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Um flashback de 2009, mas sem muito sucesso
27 Sep 2012 | As recentes decisões do FED(Banco Central dos Estados Unidos), do BCE(Banco Central Europeu) e das autoridades chinesas confirmam o estado perigoso da economia mundial.

Por Juan Chingo

As recentes decisões do FED(Banco Central dos Estados Unidos), do BCE(Banco Central Europeu) e das autoridades chinesas confirmam o estado perigoso da economia mundial. Uma dupla recessão se instala na Europa onde a Zona do Euro segue em risco de fraturar-se; a economia norte-americana segue com um crescimento anêmico ao mesmo tempo em que os lucros das empresas caem; a China beira uma aterrissagem forçada uma vez que se adiam as decisões de se caminhar a outro padrão de crescimento, enquanto os países produtores de matérias-primas que apostavam na perspectiva de um crescimento chinês sustentável e imparável devem adaptar-se brutalmente no próximo período a este dado estrutural do fim do crescimento fácil no gigante asiático, no caminho da transição a um novo equilíbrio econômico. Ao mesmo tempo, em todas estas regiões cresce o descontentamento social, em especial nos países capitalistas centrais e cresce o temor nos meios dominantes de explosões sociais.

Em outras palavras, todas as grandes economias mundiais estão entrando simultaneamente em recessão ou em uma desaceleração de seu crescimento, arrastando o setor financeiro mundial numa provável nova e forte sacudida. Neste marco as respostas monetárias – ainda que distintas – do FED e do BCE podem aumentar a brecha entre a economia real e a especulação, que tomará um novo salto nos próximos meses, aumentando o risco de um crack financeiro e nas bolsas maior que o de 2009, uma vez que o plano de estímulo chinês só pode agravar ainda mais os desequilíbrios massivos da economia chinesa, deixando como única alternativa saídas cada vez mais traumáticas tanto para esta última como para o resto da economia mundial, em especial os países semicoloniais produtores de matérias-primas. O deslocamento da economia mundial que começou com o colapso do Lehman Brothers entra em uma nova etapa, a do “Fim das ‘saídas milagrosas’ de 2008/09 e o aumento das rivalidades no sistema mundial”, como antecipamos na Estratégia Internacional n°28.

QE3: Até quando se pode empurrar a crise adiante?

O papel do dólar como moeda de reserva mundial, que tem permitido aos Estados Unidos gozar de uma “suserania monetária” planetária, ou seja, deixar correr seus déficits orçamentários e pedir emprestado no estrangeiro sem sofrer ataques contra sua moeda, tem possibilitado que este possa empurrar as decisões mais difíceis da crise adiante. O QE3 é um passo a mais neste caminho: este programa consiste na “compra de títulos respaldados por hipotecas por um valor de 40 bilhões de dólares ao mês”, o que somado ã “Operação Twist”, já em marcha, de troca de títulos de curto prazo pelos de longo prazo, suporá uma injeção de liquidez de cerca de 85 bilhões de dólares ao mês. Do que se trata, segundo a engenharia do FED, é de arrastar primeiro os mercados financeiros e apenas então os segmentos menos danificados da economia real.

Mas este resgate de títulos hipotecários imobiliários, que tenta fazer reviver este setor chave para a economia e, através deste, o emprego e o consumo, confunde os problemas de liquidez com os problemas de solvência, já que a questão central é que a população já não tem mais dinheiro para comprar ou construir casas (e a queda nas taxas de juros dos empréstimos não vai mudar esta situação). Enquanto isso, a forma da operação marca um giro importante: é que em lugar de comprar títulos do Tesouro, o FED vai intervir para comprar “ativos de agências baseados em hipotecas” das mãos dos bancos e casas de investimento, o que permitirá a estes se desfazerem de alguns dos “ativos tóxicos” que serviram como detonadores da crise. Combinado ã decisão de não subir as taxas de juros até meados de 2015, isto disparará uma nova rodada especulativa no mercado de títulos e na bolsa, inflando os lucros dos bancos... cada vez mais desconectados do verdadeiro estado de saúde da economia real, a qual se afunda cada vez mais na deflação, enquanto cresce a fragilidade financeira na medida em que o sistema de crédito segue expandindo rapidamente sua dívida não produtiva. Os riscos de um crack e de uma grande depressão como em 1929 são cada vez mais reais.

