Ocorreu no dia 10 de novembro uma importante atividade organizada pela Juventude do Partido dos Trabalhadores Socialistas, organização irmã da LERQI na Argentina). Mais de 800 pessoas se reuniram na Faculdade de Filosofia e Letras da UBA para escutar Raúl Godoy, dirigente de Zanon, e Christian Castillo, ambos dirigentes do PTS. A ocasião era os 10 anos do controle operário de Zanon e foi parte da preparação da viagem que centenas vamos empreender no dia 18 para Neuquén, para conhecer a fábrica, confraternizar com os operários ceramistas, e participar do show de Mano Chao, a Festa de Rock sem policia que acontecerá na planta da fábrica no domingo dia 20. Também se encontrarão em Neuquén companheiros que cruzarão a Cordilheira para o encontro: jovens chilenos de nossa organização irmã, o PTR, que vem sendo protagonistas da grande luta pela educação pública e contra as heranças de Pinochet no regime chileno. Os 10 anos de Zanon foram o motivo. Mas também somente o disparador, já que ao longo de duas apaixonantes horas, Godoy e Castillo explicaram as batalhas que demos desde o PTS ao longe de uma década, junto aos operários ceramistas, nas lutas para expulsar a burocracia sindical e avançar na democracia operária, assim como lutando por uma saída operária diante do fechamento da fábrica. Mas também como Zanon não foi nunca um objetivo em si mesmo, mas uma trincheira para aportar para que o conjunto da classe trabalhadora e do povo avance, incorporando trabalhadores desempregados ã produção, coordenando-se com outros setores em luta, entre tantos outros exemplos. Castillo também explicou a tradição da qual viemos os revolucionários do PTS: o legado de Leon Trotsky, dirigente da Revolução Russa e da oposição ao stalinismo na União Soviética, tradição que permitiu ao PTS resistir nos anos 90 diante ã ofensiva capitalista e lutar pela continuidade do marxismo revolucionário, preparando a intervenção na crise de 2001, em experiências da luta de classes como Zanon, e enriquecendo as lições estratégicas que serão necessárias frente ã nova crise capitalista, para poder vencer. Nestas páginas apresentamos versões breves e editadas das intervenções, que foram precedidas por uma saudação do delegado despedido da Disco, Daniel Romero, e por uma homenagem ao companheiro Gregorio Flores.
Raúl Godoy: "Se há uma luta que merece ser feita, é a luta pela revolução”.
Hoje é uma jornada triste para todos os classistas e os revolucionários. Queremos homenagear um operário classista dos anos 70, Gregorio Flores. A melhor homenagem que lhe podemos prestar é construir o partido revolucionário para terminar com a exploração capitalista. Sempre digo que não faz sentido que os revolucionários passemos pelos sindicatos e depois sigamos tendo a mesma estrutura burocrática. Por isso no SOECN tomamos as contribuições de Mariátegui na fundação da CGT peruana e dos sindicatos anarquistas espanhóis para mudar o estatuto ceramista; hoje temos um estatuto classista, que defende a luta internacional dos trabalhadores e a rotação dos dirigentes. Temos três gerações de companheiros e companheiras ceramistas que vem se revezando na condução do sindicato e temos um grande orgulho de ter formado quadros operários. Hoje conquistamos uma bancada operária e socialista, a primeira em Neuquén onde vamos assumir Alejandro López e eu como operários eleitos e socialistas, com o mesmo método que estivemos intervindo desde o início de forma permanente em Zanon.
Internacionalismo e causa revolucionária
Quero convidá-los ao show de domingo, dia 20 em Zanon, será uma jornada pela retirada dos processos de todo os companheiros e companheiras. Além disso queremos fazer uma campanha nacional e internacional de solidariedade com os estudantes chilenos que lutam pela educação pública e em repúdio ao assassinato de um estudante no México. Como sempre fazemos, tomando não somente as demandas dos operários de Zanon mas também as bandeiras de luta dos companheiros e companheiras que lutam em todo o mundo.
Nesses dias nos temos colocado em contato com o companheiro Manu Georget, integrante de nossa corrente internacional que tem travado uma dura luta na França. É um companheiro demitido da Philips, onde fizeram uma experiência de controle operário durante dez dias. E para além dos dez dias onde se tomou o céu por assalto ou os dez anos que lutamos em Zanon, o que nos une e o que é mais importante tanto na França como aqui é que ambos abraçamos a causa da revolução, que lutamos pela causa revolucionária. É isso o que tem futuro. Zanon não caiu do céu. Quando começava esse processo me lembro que lia um livro que se chama “História do trotskismo norte-americano” de James Cannon, no qual conta a história do SWP, um pequeno partido dos anos 30 fundado por um grupo de trotskistas. Cannon era um operário trotskista nos EUA que em Minneapolis havia feito uma primeira experiência. Eram um núcleo pequeno de revolucionários, e me lembro que eu estava começando a pensar os problemas de Zanon e via como eles foram se organizando no movimento operário. Como nas greves formavam comissões de mulheres, comissão de imprensa, e foi a primeira coisa que começamos a fazer em Zanon: comissão de mulheres, comissão de imprensa, comissão de segurança, o que vai dar depois as bases dos comitês de autodefesa que fizemos para defender a fábrica.
