Uma das três classificadoras de crédito mais importantes, a agência anglo-saxônica Moody’s, ameaçou rebaixar a nota de 87 entidades bancárias de 15 países da União Europeia. Os títulos públicos da dívida italiana pagarão, para conseguir crédito no mercado, uma taxa de interesse mais elevada que as que pagavam Grécia, Portugal ou Irlanda quando foram “resgatadas”. Portugal pagou uma taxa de interesse que quase duplica aquelas cifras. A União Europeia marcha a uma nova cúpula no próximo dia 9, após haver descumprido as promessas de instâncias similares anteriores. O FMI deixou sair um anúncio, logo desmentido, segundo o qual aportaria 600 bilhões de dólares para evitar o colapso da economia italiana, a terceira da eurozona. Recentemente o Banco Central dos EUA (FED), o Banco Central Europeu (BCE) e os bancos centrais da Inglaterra, Japão, Canadá e Suíça anunciaram uma ação coordenada para garantir liquidez ao sistema financeiro global. As bolsas dos principais centros econômicos do mundo se encontram em um constante oscilação prelúdio dos grandes estouros.
Não é só a Europa...
O foco mais candente da crise se encontra, sem dúvidas, na zona do euro e Europa, que já entrou na situação de leve recessão. Contudo, a economia dos Estados Unidos está crescendo a um escasso 1,7% (frente ao já muito baixo 2,5% esperado, insuficiente para absorver o nível de desemprego e dar resposta ás tensões da economia mundial), vários de seus principais bancos estão em estado crítico, enfrentando quebras como a recente do American Airlines, além de novas ameaças das classificadoras de lhes rebaixar a nota frente ao fracasso da Comissão do Capitolio para acordar cortes no orçamento para os próximos anos. As tendências recessivas e a crise profunda da zona do euro e Europa assim como a extrema debilidade da recuperação dos Estados Unidos já fizeram declinar as exportações da China para esses países. Como consequência disso, começou a desacelerar o crescimento do Produto Industrial Bruto chinês, questão que, apesar do crescimento continuar sendo alto (9,5% contra 10,2 de 2010), aponta sérios problemas no médio prazo.
As desigualdades que em 2010 tenderam a combinar-se de forma “virtuosa” para o capital, ameaçam agora combinar-se de forma “viciada”, colocando em cena os verdadeiros limites do chamado “desacoplamento”. O método apontado por Leon Trotsky, ao qual recorremos, que indica analisar as tendências da economia não só pelos indicadores econômicos, mas também levando em conta as relações entre os Estados, ainda que em uma situação muito distinta daquela dos anos 20, tem se demonstrado correto novamente, contra todos aqueles que há menos de um ano se apressaram em dar por terminada a crise.
Alemanha e a cúpula da União Europeia
É neste contexto geral que devemos interpretar a crítica situação da Europa e da zona do euro. Após viver a década anterior ã custa dos países mais débeis da eurozona, a Alemanha agora os condena ã mais profunda recessão, juntamente ã sua recusa (até agora) em implementar um plano de “eurobônus” e o veto a uma intervenção massiva do Banco Central Europeu, preparando um cenário que combinado com a debilidade dos Estados Unidos e a reduzida capacidade da China para absorver importações, estaria abrindo as portas para um colapso da própria Alemanha junto a seu pátio traseiro. Frente a essa tormenta que se pré-anuncia em um horizonte próximo, se desenvolvem intensas negociações que, sem estar muito claras, pressupõem o intento de avançar em um plano de união fiscal dos países mais fortes da zona (todos os que têm classificação triplo A).
