Por Santiago Lupe, Classe contra Classe (Estado Espanhol)
A menos de 100 dias de conformado o Governo de Rajoy, e pouco mais de quatro meses da “onda azul” do 20N, a classe trabalhadora e a juventude protagonizaram uma grande jornada de greve, manifestações e combates de rua em alguns lugares como Barcelona. Uma demonstração de forças que deixa em evidência que para o Governo do PP não será tão fácil seguir ã risca os “planos de austeridade” de Bruxelas. Seu fracasso eleitoral em Andaluzia é outro sintoma disso. Para isso terá de enfrentar-se a esse enorme potencial de resistência e luta contra os planos de ajustes draconianos. Um potencial que até agora se encontrava constrangido pela burocracia sindical e pelas traições de Toxo e Méndez.
A classe trabalhadora parou o país
Toda a campanha anti-sindical da direita e sua imprensa, o terror do desemprego e as chantagens patronais não puderam conseguir seu objetivo de fazer fracassar a greve. Galícia, as Astúrias, o País Basco, a Catalunha e Navarra estiveram ã cabeça, sobretudo em relação ã indústria. A unidade de ação dos sindicatos nacionalistas e os de âmbito estatal demonstrou-se como uma arma muito poderosa para a classe trabalhadora.
Os grandes recursos da economia ficaram praticamente paralisados. As grandes indústrias, começando pela automobilística, que representa 8% das exportações, os portos, estaleiros, mineradoras, plantas elétricas e refinarias; o transporte de mercadorias e passageiros, tanto o urbano quanto o de rodovia e ferrovia, aeroportos; os serviços de coleta de lixo e limpeza, os grandes mercados de abastecimento... todos ficaram paralisados, salvo pelo cumprimento dos mínimos que a burocracia pactuou em 9 comunidades. O consumo elétrico foi inferior ao de um domingo, apesar de que muitas prefeituras do PP, como a de Madri, mantiveram luzes acesas durante todo o dia, para manipular este medidor. Também as televisões e meios de comunicação, Canal Sur e TeleMadrid emitiram somente a carta de ajuste, e o restante da programação enlatada e telediários de 30 minutos.
No setor público a greve teve adesão muito superior a 2010, próxima de 60%, e se notou especialmente na educação e na saúde; um dos setores mais castigados pelos cortes e que vem lutando desde o começo de 2011 em várias comunidades. Também cresceu a adesão ã greve por parte de muitos trabalhadores de pequenas empresas, graças ao trabalho dos piquetes, que foram mais militantes e combativos que em 2010, e ajudaram a que se pudesse exercer o direito ã greve nos bairros industriais.
A repressão patronal teve mais efeito no comércio e nos serviços da cidade, por meio da ameaça ou pelo que significa o corte de salário por greve nos rendimentos mais baixos e precários. Neste setor a greve foi menor, se bem que a participação de centenas de milhares de jovens nas manifestações da tarde expressou como muitos destes trabalhadores quiseram somar-se assim ã jornada de protesto. Também centenas de milhares de desempregados participaram tanto nas manifestações como nos piquetes dos quarteirões e dos bairros; que ã primeira hora do dia bloquearam os acessos ás cidades e foram ocupando as ruas para ajudar os trabalhadores de comércios, supermercados e tendas a poder fechar e somar-se á greve.
A juventude indignada e o movimento estudantil confluíram com a classe trabalhadora
A maior novidade do 29M, que fez com que a jornada de protesto ultrapasse a greve geral, foi a confluência de trabalhadores com setores de jovens do 15M e do movimento estudantil que se vêm recompondo no último período. Milhares de jovens estiveram desde a primeira hora da noite percorrendo os bairros e empresas, cortando acessos ã cidade pela manhã, participando dos piquetes operários como os de Merca ou do transporte... Nas faculdades também se uniram com o PDI, o PAS e os trabalhadores subcontratados para que permanecessem fechadas.
Mas a confluência maior se viu pela tarde, nas massivas manifestações que transbordaram as ruas de todas as cidades. Mais de 3 milhões de manifestantes, 900.000 em Madri, 800.000 em Barcelona, 250.000 em Valência, 90.000 em Zaragoza... as maiores manifestações sindicais desde a histórica greve do 14D de 1988, que derrotou a primeira grande ofensiva neoliberal do PSOE, só comparáveis em magnitude com os protestos contra a Guerra do Iraque em 2003.
Em Barcelona esta confluência foi explosiva. A juventude sem medo não se resignou a ter de receber pancadas e balas de borracha dos Mossos d’Escuadra [esquadrão policial]. Desde a manhã até a noite, foi-se resistindo com cada vez maior contundência. Pela tarde, a repressão policial começou a ser respondida com barricadas e pedras em múltiplos pontos do centro, especialmente na Praça Catalunha. Até Felip Puig teve de reconhecer que não se tratava mais das “centenas de sempre”, senão que desta vez se somaram milhares de jovens aos combates. Além disto, mais de 100.000 pessoas, sobretudo indignados e trabalhadores que haviam acudido ã manifestação da esquerda sindical e ã das CCOO e UGT estiveram aplaudindo e apoiando estes jovens.