Tudo isso não inventamos em Zanon. Foi parte de ir tomando elementos da tradição operária a qual muitos deram suas vidas. Me lembrava de toda essa experiência dos trotskistas norte americanos nos anos 30; estavam em meio a essas greves fundando essa corrente e cada vez que queriam fazer um ato vinham os stalinistas para lhes encher de porrada. Os trotskistas não só estavam perseguidos pelos fascistas e os governos imperialistas, mas também pelos stalinistas que defendiam essa degeneração que fizeram do Estado operário soviético.
Nossas forças e convicções não advêm de sermos parte do sindicalismo de base. Nossa força e moral advêm dos trotskistas que souberam se levantar, de Trotsky, quem junto a Lenin dirigiu a maior revolução da história, que se levanta contra a burocracia do mesmo Estado, que é perseguido, assassinado, que lhe matam os filhos, e prendem milhares de trotskistas. Em um momento um companheiro perguntou por que fracassou a URSS.
Temos que explicar então que somos parte da corrente que resistiu ã burocratização, da corrente de Trotsky – que criou um exército de cinco milhões de operários e camponeses que enfrentou 14 exércitos imperialistas -, que não triunfou por milhares de condições, sobretudo porque não se seguiu desenvolvendo a revolução a nível internacional; mas Trotsky jamais baixou uma só de suas bandeiras, e lutou até o último de seus dias para construir uma organização revolucionária. Essas são as bases que nos alimentam ante as adversidades. Saber que somos parte de uma corrente que têm essa tradição.
“Não queremos ser apenas mais um partido de esquerda”
Não queremos ser apenas mais um partido de esquerda, mas sim uma corrente que se tenciona para construir-se tomando o melhor da experiência, e poder trabalhar de forma aberta com companheiros independentes que durante anos diziam “bom, até aqui está bem”, e agora temos dado passos importantes e temos apresentado a discussão da necessidade de construir um partido revolucionário. O fio de continuidade que temos tido em Zanon durante esses anos tem sido o fio de consciência de classe expressa até o final. O kirchnerismo quebrou em forma transversal a maioria das organizações, houve crises nas organizações de direitos humanos, partidos políticos, sindicatos e corpos de delegados como o do Subte [metrô de Buenos Aires]], que com tanta luta foram fracionados ao meio pelo kirchnerismo, sindicatos como ATEN divididos ao meio. Em Zanon não puderam dividir-nos porque há democracia direta, porque há liberdade de tendências, e porque há anos temos nos educado na independência de classe.
A defesa da fábrica não foi um tema menor. Não ter ilusões de que o Estado não vá nos reprimir; eu tenho outras causas judiciais, duas causas provinciais e uma federal, e temos 47 companheiros – 10% do sindicato ceramista – processados por lutar. Sempre reivindicamos o legítimo direito que temos nós, trabalhadores ã autodefesa e a defesa de nossa fábrica. Desde esse ponto de vista, não foi somente a defesa política de nos entocar dentro da fábrica, mas que tinha muito a ver com a política a levar adiante, os laços com a comunidade, o trabalho nas escolas. Em um momento de ameaça ã Zanon, estando na condução de ATEN Capital ã chapa Rosa – com a qual temos diferenças – os companheiros discutiram em assembleia, e todos os professores nos cadernos de seus alunos mandaram uma nota dizendo porque no dia 8 de abril iam defender Zanon, e por que todos deviam defender Zanon.
Imaginem milhares de crianças chegando ás suas casas com uma nota no caderno onde o professor se pronunciava pela defesa de Zanon. Havíamos fundado a Coordinadora del Alto Valle, e a agrupação Rosa estava nessa coordenadora a qual havíamos nos juntado no sindicato ceramista, as comissões internas do sindicato, junto com o MTD, o Teresa Vive, os companheiros do Polo Obrero não quiseram entrar, mas foram outras organizações, comissões internas e corpos de delegados. Os trabalhadores e a junta interna do Castro Rendón; aprovaram uma declaração que dizia que se havia desalojamento e repressão em Zanon, a junta interna chamava os hospitais a não atender nenhum policial ferido. Foi então que subimos em uma mesa e dizemos “temos que fazer comitês de autodefesa”. Inclusive nas primeiras marchas alguns tomamos tiros de bala de borracha e muitos companheiros se negavam, mas a mesma experiência lhes ensinou. Isso tem a ver com a convicção de que a consciência dos trabalhadores, como dizia Trotsky, não é feita com o mesmo material que as vias do trem, não é uma coisa dura e inquebrantável. Companheiros que eram terríveis alcagüetes se transformaram em ativistas que levavam a gestão operária adiante. Foi impressionante esse giro. Isso tem a ver com a convicção, com que o programa não é simplesmente para declamar, temos que lutar por ele, fazê-lo carne. Esta é a chave pra nós militantes.