Esta união, que implicaria não somente a continuidade dos brutais ajustes sobre os países mais vulneráveis, senão também redobrar o ajuste sobre os países mais “fortes”, abriria de vez as portas a algum tipo de ação conjunta e provavelmente algum tipo de formato de “eurobônus” que emitido entre os “fortes” evitaria o custo que Alemanha se nega a pagar, de ver suas taxas de juros aumentarem por absorver aos “débeis” em um bônus comum. Na medida em que se criaria junto ã união monetária, a união fiscal de certa quantidade de países, permitiria colocar em iguais condições o Banco Central Europeu e os demais bancos centrais ante possíveis corridas. Os bancos centrais dos distintos países têm detrás seus tesouros, mas o BCE não. Uma União Fiscal entre os países mais fortes permitiria que as economias dos países classificados com o “triplo A” respondam pelo BCE sem gerar uma corrida contra. Aparentemente a questão da união fiscal é um elemento chave que Merkel está buscando resolver mediante tratados bilaterais, questão que eximiria a necessidade de um acordo ente os 27 países da UE para modificar o Tratado de Lisboa, o que levaria provavelmente anos. A união fiscal poderia habilitar deste modo uma intervenção massiva do BCE, que é o que França, Itália, Espanha e Estados Unidos entre outros, aguardam desesperadamente e que poderia tranquilizar o descontrole financeiro, embora seguramente não por muito tempo...
A questão das questões
Ainda que a intervenção massiva do BCE se faça realidade, deve-se levar em conta que até essa contenção estaria longe de evitar o avanço da recessão, o débil crescimento norteamericano e muito menos o menor crescimento da China, que se produz como subproduto da caída das exportações tanto ã Europa como EUA. Porém, se Alemanha (e França) não lograrem habilitar a intervenção do Banco Central Europeu e tampouco intervir o FMI, então a situação de conjunto se aceleraria encaminhando-se não já para um novo “Lehman Brothers”, senão a uma catástrofe de proporções muito maiores. A caída da Itália não seria similar a um “Lehman Brothers” nem seria comparável ã caída da Grécia, que não obstante, seria muito mais grave que uma reedição do “Lehman”. As tendências à liquidação do euro estão latentes. O problema é que se Alemanha deixa cair o euro, se liquida a si mesma tanto desde o ponto de vista financeiro como comercial em um momento no qual a China já não pode aparecer como contra tendência com a “fortaleza” de 2010, senão no melhor dos cenários começa a ser parte do problema. Deste modo se “Frau nei” (assim ficou conhecida a chanceler alemã Angela Merkel) continua dizendo “não”, a eurozona entraria num período obscuro, porém...
Até onde irá a própria Alemanha?
O aprofundamento da crise econômica está gerando profundas crises políticas e tendências ã polarização ã esquerda e ã direita. Ao lado dos recentemente criados governos bonapartistas “técnicos” da Grécia e Itália [1] apoiados pelos governos de Merkel e Sarkozy, os próprios países mais fortes da zona do euro estão desenvolvendo não só tendências xenófobas, como também partidos “eurófobos” [2], assim como tendências profundas no interior da coalizão do governo alemão, claramente contrárias ã intervenção do BCE. Se a zona do euro explode, Alemanha entraria em uma recessão profunda (já o prognóstico de crescimento é menor que 1% para 2012). Uma situação assim levaria ao aceleramento de uma crise aguda deixando-a privada de seus principais destinos de exportação, questão que, além disso traria quebras em cadeia dos principais bancos alemães. Neste contexto, Alemanha entraria em uma espiral decadente. O suposto temor da inflação (lembrado da época prévia ao ascenso de Hitler ao poder) como argumento contrário ã emissão monetária do BCE, poderia estar criando as condições para uma profunda deflação que conduziria a um destino similar (crise, luta de classes e polarização política aguda na própria Alemanha) ainda que por outro cominho. Inclusive se finalmente um plano de intervenção massiva do BCE se fizer efetivo, ele só adiaria essa perspectiva.
[1] Ver “Itália: um governo de “técnicos” para salvar os banqueiros e a Cofindustria”, Claudia Cinatti, LVO n° 453.
[2] Ver “Há iniciado um curso bonapartista”, Juan Chingo, de próxima publicação.
01-12-2011
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