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Egito: a classe operária e o processo revolucionário
por : Celeste Murillo

24 Dec 2011 | Há quase um ano das mobilizações de janeiro-fevereiro que acabaram com a ditadura de 30 anos de Hosni Mubarak, uma vez mais milhares de pessoas saíram ás ruas no Egito para exigir o fim do Governo do Conselho Supremo das Forças Armadas

Há quase um ano das mobilizações de janeiro-fevereiro que acabaram com a ditadura de 30 anos de Hosni Mubarak, uma vez mais milhares de pessoas saíram ás ruas no Egito para exigir o fim do Governo do Conselho Supremo das Forças Armadas (que governa o país desde a queda de Mubarak). O detonador desta segunda onda de protestos foi a intenção do Exército de perpetuar-se no poder e garantir-se o direito de vetar qualquer modificação na constituição. Apesar dos massivos protestos, nenhum dos principais partidos que participam do processo eleitoral questionou a política dos militares e assim demonstram que não constituem nenhuma alternativa ã classe trabalhadora e ã juventude.

Um processo revolucionário

O Egito vive um processo revolucionário: as massas com sua luta terminaram com a ditadura, enfrentaram as forças repressivas durante dias, causando uma crise política que obrigou a queda do ditador Mubarak a 11 de fevereiro de 2011. Depois desta queda, o Exército, que se mostrava como “amigo do povo” durante os protestos, encabeçou uma “transição” com a promessa de avançar para uma reforma constitucional e eleições livres.

O processo revolucionário aberto a 25 de janeiro teve como precedente anos de resistência operária e popular. Especialmente as trabalhadoras e os trabalhadores têxteis protagonizaram duas importantes ondas de greves com ocupações entre 2006 e 2008 na cidade de Al-Mahalla. Estas lutas foram muito importantes porque a indústria têxtil emprega 48% da força de trabalho do país e al-Mahalla abriga indústrias como a Fábrica Fios e Tecidos do Egito, que emprega 24.000 pessoas (sua maioria mulheres). Com estas greves e lutas surgiu um processo de reorganização, nasceram sindicatos independentes da central sindical burocrática (transporte, empregados fiscais, docentes, entre outros). Ainda que as trabalhadoras e trabalhadores não estivessem no centro dos protestos em janeiro e fevereiro, cumpriram um papel importante com as greves, protestos, bloqueios e a ameaça de fechamento do estratégico Canal de Suez, que foram o pano de fundo real da queda de Mubarak.

A incipiente experiência prévia, ainda sob condições de trabalho muito ruins, fez com que as trabalhadoras e trabalhadores egípcios tivessem um protagonismo importante antes, durante e depois da queda de Mubarak. Contra os desejos do Exército e do imperialismo, isto só alimentou o protesto operário, uma vez liberado do controle policial da burocracia sindical pró-Mubarak.

Aqueles que não tinham nada, nem sequer o direito de protestar, encontraram no processo revolucionário um terreno fértil para suas lutas e somaram assim sua força ã imponente mobilização das massas. Por isso, quando muitos setores se retiraram das praças e das ruas após a queda de Mubarak, a classe operária se manteve em luta junto a um setor da juventude.

Uma transição de migalhas e repressão

Durante a “transição” o governo militar não somente desconsiderou as demandas dos trabalhadores e da juventude que se haviam mobilizado senão que impôs novas leis anti-democráticas como a proibição das greves. Ainda que o governo militar tenha prometido derrogar o “estado de emergência” manteve vigentes todas as proibições dessa lei repressiva vigente há 30 anos. E ainda que o governo militar tivesse de fazer concessões (dissolução do partido de Mubarak, da Polícia Secreta, legalização de partidos opositores), tenta limitar com leis e decretos reacionários os direitos mais elementares. Também o velho regime sobrevive nos tribunais militares, que seguem em funcionamento: Desde a queda de Mubarak julgaram 12.000 jovens, operários e mulheres por participar de greves, manifestações e por criticar o Exército, enquanto seguem impunes os assassinatos de mais de 1.000 pessoas que morreram pela mão da repressão.

O decreto que proíbe as greves diz que é um crime participar de qualquer ação que afete o desenvolvimento da economia. Ou seja, qualquer ação, já que todos sabemos que uma medida de força que não afete o desenvolvimento da economia carece de efetividade como meio de ação operária.

A participação operária

Logo após a queda de Mubarak, a classe operária continuou lutando: uma onda de greves e ocupações que combinavam demandas econômicas e políticas, ou seja, que iam desde o aumento salarial até a luta contra as privatizações e para expulsar os diretores de empresa que haviam sido escolhidos a dedo por Mubarak. Também se acelerou o processo de reorganização de novos sindicatos e se liquidou a velha central sindical burocrática.

Enquanto se exige paciência aos trabalhadores, nas fábricas e empresas se vê o enorme abismo entre os salários de miséria e os lucros milionários da patronal. Ademais, o Exército não é neutro nesta disputa: eles são donos de uma grande parte! São proprietários de empresas de água mineral, óleos, pesticidas, têm instalações de tratamento de água, hotéis e outros serviços.

É por isso que, desafiando o decreto anti-greves, entre agosto e setembro se desenvolveu outra grande onda grevista: pela primeira vez em 60 anos pararam os médicos e os/as trabalhadores/as da saúde de todo o país, os docentes, e se realizou uma greve muito importante do transporte público. Durante o mesmo período um setor da vanguarda operária se organizou em torno de uma federação de sindicatos independentes. Ocuparam-se fábricas e empresas exigindo sua renacionalização, aumento salarial, a equiparação das condições das mulheres (que cobram salários mais baixos) e o direito de organizar-se.

Em empresas como a têxtil Shebin El-Kom se conseguiu a renacionalização; também houve casos como a Companhia Fios e Tecidos do Egito, onde o Exército teve de ceder ante a greve e a ocupação dos trabalhadores, e expulsar o diretor da empresa (aliado de Mubarak). Por outro lado, os trabalhadores do Canal de Suez já haviam mostrado em fevereiro seu poder ao ameaçar parar por tempo indeterminado o funcionamento do Canal por onde passam diariamente 2 milhões de barris de petróleo, e representa uma das principais fontes de ingresso do país. Estes exemplos mostram em pequena escala a grande potencialidade da ação dos trabalhadores como parte de um processo revolucionário ao mesmo tempo em que se unem ã mobilização e à luta da juventude e do povo em geral.

Uma das lições que deixaram estes meses de mobilizações no Egito é que nenhuma das demandas democráticas elementares, que foram o motor do processo revolucionário, pode alcançar-se nos marcos do capitalismo (seja sob a direção do Exército ou sob os partidos que hoje pactuam com a Junta Militar). Somente a classe operária, tomando em suas mãos o conjunto das demandas dos setores explorados e oprimidos, pode levar até o final a luta por suas demandas. Como mostrou a queda de Mubarak, o fim da ditadura significou somente o começo de uma luta mais profunda para terminar com a opressão e a exploração.

21-12-2011

 

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