Organização e conspiração
Para fazer as primeiras assembléias em Zanon tivemos que achar um jeito, e isso também é parte de ser um revolucionário, de não parar diante dos obstáculos. Se as coisas não acontecem é por responsabilidade nossa; na primeira assembleia as pessoas não iam porque tinham medo. Então aproveitamos o horário do descanso, a patronal colocou televisão ã cabo, então a situação já se colocava um pouquinho mais violenta porque íamos e desligávamos a TV. Tínhamos que esperar nos dias que tinha programas mais de besteria, e assim, de pouco em pouco, começamos a utilizar essa meia-hora, que depois se transformou porque o tempo não dava. Não podia ir a discutir por que se armavam terríveis discussões e os chefes, encarregados, estavam lá, então queimava o companheiro ou aquele que se aproximavam de nossas idéias. Então começamos a fazer campeonatos de futebol. Os porta-vozes eram os delegados da comissão interna e desde fora do gramado gritavam “quebra este pelego porque ele não vai nas assembléias”. Eram espaços onde podíamos conversar, e no terceiro tempo, onde os trabalhadores poderiam parar e conversar, essas conversas aconteciam. Era difícil fazer um corpo de delegados de fábrica. Era o campeonato, uma equipe por setor, e cada equipe nomeava um delegado. Desse corpo de delegados metade servia, mas já tinha com quem dialogar, e à quele que não se animava e despontava aí dizíamos, “ô, elejam outro delegado por que este não está bom”, e assim íamos elegendo companheiros melhores, isso foi gerando uma boa organização.
As primeiras paralizações começamos a fazer como comissão interna, eram paralizações chamadas por Moyano e o MTA, então vinha alguém e dizia “vão fazer a paralisação chamada por Moyano e pela CGT”, e nós dizíamos que íamos levantar nossas próprias reivindicações. Então começamos uma prática, a de votar as paralisações, e então votavam as paralisações e cem não iamos trabalhar, mas entravam todos. Então demos uma volta no parafuso: votamos que a paralisação tinham que ser garantidas, e aí começamos a fazer as primeiras paralisações com piquetes. No horizonte sabíamos que era preciso começar a forjar uma camada que bancasse lutas muito mais duras. Assim, quando começaram a vir as parte mais duras de Zanon tínhamos essas experiências, onde muitos companheiros abraçaram a militância operária.
Havia um companheiro que sempre íamos ver para que se juntasse a nós, Juan Orellana. Ele dizia que não queria saber de nada com o sindicato e a comissão interna, e nós dizíamos que queríamos organizar o campeonato de futebol e colocar de pé um clube operário ceramista que tenha biblioteca, organizar coisas de futebol, dar aulas de apoio para as crianças. E ele nos respondeu que nessa sim se colocava, e depois acabou sendo parte da comissão interna, e um dos ativistas mais reconhecidos da fábrica. Seu envolvimento não teve a ver tanto com o sindical, mas sim com o ideológico, com o político, com o social. Desde este ponto de vista, abrir as redes neste caminho de ir lutando pela organização em cada um dos lugares, mas sabendo que temos uma identidade comum, um horizonte comum que é pela libertação de todos trabalhadores e todos os oprimidos, em última instancia contra a origem de todos nossos males, o sistema capitalista.
Não se começa a escrever a história quando você entra nela
Agora não é necessário fazer uma partida de futebol para poder falar. Hoje a esquerda trotskista ganhou um lugar. Zanon se não serve como trincheira, se não serve para fazer algo mais profundo, não tem sentido. O mais profundo de Zanon, não é o que se conquistou: nem a lei de expropriação, nem a cooperativa, nem a gestão operária. O mais importante é uma série de quadros operários e revolucionários com os quais temos avançado em colocar de pé um projeto e aportar em um sindicalismo de base que faz o jornal Nossa Luta (Nuestra Lucha), onde tendemos a criar uma corrente política nacional, essa é a discussão que temos hoje para criar um partido revolucionário de nossa classe junto a operários e estudantes. O que quero valorizar e deixar como mensagem é isso. Não existe lugar que nos esteja negado em termos absolutos. Em Zanon depois de três ou quatro anos onde não se podia sequer falar, o que me manteve na fábrica foi a profunda confiança em nossa classe.
