Por Santiago Lupe, Classe contra Classe (Estado Espanhol)
O Governo de Mariano Rajoy entrou pisando forte, com um corte de 16 bilhões de euros e agora, com a nova reforma trabalhista, se dispõe a atacar contundentemente todos os setores da classe trabalhadora. Trata-se de uma liquidação de direitos adquiridos que deixa pequenas todas as reformas anteriores – as de González, Aznar e Zapatero- porque supõe quase um retorno ás relações de trabalho do franquismo mais obscuro, o dos anos 50. Grande parte das conquistas arrancadas com greves, manifestações, presos e mortos, tanto na ditadura quanto nos primeiros governos da monarquia, serão liquidadas de uma só vez. Reinstaura-se uma total arbitrariedade patronal para impor as condições de trabalho e uma demissão livre e barata, convertendo os convênios coletivos em papel molhado. Ainda que este plano seja levado adiante pelo Partido Popular (PP), conta com o respaldo das burguesias periféricas – a català e a basca sobretudo a partir de seus partidos históricos, PNV e CiU, - o Rei – que já nos pedia “sacrifícios” no discurso natalino – e vai na linha da “obra” indicada por Zapatero – para além da oposição demagógica que vai fazer o PSOE-. E claro, conta com o apoio da UE, dos presidentes Merkel (Alemanha) e Sarkozy (França), do FMI e do Banco Central Europeu.
Com tudo isso, o governo de Rajoy sente-se pressionado ao mesmo tempo que forte. Por um lado ainda respira sua recente vitória eleitoral, e por outro, não tem uma oposição séria a frente, nem política – o PSOE está em crise – nem sindical – o desprestígio dos dirigentes sindicais Toxo e Méndez é um “ativo” do qual querem aproveitar-. Isso se ve também em que, ao mesmo tempo que aumenta a guerra aos trabalhadores, começa a se abrir fogo contra direitos democráticos como o aborto ou mantem-se sua ofensiva em defesa da memória do franquismo bem ativa, como vimos com o processo e a sentença contra o juiz Garzón. Para além do currículo deste juiz, nada ligado ã defesa dos direitos humanos – basta ver seu histórico contra a esquerda basca-, esta vitória da direita pós-franquista mostra como o Regime de 78 ao mesmo tempo em que avança sobre os trabalhadores e o Estado de em-estar, sela a sete chaves a impunidade dos crimes da ditadura e blinda os políticos corruptos. Correm o risco de que aumente o desprestígio de uma instituição chave como a Justiça.
O Governo, o Regime e a burguesia espanhola atacam toda a classe operária e suas organizações.
Esta reforma ataca frontalmente toda a classe trabalhadora. A juventude que se verá obrigada a pagar 25% de seu salário com sua própria prestação ao desemprego, os desempregados que terão que trabalhar gratuitamente “para a comunidade” e serão vigiados como delinquentes, os trabalhadores de Pequenas e Médias Empresas que verão como seus patrões querem impor-lhes convênios por empresas muito abaixo do provincial ou estadual. Mas também os setores com melhores condições, com direitos adquiridos e uma maior sindicalização. Nos referimos aos servidores públicos, da grande indústria (metalúrgica, química, calçadista), do transporte. Os que constituem o principal pilar de afiliação dos grandes sindicatos. A demissão livre e barata em 20 dias, os ERE’s express¹, a limitação da hiperatividade do acordo... pretendem deixar muitos desses trabalhadores na rua e aos que restarem, impor condições péssimas. Quando o PP falava de acabar com as diferenças entre fixos e temporários se referia a isto, a deixar os trabalhadores com melhores condições ã altura dos precários. Para conseguir impor este retrocesso histórico, o Governo e a patronal vão levar adiante ataques aos próprios sindicatos, deixando-os sem nenhuma atribuição reconhecível: não poderão negociar os ERE’s, os acordos que firmem não terão valor e as demissões individuais serão quase todas procedentes. Ou seja, aos trabalhadores se coloca uma situação de completa incapacidade de defesa legal. Além do corte ainda maior de algumas fontes de financiamento para as centrais sindicais, como os cursos de formação.
Uma aposta arriscada para a burguesia. O regime está debilitando um de seus braços chave para a contenção dos trabalhadores, a burocracia sindical. Se se difunde o ânimo de resistência entre os setores que se vejam atacados, pode-se acabar reforçando nossa capacidade de organização e luta, ainda que sem as mesmas atribuições legais, e inclusive começar a purgar os dirigentes que levaram ao nível da paralisia e desprestigio de nossas organizações que agora querem aproveitar o PP para liquida-las. Um possível ascenso operário, como o que colocou em crise terminal a Ditadura, não vai ter aparatos sindicais reformistas com a capacidade que tiveram então para impor um desvio como a Transição.
