdeu a confiança da grande patronal, dos banqueiros, dos “mercados” e de seus sócios da União Européia, principalmente de Merkel e Sarkozy, que o consideravam absolutamente incapaz de levar adiante o duro ajuste econômico exigido para evitar um possível default da dívida italiana –que cresceu 120% do PBI do país, ao redor de 2 trilhões de euros - que arrastaria consigo os grandes bancos alemães e franceses e ã mesma eurozona (ver LVO 452).
Foram justamente estas forças –a patronal, os bancos, a UE e o FMI- as que precipitaram sua saída e as que hoje são a sustentação do novo governo “técnico” encabeçado por Mario Monti, um economista liberal e ex-comissário da União Européia, posto a dedo pelo presidente G. Napolitano para que preserve os interesses dos grandes capitalistas locais e europeus e descarregue a crise sobre os trabalhadores e a grande maioria da população.
Para o caso de ficar alguma duvida do caráter de servente dos interesses do grande capital do governo “técnico” de Monti, basta ver a composição de seu gabinete, integrado entre outros, por figuras provenientes das finanças e das grandes empresas, como Corrado Passera, executivo de Intesa Sanpaolo, um dos dois bancos mais poderosos do país, que estará a cargo das pastas da indústria e infra-estrutura (obra pública e transporte).
Para ocupar o cargo do governo, Monti exigiu permanecer no cargo por pelo menos um ano e meio, quando deverão ocorrer as eleições parlamentares. Necessita esse tempo para levar adiante as reformas econômicas profundas exigidas pela União Européia. No imediato, seu governo tentará implantar um pacote de austeridade que inclui o congelamento do salário dos funcionários públicos que se poderia prolongar até depois de 2014; aumento do IVA; extensão da idade para aposentadoria e uma reforma trabalhista que facilitará a demissão dos trabalhadores.
Embora os partidos políticos não participem do novo gabinete, com exceção do “socialista” G. Amato, Monti conta com o apoio de um amplo espectro que vai desde a direita berlusconiana até a centro-esquerda burguesa do Partido Democrático. Inclusive foi saudado pelo governador “esquerdista” de Puglia, Nicchi Vendola, líder do partido Esquerda, Ecologia e Liberdade (SEL sigla em italiano). Somente o ex-sócio de Berlusconi, Umberto Bossi, da ultra-direitista Liga Norte, preferiu ficar fora das negociações febris que precederam ã formação do governo. Não só a patronal e seus partidos sustentam Monti, mas também a traidora burocracia das centrais sindicais oficiais lhe deram seu apoio. Os sindicatos de base chamaram a mobilização para o início de dezembro, a imagem e semelhança da CGIL, vinculada ao PD, que não podia atuar de outra forma ante o anuncio do plano de ajuste divulgado pelo ex Comissário europeu.
Mas apesar desta aparente unidade, o governo de Monti é produto da debilidade da classe dominante.
Tendências bonapartistas
Tanto a ascensão de Monti na Itália, como a de Lucas Papademos na Grécia substituindo o ex primeiro ministro Y. Papandreu começam a marcar uma tendência para a formação de governos de “unidade nacional” ou de “técnicos” impostos pelos banqueiros, a grande patronal e os líderes da UE, Merkel e Sarkozy (que junto com o FMI e o Banco Central Europeu formam o chamado “Grupo de Frankfurt”), para responder ã crise política burguesa e lidar com o movimento de massas e levar adiante os planos de austeridade.
Na Grécia, o governo de “unidade nacional” que sucedeu Papandreu está formado pelos dois principais partidos do regime, o social-democrata PASOK e o conservador Nova Democracia e pelo partido de extrema direita LAOS, uma organização xenófoba com boas relações com a Igreja Ortodoxa. Uma das principais missões deste governo será tratar de derrotar a dura resistência que vem travando os trabalhadores, a juventude e os setores populares que nos últimos 18 meses protagonizaram mobilizações massivas e 15 greves gerais – o último de 48 horas em 19 e 20 de outubro.
No caso da Itália, foi o presidente G. Napolitano, um velho político ex militante do Partido Comunista Italiano, que nomeou Monti como senador vitalício e negociou, como representante dos interesses da UE e da patronal, a conformação do novo governo.
Esses supostos “técnicos” não são apolíticos nem neutros, senão aqueles que se elegem em função de sua capacidade para implantar medidas profundamente anti-operárias e antipopulares sem ser pressionados pela mobilização. Como explicava o revolucionário italiano A. Gramsci, “todo governo de coalizão é um grau inicial de cesarismo, que pode ou não desenvolver-se até graus mais significativos”, ou seja, uma “solução arbitraria” a uma situação na qual não decidiu ainda o enfrentamento entre as classes fundamentais.
Esta tendência bonapartista (ou cesarista) que impõe governos que se colocam por cima das contradições sociais, se desenvolve mais em crises capitalistas profundas como a que estamos vivendo, na qual se desgastam os mecanismos clássicos da democracia burguesa, como o parlamentarismo, e tende a ficar exposta a ditadura do grande capital.
Dificilmente estes governos conseguirão impor suas políticas de austeridade sem provocar uma ampla resistência e oposição dos trabalhadores e dos setores populares. Pela direita, as tendências bonapartistas das burguesias e o surgimento de variantes nacionalistas extremas, e pela esquerda, a resistência operária e popular aos planos de austeridade, como na Grécia, a emergência do fenômeno dos indignados, preanunciam o desenvolvimento de acontecimentos convulsivos. Para essa perspectiva, nos preparamos, os revolucionários.
17-11-2011
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