Começávamos a construir e mandavam embora a metade. Não foi um caminho de rosas, mas fomos amadurecendo. Por isso é importante se comparar com fenômenos históricos maiores do que o seu. A história não começa quando alguém liga a televisão, nem começa a ser escrita quando alguém se enfia nela. Temos que aprender da tradição. E se para algo queremos firmar uma tradição não é para fazer sindicalismo e ganhar mais nas negociações, ou ter melhores xerox [nos centros de estudantes], ou agora ter um parlamentar, mas sim para desenvolver uma corrente a altura das circunstâncias da crise que está por vir. Cristina disse que era muito fácil ser revolucionário na Argentina. Que falem isso a Mariano Ferreyra, Kosteki e Santillán, aos mais de 5000 companheiros processados por lutar, a Oñate que está preso em Santa Cruz, a Oliveira preso na província de Buenos Aires. Não sei o que vai acontecer amanha com Zanon, pode continuar ou não. Mas o que sim sei é que existem companheiros e companheiras que abraçaram a causa da revolução e que vão lutar por ela!
Desde já vamos seguir lutando para que Zanon continue, recriando-se e recriando tendências. Mas vieram em nosso auxílio os companheiros de Kraft, que também estão escrevendo essa história, de PepsiCo, do Astillero, mas também dentro desta juventude revolucionária que começa a se colocar de pé. Uma semente fundamental. Não há partido revolucionário sem uma juventude que se orgulhe de ser revolucionária. Estamos dando um passo pequeno mas muito importante. Pequeno em função do desafio histórico que temos adiante, mas estamos fundando essa corrente que tem uma tradição, que tem história, e que tem pequenas trincheiras de luta como Zanon, que estão a disposição para poder ir por mais.
No dia 19 de novembro vamos abrir as portas da fábrica e receber as delegações, reservamos um camping, vai ter um projeto e uma aparelhagem de som, queremos fazer palestras, andar pela fábrica. Queremos compartilhar com vocês esta luta pela revolução, pela libertação definitiva desse sistema de escravidão.
Para finalizar: Eduardo Galeano doou uma parte de seus textos que começa com um seu, para que façamos um livro de cerâmica, um livro que se chama “Janelas” (“Ventanas”), que são textos de Galeano feitos em cerâmica para Zanon sob controle operário, e eu quero entregá-lo para o companheiro Santiago, presidente do Centro de Filosofia e Letras.
Raul Godoy, operário de Zanon e dirigente nacional do PTS, recentemente eleito deputado estadual pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores.
Christian Castillo: "A importância da tradição revolucionária”
Com Raul somos parte de uma geração comum. Ele tinha 22 anos e eu 21 quando fomos parte da tendência e logo depois da fração que foi expulsa do MAS. Então era o maior partido da esquerda junto ao Partido Comunista. Com centro na juventude da UBA, La Plata, onde veio junto de nós a maioria do núcleo do Estaleiro Santiago, e com alguns companheiros dirigentes e de mais tradição como Emílio de Albamonte, Titin Moreira e outros; demos uma luta no MAS que estava tendo um curso cada vez mais oportunista. Em um momento muito difícil retomamos a tarefa de reorientar nossa militância, retomar o ponto de vista do trotskismo que a direção do MAS estava abandonando. Depois, chegamos ã conclusão de que não era simplesmente a direção do MAS nesse momento mas que toda a corrente da qual vínhamos, o morenismo (a corrente fundada por Nahuel Moreno), estava baseada em uma teoria incorreta, uma revisão oportunista dos apontamentos de Trotsky no que diz respeito ã teoria da revolução permanente. Então fizemos uma crítica de nossa própria experiência história, em um momento difícil, porque tivemos que fazer não quando o movimento operário estava em ascenso, mas em um dos momentos mais difíceis da historia do movimento revolucionário. Porque os levantamentos de 1989 não culminaram em uma revolução política que varresse a burocracia, que regenerasse os Estados operários e abrisse um curso ã revolução mundial. Foi o contrário, um novo apertar na porca neoliberal. O livro de Francis Fukuyama, “O fim da história e o último homem” era um best-seller mundial no início dos anos 90. Esse era o espírito da época, onde se dizia que as idéias pelas quais lutávamos havia se tornado anacrônicas. Milhões no mundo se desencantavam de toda idéia de luta pelo socialismo e pela revolução. Milhares e milhares com os quais havíamos compartilhado a militância no MAS abandonaram a política. E a maioria dos que continuaram militando renegavam a tradição do trotskismo.
