Nos últimos dias de 2011 o jornal britânico The Guardian publicou uma notícia onde afirmava que a economia brasileira, em termos de seu Produto Interno Bruto (PIB) havia ultrapassado a britânica. Esta notícia ganhou a capa de jornais em todo o Brasil e lugar destacado em vários jornais de todo o mundo. A presidente Dilma também aproveitou a ocasião para fazer declarações de rádio do sucesso do “modelo brasileiro” e na voz de Guido Mantega, poderoso ministro da área econômica, afirmava que em 10 ou 20 anos o Brasil não só teria se consolidado como quinta maior economia do mundo (ultrapassando a França e a Alemanha, mas sendo ultrapassado pela Índia) como alcançaria um padrão de vida europeu.
Não há nada mais longe da realidade do que as declarações de Mantega sobre o “padrão de vida europeu” (salvo se estiver falando em alcançar uma Grécia onde vai crescendo a pobreza e a fome). No entanto para mostrar sua falácia é preciso primeiro reconhecer o notável crescimento econômico dos últimos anos, para, feito isto, mostrar as bases instáveis sobre as quais se constrói e, como este crescimento econômico não tem nada a ver com um desenvolvimento social e humano. O Brasil segue sendo um país profundamente desigual, muito menos industrializado que os Europeus e seu desenvolvimento técnico e científico - muito mais ainda social - fica terrivelmente aquém da comparação que o governo Dilma pretende fazer.
Um notável crescimento – notavelmente dependente de capitais estrangeiros, exportações a China e endividamento dos trabalhadores
2011, segundo as projeções da maior parte dos analistas que colocam o crescimento do PIB do país em 2,8%, será o primeiro ano desde 2004 que o país crescerá menos que a média mundial. Nos anos anteriores, incluída a recessão de 2009 (menor que a média mundial) o país destoou do mundo, crescendo notáveis 7,5% em 2010 – nível absolutos que não se alcançava desde 1986. O PIB per capita (o PIB dividido pela população) nunca cresceu a estes espantosos 6,5% ao ano salvo alguns anos do “milagre brasileiro” durante os anos de 70-74. O nível de desemprego, oficialmente em 5,2% nunca esteve tão baixo, o acesso ao crédito e ao consumo nunca estiveram tão fáceis não só ã classe média tradicional e aos trabalhadores qualificados, mas a todo um estendido setor da classe trabalhadora precária e terceirizada, chamados ideologicamente pelos analistas nacionais de “nova classe média”[1].
A venda de automóveis ultrapassou a alguns anos a marca dos três milhões de carros e tem rondado a casa dos 3,7 milhões[2]. O real valorizado tem feito setores da classe trabalhadora realizar viagens nacionais e internacionais. Todo um boom de consumo. E com ele expectativas reformistas, de melhoras graduais na situação econômica e pessoal – linha condizente com o discurso do governo e da burocracia sindical, e algumas medidas de valorização do salário mínimo e um pacto social que tem garantido todos os anos aumentos salariais ligeiramente acima da inflação (mas notavelmente abaixo dos ganhos de produtividade do capital).
Debaixo dos holofotes destes dados e dos anúncios de sexta maior economia mundial escondem-se as condições econômicas e sociais que lhes permitem ocorrer. 2011, como outros anos recentes, o crescimento esteve puxado sobretudo pelo consumo das famílias, que estima-se que tenha expandido em 4,2%. Esta contribuição sozinha garantiu 2,5% dos 2,8% da expansão do PIB segundo a Confederação Nacional da Indústria. Este consumo por sua vez é altamente dependente do crescente endividamento das pessoas. A expansão do crédito as pessoas físicas diminuiu fortemente em 2011 comparado com 2010, ficando em “somente” um crescimento de 13,9% (frente aos 22% que acumulava até fevereiro de 2011)[3]. Mesmo com esta queda o endividamento está crescendo em um ritmo 5 vezes maior que a economia.
A capacidade dos trabalhadores se endividarem por sua vez é dependente da expansão do emprego (o que segue ocorrendo mas mês a mês em ritmos menores). E a economia como um todo, e sua capacidade de empregar trabalhadores, é cada vez mais dependente das exportações de produtos primários e do comércio e serviços para esta classe trabalhadora endividada.
Este ano de 2011 também bateu-se um novo Record em exportações (US$ 256 bilhões) e em saldo comercial (US$ 29,8 bilhões), porém 88% do aumento nas exportações está explicado pelo aumento no preço das commodities exportadas como a soja e o minério de ferro[4]. Matérias primas com escasso valor agregado, que escancaram que, na “nova” divisão internacional do trabalho, a sexta economia mundial descansa sobre a primarização de sua economia, retrocedendo inclusive na participação percentual dos produtos manufaturados exportados ao que fora alcançado nos anos de industrialização pós 1950-60.
As contas nacionais quando se consideram também os serviços avultam um déficit de mais de 2,5% do PIB que só é fechado com a entrada de capitais, fazendo toda a economia depender de uns 60 bilhões de dólares de capital estrangeiro ano a ano para as contas fecharem sem aumentar o endividamento do país (para 2012 os analistas prevêem um déficit de US$ 65 bilhões).
