FRENTE AO ATAQUE ISRAELENSE SOBRE A SÍRIA
A Síria, que vem sendo palco de uma guerra civil há cerca de três anos e que já custou a vida de mais de 70 mil pessoas, está sendo o alvo de ataques israelenses que golpearam a capital Damasco desde o dia 3 de maio, tendo seguido até o dia 5 do mesmo mês. Este novo fato em meio ã guerra civil síria está se transformando numa escalada de tensões, que demonstra as grandes contradições que percorrem a região. O estado sionista de Israel alegou extraoficialmente que as operações buscam impedir que o Hezbollah, organização xiita que controla o governo do Líbano e é aliado de Bashar al Assad, receba armas do Irã, que estaria se utilizando do território sírio, como rota. Os ataques tinham como alvo supostos carregamentos de mísseis Fateh-110, que teriam um alcance de 300 km e uma margem de erro de apenas 200 metros. Neste sentido, os sionistas tendo ã frente o governo do direitista Benjamin Netanyahu, apesar não terem reivindicado publicamente a autoria dos ataques, se apressaram a declarar que estariam atuando em causa própria, não buscando favorecer nem o governo de Bashar Al Assad, aliado do Hezbollah, nem o campo composto pelas heterogêneas forças opositoras ao regime sírio.
A debilitada ditadura de Bashar Al Assad após diversos dias em silêncio, rechaçou as declarações de “neutralidade” israelense sobre o conflito interno sírio. Dessa forma, saiu a declarar que os ataques israelenses visariam fortalecer os setores opositores, e os aliados do imperialismo norte-americano que têm atuado no país, como a Turquia, Arábia Saudita e o Qatar, que vêm no último período apoiando militar e diplomaticamente algumas das alas da resistência, como o Exército Sírio Livre. Apesar de estar sendo crescentemente questionado, Assad declarou que a Síria estaria pronta para responder militarmente ã ofensiva israelense, questão que dificilmente se pode acreditar, tendo em vista as frentes de batalhas internas e a crise no exército oficial. Como elemento complicador para este quadro geral, no dia 08/05 setores das milícias opositoras ao regime de Assad sequestraram quatro soldados filipinos da ONU, nas Colinas de Golà, próximo ã fronteira com Israel, nas imediações das regiões desmilitarizadas entre a Síria e os territórios ocupados pelo Estado sionista em 1967. As milícias Brigada dos Mártires de Yamurk veicularam uma série de vídeos nos quais declaram que caso as forças de Assad não saíssem da vila de Jamla, seriam tratados como prisioneiros. Esta prática de sequestros por parte das forças opositoras já vinha se dando. Porém, em janeiro desse ano as Brigadas libertaram os reféns, a pedido de outras forças da oposição síria, que é composta pelos mais diversos setores que abarcam os mais distintos interesses. Há desde os jihadistas como a Frente Jabat al Nusra, que visa estabelecer um governo teocrático instaurando a sharia, e que em abril de 2013 declarou-se aliado da Al Qaeda no Iraque, passando por setores salafistas como Ahar al-Sham, las brigadas de Al-Haqq, Liwa al-Tawhid, Fajr al-Islam, além da milícia curda, que se organiza em torno das “Unidades de Proteção Popular”, que busca defender a minoria curda síria, ademais do Exército Sírio Livre, que conta com o reconhecimento dos imperialismos norte-americano e europeus como “oposição oficial”.
Esta gama de facções, aliadas ã ausência de uma intervenção dos trabalhadores como sujeito independente no plano interno, somado ã escalada de tensões abertas pela ofensiva israelense, demonstram como o conflito sírio está atuando como um catalizador de diversas contradições regionais, tendo um fim imprevisto, e pelo que tudo indica, distante.
Israel: clamor pela escalada das ofensivas regionais, e a manutenção de sua popularidade interna
Muitas hipóteses vieram ã tona sobre as motivações mais profundas da ofensiva sionista. Alguns analistas indicam como esta movimentação poderia ter como fundamento uma tentativa de fazer com que os EUA interviessem militarmente e endurecessem sua política de conjunto, para dessa maneira, garantir uma melhor correlação de forças para seu aliado sionista na região em meio ã continuidade das manifestações que ficaram conhecidas como a “primavera árabe”. Outros, que têm omitido a opinião majoritariamente aceita pelos jornais burgueses internacionais, ratificam a versão expressada pelos sionistas de que os ataques visariam puramente diminuir a capacidade militar do Hezbollah libanês, que em 2006 impuseram a primeira derrota militar a Israel em décadas, o que levou na ocasião ao desgaste do governo de Israel. E há ainda análises menos frequentes de que se trataria de um ataque calculado conjuntamente pelos Estados Unidos e Israel há tempos, em que os aliados sionistas do imperialismo norte-americano tomariam a ofensiva, buscando assim pavimentar o caminho para que em seguida os Estados Unidos pudessem intervir mais diretamente.