Nós, entretanto, fomos re-estudar, re-elaborar, nos baseando em grande parte em toda uma geração que sabia combater contra o stalinismo. Tratamos de retomar o fio de continuidade com a luta do marxismo revolucionário, a daqueles que tinham vivido numa época de reação pior do que a nossa. A época em que viveu Trotsky, na década de 30 é a da contra-revolução stalinista e a do ascenso do fascismo, onde os revolucionários foram parar na cadeia, se enfrentaram com o fascismo e a polícia secreta de Stalin. Onde se dá a operação de um Estado e uma burocracia para quebrar a vontade dos revolucionários, e no entanto, um setor se mantém e persiste, e trata de intervir nos enfrentamentos entre a revolução e a contra-revolução que ocorreram nesses anos, como a guerra civil espanhola.
O bolchevismo na resistência
Trotsky não era uma personalidade isolada, mas uma referência maior de todo um conjunto de lutadores comunistas que enfrentou a burocratização e o stalinismo. Um deles foi o dirigente georgiano Kote Tsintsadze. Em 1928, na cadeia de Stalin, Tsintsadze escrevia a Trotsky: “muitos de nossos camaradas e amigos se viram obrigados a terminar sua existência na cadeia ou no exílio. Entretanto, em última instância isto servirá para enriquecer a história revolucionária. Novas gerações aprenderão a lição. A juventude bolchevique, aprendendo os ensinamentos da luta da oposição bolchevique contra a ala oportunista do partido compreenderá onde está a verdade.” E Trotsky diz: “os partidos comunistas do Ocidente ainda não forjaram combatentes da grandeza de Tsintsadze. Esta é sua grande fraqueza. E ainda que razões históricas determinam isto [porque haviam participado de todo o processo leva ã vitória da revolução de outubro] não deixa de ser uma fraqueza. A oposição de esquerda dos países ocidentais não é uma exceção e deve ter plena consciência disto. O exemplo de Tsintsadze pode e deve servir de ensinamento e sobretudo para a juventude da Oposição. Tsintsadze foi a viva negação do arrivismo político, o que significa a tendência a sacrificar os princípios, idéias e objetivos da causa a seus fins pessoais. Isto de nenhuma maneira se contrapõe ã saudável ambição revolucionária. Não. A ambição política cumpre um grande papel na luta. Mas, revolucionário é aquele que subordina totalmente sua ambição pessoa ao grande ideal, aquele que se submete e faz parte deste ideal. Durante toda sua vida e no momento de sua morte Tsintsadze repudiou sem misericórdia o paquerar com as idéias e a atitudes diletante a estes ideais por vantagens pessoais. Sua ambição foi a inquebrantável lealdade revolucionária. Que sirva de lição para a juventude proletária.”
Para nós, ler estas questões nos inspirou para lutar nos anos 90. Nosso partido teve o mérito, frente ao giro ã direita, ã desmoralização e ao oportunismo da maioria da esquerda de marcar um caminha a ser seguido: retomar o programa do trotskismo e colocar uma estratégia a partir da qual lutar. Neste sentido, Zanon não é um ponto de chegada. Me lembro de ter viajado a Neuquén no ano de 95, em meio ã campanha pela liberdade de Horácio Panario, e que Raul me contava que na fábrica “está difícil, a burocracia te controla, a patronal, os ritmos de trabalho são terríveis”. Neste momento ao mesmo tempo em que tratávamos de nos meter no movimento operário, dávamos uma enorme luta contra o senso comum que era contra qualquer tipo de militância política, contra qualquer futuro do marxismo. Floresciam as teorias sobre o adeus ao proletariado. Demos uma batalha teórica, política e prática contra a corrente dominante.
Os 90 foram um salto brutal rumo ao individualismo que colocava que o que fizeram os Kote Tsintsadze, a resistência de Trotsky não teve nenhum sentido e que a luta de gerações de revolucionários deveria ser legada ao esquecimento. Lembro-me de escrever uma polêmica com Tony Negri que dizia que “150 anos do movimento operário devem ser jogados fora, devem ser deixados de lado”. Justamente o que temos que entender é que não, que a história do movimento operário e socialista não começa conosco. Ter compreendido isto nos permitiu sentir que nesta luta que dávamos contra a corrente, tratávamos também de manter viva a experiência das revoluções de 1848, da Comuna de Paris, da Revolução Russa, da luta em defesa da herança da Revolução Russa, inclusive buscando ver o quê, de todas as correntes trotskistas com as quais não concordávamos, se, no entanto, não tinham feito algum aporte à luta revolucionária. Desta forma formos armando uma estratégia e uma convicção profunda: se não conseguimos entrar no movimento operário nossas idéias não iam se tornar força material.