O 29M, por meio da greve geral e da mobilização massiva da classe trabalhadora, pôde golpear como um só punho. Os trabalhadores efetivos, os de ETT, temporários, terceirizados, os desempregados, sem documentos e imigrantes, os jovens precários... conseguimos fazer em união com todos os setores populares golpeados pela crise, como os estudantes, usuários e o povo pobre que lutam por saúde pública, os afetados pelas hipotecas, os perseguidos pelos bancos... Uma unidade de todos os explorados encabeçada pela classe trabalhadora, que demonstrou nesta jornada o potencial que teria se conseguíssemos torná-la permanente e desenvolvida até o final para derrotar os capitalistas e seus governos de turno.
A política pela qual lutamos a partir do Classe contra Classe no 15M e no movimento estudantil foi a de que a juventude busque construir e soldar a unidade com a classe trabalhadora organizada, que se expressou nas “expedições ás fábricas”, e que estão em melhores condições agora para poder generalizar-se. E também para que os trabalhadores mais organizados, com mais direitos, se deem conta de que devem se unir aos jovens e aos setores mais explorados da classe, assumindo suas reivindicações como próprias, ajudando-lhes a enfrentar a patronal, a organizar-se em seus locais de trabalho.
O Governo responde redobrando o ataque e a repressão
A resposta do Governo central e do catalào foi a de incrementar a ofensiva desde todas as frentes. Por um lado, Rajoy deixou claro que não pensa em tocar em nem uma vírgula substantiva da Reforma Trabalhista: liquidar os convênios, os direitos adquiridos, e baixar os salários brutalmente é um objetivo irrenunciável para ele, os seus os empresários e os bancos. Além disso, no dia seguinte, apresentava um corte do gasto público totalmente draconiano, de cerca de 30 bilhões de euros. Um corte de 17% dos Orçamentos que afetará especialmente a educação e a saúde, que promete elevar as taxas universitárias até converter a universidade numa escola de elites, degradar ainda mais as escolas públicas e os hospitais – como já está sucedendo na Catalunha – e que deixa pendentes por um fio as pensões previdenciárias e prestações do seguro desemprego. Enquanto isso, aos empresários defraudadores, lhes concede uma “anistia fiscal”, eximindo-lhes de qualquer sanção pelas fraudes ã Fazenda que tenham cometido e cobrando-lhes apenas 10% sobre o dinheiro sujo que querem lavar, muito abaixo do imposto que paga um assalariado médio.
Mas, além disso, a ofensiva repressiva contra os lutadores está endurecendo aceleradamente. Vimos isso ao longo de toda a jornada de greve por todo o Estado. A Polícia Nacional se enfrentou com todos os seus meios aos piquetes, inclusive quando eram somente informativos, com identificações e, claro, investidas e detenções arbitrárias. As cidades de todo o Estado amanheceram militarizadas, com 110.000 efetivos e todos os meios disponíveis, desde helicópteros até a cavalaria. No total se efetuaram mais de 180 detenções, centenas de identificações para impor multas e centenas de feridos. O Ministro do Interior levava já semanas ameaçando e desde que assumiu o cargo já deixou claro que sua prioridade seria manter a “paz social” ã força de porretes. A Ertxaina e a Polícia Foral Navarra também fizeram o mesmo, investindo contra trabalhadores e jovens e chegando a deter 8 menores de idade em Pamplona. E quem sem dúvida levou o “prêmio” foram novamente os Mossos d’Escuadra, que desde a noite do dia 28 estiveram perseguindo e investindo contra os piquetes, fazendo mais de 70 detenções na Catalunha, 50 delas em Barcelona. Ante a resistência massiva nas ruas durante a tarde, não duvidaram em arremeter com gases lacrimogêneos, algo que não ocorria há 16 anos, e disparando milhares de balas de borracha que deixaram dezenas de feridos, vários com contusões graves e um deles havendo perdido um olho.
Como se fosse pouco, já são muitas as vozes, desde o Ministro do Interior até o Conselheiro do Interior da Generalitat, que falam de endurecer o Código Penal para os delitos de desordem pública, desobediência e resistência ã autoridade, as acusações que costumam imputar automaticamente aos detidos em manifestações. Inclusive o PP de Barcelona pede que se aplique a Lei Antiterrorista aos detidos. Querem que não se restrinja a multas, mas que acarretem penas de cárcere. E de fato é que em Barcelona já estão começando a aplicar esta doutrina, encarcerando em prisão preventiva três estudantes detidos durante o 29M. É a primeira vez em décadas que detidos em manifestação passam diretamente ã prisão, salvo no caso de lutadores bascos aos quais em muitas ocasiões se lhes aplica a Lei Antiterrorista.