Sob previsíveis impactos da crise capitalista mundial é difícil esperar a continuidade destes fatores, seja porque uma menor demanda chinesa derrubaria o preço das commodities, como também diminuiria o fluxo de capitais sob o impacto da crise na Europa, deste modo as contas externas bem como o valor do real serão golpeados e bases do “modelo brasileiro” que Dilma exalta estarão abalados. Quão mais agudos forem os próximos passos na crise mundial mais sincrônica será a resposta na economia brasileira, como foi nos primeiros meses de 2009 com a expressiva queda na indústria de mais de 10% e concomitante queda no emprego.
Um crescimento baseado no trabalho precário e na continuidade das terríveis situações de vida da classe trabalhadora
Ao contrário do discurso oficial o crescimento econômico do país mostra como este se apóia nas condições estruturais de trabalho e vida precárias no país. Antes de ostentar a marca de sexta economia do mundo, o país também já detinha a sexta maior marca de assassinatos por habitantes fruto da violência policial, que é responsável nas estatísticas oficiais - muito aquém da realidade - por um quinto dos assassinatos [5] e já era o terceiro colocado em acidentes de trabalho: a cada 30 minutos um trabalhador morre ou tem uma lesão permanente nos campos, fábricas e canteiros de obras (ou 2.712 óbitos e 14.097 lesões com incapacidades permanentes, nos dados oficiais)[6].
Com todo o crescimento lulista a média salarial (simples, ignorando as desigualdades de classe, raça, gênero e regionais) é de pouco mais de R$ 1650 (US$ 903)[7]. O salário mínimo oficial agora aumentado para R$ 622 (US$ 340) encontra-se muito abaixo de qualquer padrão europeu (o menor salário mínimo europeu é o português de 485 euros, ou cerca de R$ 1155) e mal ultrapassando um quarto do que calcula-se que é necessário para uma família viver (R$ 2349 – US$ 1286 – segundo o DIEESE).
O crescimento do emprego é baseado na rotatividade do trabalho. Todo ano dezenas de milhões de trabalhadores trocam de emprego. Segundo o DIEESE 53% dos trabalhadores registrados trocam de emprego todo o ano. Esta rotatividade herdada das reformas trabalhistas da ditadura segue vigente e é voltada contra os trabalhadores. Em 2010, último ano com estatísticas disponíveis, cada trabalhador admitido recebia em média 7,5% a menos que um trabalhador demitido. A terceirização, rotatividade do trabalho, trabalho precário e perigoso se apóiam em altíssimos índices de trabalho dito “informal” (sem registro, direitos) onde cerca de 48% da população economicamente ativa não tem nenhuma registro.
Esta continuidade de salários de miséria, mesmo com o aumento do emprego e ligeiros aumentos salariais acima da inflação nos governo Lula e Dilma são uma expressão da imensa desigualdade do país de um desenvolvimento capitalista baseado no trabalho precário, herdeiro da escravidão e do latifúndio. Baseado em dados do IBGE e análises do Le Monde Diplomatique (Ano 5, n. 53) é possível chegar a impressionante pirâmide de renda do Brasil retratada abaixo.
É com estes “handicaps” que a burguesia brasileira comemora seus dados econômicos e sua sexta economia mundial. Aos trabalhadores resta para depois do trabalho precário, terceirizado e rotativo outras continuidades de um Brasil que nada tem de desenvolvimento social europeu. Nas estatísticas oficiais do IBGE somente 11,4 milhões de pessoas (ou 6% da população) vive em favelas. Diversas favelas famosas de todo o país, como o Dona Marta no Rio de Janeiro, palco para a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) sequer constam como favelas. Porém com os métodos que queiram para ocultar a moradia precária, ano a ano milhares de trabalhadores são afetados por tragédias naturais relacionadas a moradia precária, especulação imobiliária e um desenvolvimento urbano para favorecer os lucros capitalistas.
Mal passado um ano da tragédia que ceifou mais 900 vidas na região serrana do Rio de Janeiro a mesma região volta a ter bairros ilhados e pessoas deslocadas e em Minas Gerais diversas cidades estão isoladas, pessoas desaparecidas.
Sob os olhos de todos, o mesmo país que avança em suas estatísticas de crescimento do PIB, emprego e consumo, é um país que vai reproduzindo o trabalho precário, a moradia precária e outras desigualdades inerentes do capitalismo no Brasil herdeiro da dependência do capital estrangeiro, do latifúndio e da escravidão.
Notas
[1] Dados extraídos do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
[2] Dados da Carta 307 da ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), disponível em seu site.
[3] “Economia Brasileira”, ano 27, n.4, publicação da CNI, disponível em seu site.
[4] idem
[5] O Globo, 30/12/2011
[6] Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho do INSS, 2010. Disponível em seu site.
[7] Todas cotações de dólar e euros referem-se ás 10hs do dia 04/01/12
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