Tomamos uma posição de Gramsci, que dizia que a história de um partido pode ser medida pelo que ele aporte ã classe operária. Com esta convicção que um companheiro como Raúl entrou em Zanon e começou um trabalho clandestino e paciente em uma época difícil. Neste sentido 2001 e Zanon foi uma encruzilhada para nosso partido. Porque se tratava de colocar ã prova parte do que tínhamos elaborado e teorizado. Os companheiros que militavam em Zanon firmaram na Coordenadora do Alto Vale a idéia de que se deve avançar na coordenação operária e preparar algo similar aos conselhos operário quando havia ascenso. Dizíamos “deve-se preparar todas as frações da classe operária para fazer um grande pólo combativo de luta para intervir, e ver se isto se generaliza em nível nacional”.
Raúl contou, mas faltou ele dizer que quando dizíamos que todas as tendências de desempregados entrassem em Zanon nos olhavam e diziam: “olha estes caras do PTS são uns ingênuos, colocam 80 pessoas de movimentos de desempregados que entram lá para falar mal do PTS”. E nós não fazíamos isto ingenuamente, ao contrário pensamos no que isto podia ajudar na luta de Zanon e de todos os trabalhadores. E fazíamos pelas duas coisas. Primeiro porque essencialmente os trabalhadores em Neuquén nas fábricas estavam sob influência do MPN, então que entrassem companheiros de esquerda ajudava a politizar. E além disto a batalha que tinha que ser dada para unir a classe trabalhadora e romper os preconceitos sobre os desempregados. Quando na sociedade já começava a estigmatização dos piqueteiros, quando todo o clima levava ao massacre da Ponte Pueyrredón, realizado pelo governo Duhalde, nos dizíamos “o Sindicato Ceramista vai dar o sinal contrário, os piqueteiros são nossos irmãos de classes e os primeiros postos de trabalho são para os companheiros”. E além disto temos um desafio: se as idéias deles [dos que entravam na fábrica] forem melhores ganharão a maioria, se as nossas forem melhores nós os convenceremos. Assim, de todas as tendências construímos nossas fileiras do PTS em Zanon. Acho que foi um método correto, porque mostra que com nossas idéias e se existe democracia proletária podemos convencer.
Isto nos ajudou muitíssimo para que avançasse a consciência dos operários de Zanon justo em um momento onde o clima de 2001 era contrário a partidos políticos, era um clima autonomista. E o autonomismo foi, em grande medida, uma expressão na esquerda da contra-revolução neoliberal, da exacerbação do individualismo. Nós, ao contrário, nos sentimos como parte de um grupo de trabalho coletivo, onde nossas idéias individuais são pequenos aportes que fazemos a um trabalho revolucionário comum. Isto é parte do que temos que transmitir a muitos companheiros que hoje começam sua militância revolucionária. Como personalidades, como geração, não nos tocou viver nas circunstâncias de um Kote Tsintsadze que passou pelas prisões do czarismo, viveu a revolução de 1905, o exílio, organizou lutas clandestinas, depois de 17 conheceu as prisões de Stalin e se manteve inquebrantável. Nos tocou um tempo anti-heróico, onde muito da militância quebrou, não pelas prisões mas simplesmente com o consumo do neoliberalismo ou, se quisermos, se desmoralizou pela perspectiva que não ocorreriam mais revoluções e o capitalismo duraria para sempre.
Se Trotsky dizia que os partidos comunistas do Ocidente não tinham um Kote Tsintsadze, nós também não tínhamos ainda. Mas as condições históricas que começamos a viver darão possivelmente a um Kote Tsintsadze. De alguma maneira nós viemos desempenhando o papel de transmissão de experiências revolucionárias, de continuidade do trotskismo que é o que nos permitiu militar sem ceder ao que ocorria ã maioria de nossa geração. E esta resistência ás idéias dominantes depois deu a moral para que muitos companheiros entrassem no movimento operário.
Se falamos de 2001 também falamos de um debate que tivemos sobre a falta de entrada em cena do proletariado empregado neste cenário histórico, salvo exceção das fábricas ocupadas e da fração desempregada da classe trabalhadora. Era uma fraqueza deste processo. Com tudo de progressista que teve, 2001 tinha enormes limites, não era a grande oportunidade da esquerda como nos falavam. Não só falávamos isto, tratávamos de mudar os acontecimentos, de empurrar o movimento de fábricas ocupadas para que, a partir daí aglutinássemos a luta do conjunto dos explorados. Tivemos uma política para que a classe operária tivesse hegemonia, para que se articulasse, se organizasse e dirigisse esta luta. Não havia praticamente uma fábrica com delegados de esquerda e anti-burocráticos. O Sindicato Ceramista era uma exceção. O ataque capitalista dos anos 90 tinha varrido do proletariado industrial todos de esquerda. Então foi fraco o que pudemos fazer. Porque as grandes transformações históricas precisam de duas questões. Uma é a tendência das massas a se levantarem, a questionar a exploração. A história, não a mudamos sozinhos. Ou seja em 2001 havia uma tendência de setores da classe trabalhadora a ocupar as fábricas, foram ocupadas 200 fábricas. Mas se nestas lutas não existe uma organização revolucionária para orientá-las, estas lutas são contidas, derrotadas ou degradadas. Das 200 fábricas recuperadas em 2001 Zanon é uma exceção. No resto das fábricas não havia revolucionários como Raul e outros que lutavam contra a tendência espontânea dos trabalhadores querem se preservar como cooperativas, de não se ligar aos desempregados, de não lutar para organizar o movimento operário em nível nacional. Ou a lutar para ganhar a hegemonia em todos os setores populares. Zanon foi Zanon porque havia revolucionários batalhando dentro da fábrica e confluíram com a tendência à luta do movimento operário, e puderam moldar uma vanguarda lutadora. Uma geração de operários lutadores que são reconhecidos como operários classistas.