Em conclusão, Bernanke ganha tempo até 2013 (ou mais precisamente um impulso para a reeleição de Obama), contudo mais cedo que tarde o caminho se estreita para a administração norte-americana: ou continua mantendo os seus bancos “zumbis”, mas ás custas de uma estagnação ã japonesa ou reestrutura e saneia uma parte de suas finanças internas distanciando-se de sua dependência total da financeirização de sua economia e inverter a tendência de uma relocalização da produção – alguns de cujos sintomas começam a ver-se – o que implicará por sua vez em fortes atritos e enfrentamentos com a China e outros países dependentes e semicoloniais. Uma segunda opção como esta só é concebível como produto de um salto na crise e uma nova relação de forças, visto que o próprio Obama havia insinuado no começo de sua presidência uma variante deste tipo, mas a enclausurou rapidamente por pressão de Wall Street.

Plano Draghi: Armistício momentâneo entre EUA e Alemanha

É neste contexto que se deve inscrever o aumento da pressão de Washington a Berlim e a correspondente resistência alemã. O “plano Draghi” é de certa forma um compromisso na guerra financeira velada entre estas duas potências imperialistas: enquanto Draghi avança em um plano de compra de títulos (OMT, ou Outright Monetary Transactions) mesmo com a oposição do Bundesbank, o mesmo, com a insistência da Alemanha, é fortemente condicionado. A assimetria da resposta transatlà¢ntica com o estímulo monetário amplo do QE3 pode ser observada nos seguintes elementos: 1) A ação imediata fica descartada. O BCE só se moverá quando os países tiverem subscrito seus programas de ajuste estruturais, e isso levará seu tempo. Há mais de uma semana de anunciado, tanto Alemanha – com a ajuda da Finlà¢ndia – como Rajoy, por motivos opostos, estão postergando a aplicação efetiva do plano: para Merkel é politicamente mais fácil não pedir ao Bundestag aprovar o programa espanhol, enquanto o primeiro ministro espanhol quer evitar a humilhação nacional de um plano de resgate e de se submeter ã disciplina do imperialismo alemão. A França, por sua vez, pressiona a Espanha para que aceite. 2) O BCE empregará seu poder de fogo para que baixem as taxas de juros dos empréstimos pedidos pelos partícipes da moeda única que estejam em problemas, sempre e quando os governos dos estados solicitantes se adaptem ás condições “estritas e efetivas”, em outras palavras um reforço de seus planos de austeridade. Este último é o preço que Draghi teve que pagar para conseguir a aquiescência da Alemanha e outros países credores ao seu plano, em outras palavras um racionamento da dívida pelos países da periferia bloqueando um posterior crescimento da mesma que abriria a porta ás finanças transnacionais.

Que esse “armistício momentâneo” seja possível se explica pela necessidade de Obama de ter o cenário tranquilo até as eleições, os mesmos cálculos de Merkel em 2013, o reforço do bloco pró-keynesiano financeiro na UE com Monti e Hollande, ao mesmo tempo da constatação alemã de que uma saída precipitada da Grécia do euro a colocaria frente a um cenário catastrófico no qual para evitar o caos deveria levantar todas suas reticências ã mutualização das dívidas, exigidas pelo bloqueio EUA/Wall Street.

Mas a luta de fundo apenas acaba de começar. Como dizemos na nota da Estratégia Internacional, ao programa de um novo ciclo de endividamento europeu comandado por Wall Street, o governo Alemão está de algum modo opondo – sem querer ir a um choque aberto com Washington – uma linha de mediação. Merkel aponta uma distribuição acordada de parte dos “excessos” de dívidas/créditos existentes, enquanto busca preservar sua base industrial e os vínculos econômicos com Rússia e China. A divergência crescente entre Washington e Berlim, para além dos resultados, é um indicador importante da profundidade da crise em curso, portadora de convulsões na relação transatlà¢ntica que não se viam desde a Segunda Guerra Mundial, brecha muito mais profunda pelo momento que a relação entre Estados Unidos e China (o outro elo fundamental da geopolítica da crise mundial). O que está em discussão é uma reestruturação da relação entre a produção e a financeirização da economia, fundamental para saber quem arcará com a desvalorização da massa de capital fictício que se tem criado nestas décadas. Em consequência, só estamos a princípios de um processo de violenta reestruturação dos equilíbrios globais e de destruição de capitais. O velho equilíbrio capitalista está acabado, ainda não se vêem os contornos do novo.

A desaceleração chinesa se concretiza: os preços das matérias primas podem sofrer uma brutal queda nos próximos anos

A economia chinesa não está saudável. Ficaram para trás os tempos em que alguns bancos de investimento apontavam cifras de 9% de crescimento para 2012. Agora quase a totalidade das previsões apontam para 7%-8%. Todos os indicadores assinalam um crescimento pobre para este ano: as exportações crescem minimamente; as importações caem, em particular o petróleo; a margem de lucro das principais empresas – segundo um informe de Boston Consulting Group – vem-se retraindo desde 2009, caindo para 11% no ano passado em comparação com 18% de seus pares globais; alguns bancos como Nomura pensam que China vai ter um déficit de conta corrente em 2014.