Frente ás respostas timoratas e ilusões reacionárias no diálogo de Toxo e Méndez, os trabalhadores devemos preparar uma resposta contundente.
Mesmo com este ataque, as direções de CCOO e UGT continuando sem reagir a altura das necessidades, o que mostra o nível de putrefação e adaptação dessas cúpulas ao regime imperialista do Estado espanhol. O calendário de mobilizações que propuseram é totalmente insuficiente, sobretudo porque ao mesmo tempo pretendem sentar-se para negociar com o Governo. Mas, por acaso é possível negociar uma reforma que querem nos devolver da década de 50? Não é um ataque “matizável”. É o maior golpe contra a classe trabalhadora em décadas, toda uma declaração de guerra, que deveria ser respondida com um plano de luta ofensivo e sustentado, que busque derrota-la, conseguir sua derrota completa. Toxo e Méndez voltam a se colocar como um terrível obstáculo para que os trabalhadores possamos enfrentar os planos de ajuste que os capitalistas e seu governo querem nos impor. A estratégia de Toxo e Méndez de negociar no trâmite parlamentar nos levará novas derrotas de caráter histórico. Em primeiro lugar porque no Parlamento o PP tem maioria. Em segundo, porque a burguesia basca e català vão apoiar, através do PNV e CiU. E em terceiro, porque o PSOE que critica só de palavra, já avançou alguns elementos desta reforma por meio do ex presidente Zapatero em 2010. Só a derrota total da Reforma Trabalhista é válida.
As assembleias informativas que vão ser convocadas nos centros de trabalho e as mobilizações previstas para os dias 19 e 29 de fevereiro devem ser convertidas em um trampolim para impor a estas direções traidoras um verdadeiro plano de luta que arranque com uma grande jornada de greve geral. Ao mesmo tempo em que se produzem estas mobilizações contra a Reforma, milhares de trabalhadores estão lutando de maneira isolada, por empresas e por setor. Trabalhadores públicos de quase todas as administrações, operários contra demissões, como na TEKA ou Navantia, contra o descumprimento do acordo, como os de TMB, junto aos estudantes, como o PDI e o PAS das universidades catalàs que farão greve no mesmo dia 29. A recomposição do movimento operário deve partir precisamente dessas lutas, coordenando-as, unificando suas demandas, organizando-se em assembleias para ganhar força contra o governo e as patronais, servir de exemplo para o resto dos trabalhadores e, por sua vez, poder construir uma alternativa “na prática” ã política nefasta das direções de CCOO e UGT.
A luta pela derrota da Reforma Trabalhista e o resto dos planos de ajuste deve servir-nos para fortalecer nossa organização, retomar tradições como a assembleia decisória, a conformação de comitês de luta e de greve com delegados revogáveis, a coordenação e unificação de todas as lutas por empresa e setor que estão acontecendo. Devemos recuperar a unidade de todos setores operários. Ninguém se salva da “queima”, ou golpeamos unidos ou nos vencerão separados. Os trabalhadores efetivos, de ETT, de subcontrato, contratados precários, desempregados, imigrantes, devemos nos organizar juntos, unificar nossas demandas, e começar a dirigir desde a base os combates aos quais nos lançam o governo do PP. A esquerda sindical e os setores combativos da CCOO e da UGT tem uma grande oportunidade e responsabilidade nesses momentos. As políticas “sectárias” que se negam a manifestar-se junto aos grandes sindicatos não fazem mais que permitir que estes dirigentes vendidos possam manter sua política de diálogo e mobilizações testemunhais sem problema.
Tão pouco serve a unidade sem crítica, como vemos nos conflitos de saúde, educação e outros, onde a esquerda sindical compartilha 100% da folha de direção de lutas isoladas das direções dos majoritários. O sindicalismo alternativo e de classe deve colocar-se ã cabeça do processo de coordenação e unificação das lutas em curso, de conformar blocos nas empresas que promovam as assembleias e métodos de democracia direta, que convertam as manifestações dos dias 19 e 29 em um clamor pela greve geral e pela derrota da reforma.
¹ Expediente de Regulação de Emprego. Trâmite que as empresas tinham que apresentar ao Ministério do Trabalho em caso de demissão, argumentando os motivos da crise, e que agora serão tramitados de forma “automática.
16-02-2012
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