Esta trincheira é um enorme incentivo para enfrentar a crise capitalista. Pensem na Grécia, na Espanha, na França, este grande exemplo da Argentina como pode se tornar massivo. Há uma resposta proletária frente aos fechamentos capitalistas, que é ocupar e colocar para produzir. Se a crise começar a golpear aqui, Zanon é um exemplo de que se fecham fábricas que voltem as ocupações de fábricas.
Esta mesma experiência ajudou a que depois, com convicções, outros companheiros comecem a intervir no desenvolvimento de lutas anti-burocráticas. Que também é um processo que em parte se ocorrer por si só, se não houver militância consciente, se esgota. Porque a burocracia te persegue, te delata para a patronal ou te compra. Isto nos permitiu aumentar nossa presença no movimento operário e ter um lugar muito destacado neste fenômeno do sindicalismo de base.
“Nova esquerda” e revolução
O que vimos a esquerda mundial fazer frente a este retrocesso? Buscar atalhos, formas de querer transcender sem tentar ganhar a vanguarda operária. Isto virou multidão na esquerda, ou, senão, seitas estéreis que não servem para a luta de classes, incapazes de penetrar no proletariado, de ganhar a confiança dos companheiros, e sem isto não há possibilidades de ser revolucionário. Do outro lado, gente que no primeiro ventinho abandona todo princípio...as “novas esquerdas” que surgiram e que hoje estão na decadência em todo o mundo. Os que em 2001 se apaixonaram com o movimento anti-globalização e com o autonomismo e disseram “não, não há porque fazer um partido, basta a espontaneidade das massas”, depois viraram muitos deles kirchneristas em nosso país: de autonomistas a kirchneristas.
Nós batalhamos contra o autonomismo porque ele é um gosto que fica na boca do individualismo que o neoliberalismo trouxe. É um resultado da derrota do proletariado, de querer ver que a tarefa de mudar o mundo como ela é complexa e ás vezes ocorrem derrotas e ás vezes as revoluções se burocratizam então deveriam evitar as revoluções, abandonar toda reflexão de estratégia revolucionária. Por isto é uma tentativa de um atalho. É acreditar que não é inevitável lutar pelo poder do Estado, ou que a luta pelo poder do Estado não requer um partido revolucionário. Mas nenhuma revolução ocorreu sem algum tipo de direção a sua frente. Depende de estratégia, de programa, da perspectiva desta direção também depende para onde vai esta revolução. Isto não significa que esta direção não possa se tornar o contrário: foi o que vimos no partido mais revolucionário da história, o Partido Bolchevique, que se burocratizou. Mas uma minoria resistiu e nos permite a nós sermos trotskistas. Sem a luta de Trotsky, de Kote Tsintsadze o que ficaria do marxismo. Nada! O marxismo existe hoje como alternativa porque houve o trotskismo...senão o que ele seria? Stalin? O Gulag? Nos reivindicarmos da tradição do trotskismo significa manter viva esta luta histórica do movimento operário por sua emancipação.
Um destacamento avançado da classe trabalhadora
Zanon foi uma prova importante. Tratamos de que seja uma lição para o conjunto do movimento operário, não pela gestão da fábrica mas por ser um setor consciente do movimento operário, que não é corporativista, que trata de dar ao movimento uma orientação para cunhar a unidade da classe operária, para que conquiste hegemonia sobre os setores explorados e para que os operários se organizem politicamente e avancem para construir seu próprio partido.
A leitura que fazemos a partir de Zanon é desde aí, pela fábrica viva como um exemplo e pela experiência de luta que temos desenvolvido, os trotskistas, junto a outros companheiros e que nos permite chegar hoje a outro cenário.