A burocracia sindical permanece no caminho da negociação
Nem o esmagador êxito dos protestos, nem a posição do Governo inflexível em seus objetivos e cada vez mais repressor puderam fazer com que Toxo e Méndez se movessem de sua vergonhosa posição de “suplicar” diálogo para “melhorar” a Reforma Trabalhista. De momento, pretendem deixar no congelador o protesto até o 1° de maio, o que só pode servir para esfriar os ânimos e deixar passar o impulso que o êxito do 29M pode dar para fortalecer e estender a organização dos trabalhadores nas fábricas, os desempregados, a juventude... Dizem que é para que o Governo “pense” se quer negociar. Mas acaso o governo não deixou claro que sua intenção é a contrária? Redobrar a aposta. Os trabalhadores deveriam preparar-se para responder pelo menos com esta mesma intenção.
A esquerda sindical manteve uma política sectária de não querer “mesclar” suas manifestações e piquetes com os da CCOO e UGT, evitando assim que os trabalhadores de base de todas as centrais pudéssemos confluir na luta e que os mais combativos pudessem influir sobre os que ainda confiam na política de Toxo e Méndez. As manifestações da esquerda sindical foram históricas, dezenas de milhares em todas as cidades. Além disso, atraíram grande parte do movimento estudantil e do 15M, muito críticos com as políticas das direções de CCOO e UGT.
Provavelmente comecem a haver setores das bases destes grandes sindicatos que comecem a questionar, paulatinamente, a política destes dirigentes vendidos, e que já não suportem que sua luta seja conduzida a um beco sem saída. De fato, muitos trabalhadores filiados ã CCOO foram a peça chave para que a greve fosse um êxito, os que mais nutriram os piquetes...e chegaram a confluir em muitos locais com setores da esquerda sindical e da juventude mais combativa. Também foi em Barcelona onde isto se deu de maneira mais clara apesar de que os dirigentes da esquerda sindical mantivessem uma linha “alternativista” de querer marchar de forma separada. Quando o ponto de concentração da manifestação alternativa, Praça Catalunha, foi atacado pelos Mossos, somaram-se ã defesa com barricadas e pedras, que levaram adiante jovens combativos, milhares de trabalhadores de base de CCOO e UGT, que passavam pelo Passeio de Gracia.
Esta confluência é a que mais preocupa a patronal e o Governo, e também a burocracia sindical. Que os trabalhadores que hoje por hoje têm as alavancas para paralisar o país, que são majoritariamente os que se organizam e votam em CCOO e UGT, se somem ã juventude radicalizada, é o que deixa o Governo, a patronal e a burocracia com os cabelos em pé.
Fortalecer a organização dos trabalhadores e da juventude até derrubar os ajustes e a repressão
O 29M foi um grande passo adiante, uma primeira ação contundente da classe trabalhadora e da juventude. Para conseguir derrotar o Governo e a patronal devemos continuar, fortalecendo a organização nos centros de trabalho e de estudo, a unidade de todos os setores operários e de trabalhadores com os estudantes e outros setores populares. O 29M pode marcar qual deve ser o caminho, e o 30M está marcando qual é a atitude do inimigo: redobrar a ofensiva de ataques e a repressão.
É necessário começar a discutir e impor um verdadeiro plano de luta até o final, não para negociar, como nos ficam repetindo, mas para derrubar todos os ajustes que promove o PP em consonância com a EU, o BCE e o FMI. Para isso, há que derrotar a política das atuais direções sindicais para que os trabalhadores possam recuperar as organizações de classe a serviço do combate, independentizá-las do Estado capitalista e de seus políticos, para que passem a defender o conjunto dos trabalhadores, também dos precários, sem carteira assinada e desempregados, que hoje por hoje a burocracia sindical nem organiza e nem defende.
A esta tarefa estamos chamados todos os trabalhadores, independentemente de nossa filiação sindical e situação trabalhista, e a unidade com a juventude é um valor que nos pode fortalecer. Há que buscar e fomentar a confluência da esquerda sindical com os setores de base de CCOO e UGT, desterrando todas as políticas sectárias, assim como as que não criticam aos Toxo e Méndez de turno. Devemos lutar para que os setores mais organizados e com melhores condições da classe assumam as reivindicações dos mais explorados, dos jovens, dos imigrantes, das mulheres trabalhadoras... soldem assim a unidade das fileiras operárias. E também por desenvolver a unidade operário-estudantil que vimos estes dias em piquetes e manifestações. Todos os lutadores devem promover assembleias nos centros de estudo e trabalho, que sejam os organismos onde comecemos a discutir como derrotamos o Governo e como conseguimos impor uma alternativa de classe e de combate ã política das atuais direções sindicais.
O próprio ritmo da ofensiva repressiva que se está recrudescendo nos obriga a levantar uma grande campanha unitária em defesa de todos os lutadores, pela liberdade e absolvição de todos os detidos, especialmente os que já se encontram na prisão. Há que chamar todos os sindicatos, organizações de direitos humanos, partidos e grupos políticos de esquerda, intelectuais... a por em pé um vasto movimento democrático que enfrente com ações, fundos de resistências e advogados a crescente repressão que nos querem impor.
30-03-2012
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