É nesse contexto que se anuncia o novo plano de estímulo. As cifras estão sujeitas a controvérsia. Alguns falam de uma “bazooka” fiscal, outros opinam que os números avultados que se anunciaram são uma mera miragem, em grande parte planos de construção de rodovias e trens urbanos já em execução. O que sim, no entanto, está claro, é que toda massiva intervenção estatal pode agravar os desequilíbrios estruturais da economia chinesa: a economia já foi “super-estimulada” e voltar pelo mesmo caminho só a levaria aos mesmos problemas que se vivem atualmente, mas com consequências muito mais severas. Digamos primeiro que nada garante os mesmos resultados de outrora, uma vez que o plano de estímulo anterior foi não só a intervenção direta do estado, mas também créditos fáceis e massivos, a bolha imobiliária. Mas sobretudo depois desta orgia de investimentos e especulação se estima que a utilização de capacidade produtiva passou de 80% nos momentos prévios ã crise para 60% atualmente, os benefícios como vimos são cada dia menores, da mesma forma que os “profits warnings” (previsões de lucro), especialmente no aço, construção, materiais, empresas públicas, etc. De que serviria outro estímulo baseado em investimentos se atualmente sobra praticamente a metade da capacidade do país e os lucros caem? A racionalidade econômica de algumas SOEs (empresas públicas) que, apesar de operarem em setores em queda livre, como o aço, não param a produção – porque seria muito prejudicial para o emprego – seria, desde o ponto de vista capitalista, cada vez mais contraproducente.

Agreguemos a isso a misteriosa desaparição durante semanas de Xi Jinping, vice-presidente chinês e possível futuro líder do Partido Comunista, a uma transferência de mando já complicada pelo escândalo em torno da queda de Bo Xilai, como explicamos na Estratégia Internacional n° 28. Não surpreende que com todas estas incertezas continue a saída de capitais, sobretudo proveniente das altas esferas. Em outras palavras, esta fuga de capitais parece ser uma espécie de seguro de setores bem informados, uma cobertura no caso de que a transição de um poder de 10 anos em outubro saia muito mal; o temor de estouros sociais revolucionários, como tem sido a tradição chinesa em todo o século XX, ou inclusive no caso de que uma “guerra” envolva a região do Pacífico – como o secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, advertiu este fim de semana.

Conclusão: assim como na Europa e EUA, em 2012 a China pode evitar o pior postergando-o com mais estímulo monetário, fiscal e creditício. Mas não só uma aterrissagem forçada resulta mais provável em 2013 – quando se dissipe o estímulo, aumentem os créditos morosos, se acelere a redução das inversões e já não se possa remendar o problema de refinanciamento das dívidas das administrações provinciais, entre outras questões que se vem acumulando – senão que, de forma mais estrutural e preocupante, “o modelo de crescimento fácil” terminou. Se as taxas de crescimento chinês baixarem drasticamente no próximo período, os países produtores de matérias-primas, que superestimaram significativamente a sustentabilidade do “padrão de crescimento” chinês, podem ser duramente afetados. Levemos em conta que, enquanto a China representa somente 11% ou menos da economia global, representa uma porcentagem muitíssimo maior a nível mundial da construção de pontes, linhas férreas, sistema de metrô, arranha-céus, instalações portuárias, diques, instalações de construção naval, estradas, e assim sucessivamente. É este modelo de crescimento que está chegando a seu fim e o que explica a desproporcionada proporção da China na demanda mundial de commodities pesadas (hard commodities). Agreguemos a acumulação de estoque e a especulação nestes materiais que se desenvolveram nos últimos anos de crescimento dos preços destas matérias-primas. Ao mesmo tempo que, do lado da oferta e, após um começo tímido depois de duas décadas de níveis historicamente baixos das matérias-primas, ainda se sigam concretizando ou finalizando os planos de investimento para aproveitar o inesperado aumento da demanda da última década, agregando enormes capacidades de produção suplementar. Todos estes elementos, podem provocar uma forte baixa nos preços das matérias primas que seja um golpe de misericórdia aos grandes países produtores (em especial países semicoloniais, ainda que também Austrália ou Canadá entre os países imperialistas) mais expostos ao velho modelo de crescimento chinês.

A destruição de forças produtivas que a sobreacumulação na China antecipa neste país e nos países produtores de commodities, assim como o novo golpe que sofreria a produção em importantes ramos industriais dos países centrais que se vieram expandindo ao calor do crescimento chinês, são a outra para da massiva desvalorização de capitais produtivos e fictícios que estamos começando a presenciar a nível global e que asseguram um panorama convulsivo da economia mundial nos próximos meses, anos.

 

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