Aqui tem companheiros que começaram a militar no partido, na juventude, em distintos momentos, alguns entraram na grande luta de Kraft, alguns estão se aproximando hoje de nossas idéias, mas talvez agora estamos entrando em novo momento de uma encruzilhada histórica. Hoje temos uma crise capitalista internacional de magnitude histórica, onde o capital está mal, mas está acontecendo uma brutal ofensiva contra o movimento operário em todo o mundo, que se lança nas ruas de Atenas, de Roma, de Madrid, de Barcelona, de Londres, de Santiago do Chile e também aqui, ainda que todavia prime a passividade nas massas de nosso país.
Temos que ser consciente de que estamos nesta luta, como um destacamento avançado da classe operária, que tem uma estratégia e que sabe que se não se avança em cada momento para construir uma organização revolucionária, nos momentos chaves vão passar por cima da gente. Talvez vocês estejam em um momento mas privilegiado que o nosso, porque veremos lutas de maior envergadura. Privilegiado desde o ponto de vista revolucionário significa um cenário de enfretamentos mais agudos, possivelmente ser mais vezes colocados na prisão, tem mais companheiros que tombem, aguentar coisas mais duras, essa é a militância revolucionária! É enfrentar o inimigo de classe nos baseando em quem veio antes de nós; essa é nossa tradição. Vocês talvez irão protagonizar parte desta luta. E venceremos ou seremos derrotados, mas nos preparamos para vencer, não somente em uma greve especifica, mas para que a nova investida da classe operária argentina, possa desta vez expropriar nossos expropriadores, consumar a vingança história frente ás patronais genocidas de 1976.
Avançar para construir uma grande força militante
É preciso ser conscientes de que estamos em uma grande ofensiva contra o movimento operário. Se não avançamos agora em construir uma forte base militante, partindo de que temos muitas vantagens em relação ao momento anterior, estaremos desaproveitando uma importante oportunidade. Temos muitas pessoas que nos respeitam muito mais, que estão dispostas a nos escutar, conquistamos uma grande legitimidade e uma enorme visibilidade política. Mas isso que conseguimos participando nas eleições não é para esperar dois anos, para ver si vamos ter um deputado, é para utilizar agora esse capital político para falar com aqueles que votaram e nós e dizer: “é preciso militar agora, porque agora se joga uma grande batalha a nível internacional, entre a burguesia e o movimento de massas”.
Como trotskistas em um dos países de relevância do trotskismo, temo suma responsabilidade e nós nos medidos assim, como militantes revolucionários internacionalistas que temos que ajudar a forjar uma tradição na luta de classes, com o combate teórico, ideológico, político, remarcando que nos sentimos parte de uma tradição revolucionária, para tratar modestamente, de dar continuidade à luta que deram os Kote Tsintsadze, os Trotsky, os Rakovski, se defendendo e combatendo valentemente nos cárceres do stalinismo, os que quando iam ser fuzilados cantavam a Internacional nos campos de concentração de Vorkuta e Verkhneuralsk.
Nós temos a obrigação de transmitir essa perspectiva histórica. Não podemos acabar mais do que convidando vocês a somar-se a essa equipe revolucionário de luta. Como dizia Marx, o capital perverte tudo, ainda as coisas mais belas. Então a luta é contra esse sistema, para subvertê-lo, para nos fundir com as massas quando se levantarem em luta.
Não é como diz a ideologia burguesa, que não é possível mudar o mundo porque somos todos egoístas. Como diziam os escravistas, como vão ser todos livres? Ou, no feudalismo, como não vai haver senhores e servos se Deus criou o mundo assim? E no capitalismo nos dizem o mesmo, como vai mudar a sociedade? “Não, mas se mudam vai ter uma série de problemas”. Eu me imaginava na revolução francesa, aos que assim pensavam dizendo: “acabar com a aristocracia, não, vai trazer um monte de problemas”... Sim, de fato, a revolução traz problemas, mas são problemas com os quais queremos lidar, problemas distintos dessa sociedade que busca se reproduzir a si mesma e criar a idéia de que não podemos cumprir um papel para transformar esta sociedade e abrir o caminho para outra civilização. Porque a civilização contra a qual lutamos já sabemos. O capitalismo pode sobreviver ou ainda se converter numa sociedade ainda mais escravista do que é o capitalismo atual. Da crise dos anos 30 saiu com a II guerra mundial, o nazismo, o genocídio de seis milhões de pessoas e numerosos crimes de guerra também cometidos pelos Aliados. Não sei como o capital vai responder a isso. No entanto, não temos visto grupos fascistas, mas a crise capitalista leva para que haja “fachos” uma vez que do outro lado há a revolução. E para isso é melhor se estivermos preparados, com militância, com a maior força militante.
Existem centenas de jovens, que de algum modo estão inquietos com esta sociedade, que dão passos ã esquerda, que votaram na Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, e isso é um primeiro passo. Como esses jovens temos que ir conversar, e soma-los a esta perspectiva para acabar com a exploração capitalista, construindo um partido e uma juventude revolucionários.
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