É possível que o cálculo político por detrás da ação de Israel seja uma mescla dos dois primeiros elementos mencionados acima, enquanto a terceira hipótese seria a menos provável. Isso porque Israel vem endurecendo sua política, como se pôde constatar mediante o discurso realizado por Benjamin Netanyahu na Assembleia Geral da ONU em setembro de 2012 em que declarava que o Irã havia cruzado a “linha vermelha” traçada pelos sionistas, e que estariam a um passo de adquirir a bomba nuclear, e ao lado de Assad que estaria utilizando gás sarin contra os rebeldes, constituiriam como uma “ameaça ã existência de Israel”. Naquela ocasião, tornou-se claro como o objetivo dessas declarações era forçar seu aliado histórico, o imperialismo norte-americano, a escalar as tensões contra o Irã em primeiro lugar, e em menor medida contra seus aliados na região, sobretudo o Hezbollah e o governo em crise de Bashar Al Asad.
Parte das motivações dos sionistas são as incertezas que se abrem no cenário regional frente ã provável queda de Bashar Al Assad, que no discurso mantinha uma retórica anti-israelense, mas na prática fora um dos governos mais conciliadores, nunca tendo se colocado, por exemplo, a tarefa de retomar as Colinas de Golà ocupadas por Israel desde a guerra de 1967, enquanto já reprimia e assassinava brutalmente seu próprio povo. Tanto é assim que, em diversas ocasiões, o alto mando do governo israelense já havia declarado que Assad seria “dos males o menor”.
Mas, para, além disso, já é comum que o governo israelense ataque os países vizinhos tendo em vista obter legitimidade interna, e recompor em chave abertamente reacionária seu apoio. Foi assim como uma vez mais o estado de Israel se lançou em mais uma assassina ofensiva sobre a Faixa de Gaza denominada como Operação Coluna de Nuvem, contra o povo palestino em novembro do ano passado. Naquela ocasião, a popularidade de Benjamin Netanyahu e Ehud Barack, ministro da Defesa, elevou-se em 20 pontos, abarcando 84% da população. O governo israelense, que veio nos últimos anos amargando uma crise econômica que levou a que suas ruas fossem palco de protestos, e cujo alto escalào dos mais distintos setores dos partidos políticos protagonizaram escândalos diversos, que vão desde casos de corrupção, a denúncias de abusos sexuais, vê no massacre ao povo palestino, na disseminação de sua política racista, e na sua ofensiva beligerante, a forma mais direta para mascarar a sua própria decadência.
Uma vez mais a demagogia imperialista de Obama entra em ação
Ainda que a “linha vermelha” tenha sido verborragicamente tomada pelo imperialismo norte-americano, sua política na prática vem sendo até o momento mais reticente a uma intervenção na Síria a exemplo do que anteriormente promoveu na Líbia, ou mesmo em relação ao endurecimento que escape ao controle em relação ao Irã. Isso se demonstra nas recentes declarações de Obama, que a despeito dos clamores dos aliados sionistas, afirmou que descarta por ora a possibilidade de intervir militarmente na Síria. Isso porque uma intervenção deste tipo teria um alto custo para o imperialismo norte-americano, pois ao contrário da Líbia, em que havia condições de promover uma ofensiva relativamente rápida cujo sucesso ainda possibilitaria aos Estados Unidos posar de “aliado da democracia” em meio aos levantes da primavera árabe, na Síria uma intervenção poderia desatar uma série de levantamentos e escalada de tensões, sobretudo com o Líbano e o próprio Irã. Soma-se a este elemento o fato de que os Estados Unidos, apesar das comemorações dos economistas sobre uma recuperação, sobretudo no setor especulativo, ainda seguem imersos numa crise capitalista, que vem acompanhada de uma série de disputas com a Alemanha sobre como lidar com seus efeitos, e que se combina a uma série de tensões no plano internacional, como a recém-deflagrada com a Coreia do Norte. Assim, uma intervenção na Síria neste momento poderia resultar muito mais custosa que vantajosa, fazendo com que Obama saia a declarar que já haviam intervindo no passado sob a alegação de suspeitas de desenvolvimento de armas de destruição em massa, cujo resultado havia sido infrutífero, numa clara alusão ã guerra do Iraque, responsável por um salto importante no processo de decadência dos Estados Unidos como potência hegemônica.
Justamente por isso, o imperialismo norte-americano vem apostando numa tentativa de negociar uma saída, tendo em vista inclusive o objetivo de não se indispor com a Rússia, que tem interesses e mantém uma série de parcerias com o governo sírio, e com quem pactuou em comum acordo o chamado para a realização de uma conferência sobre a Síria em fins de maio, na qual participariam membros do governo e da oposição. Portanto, se vê claramente de outro ângulo como a intervenção da OTAN na Líbia nada tinha a ver com qualquer preocupação dos imperialismos com os assassinatos em massa ocorridos no país, mas com um cálculo político de como projetar seus interesses sobre a região. Assad não é menos assassino que Kadafi. Porém, enquanto ao primeiro o imperialismo oferece a possibilidade de uma representação em um futuro governo de transição negociado com a oposição, ratificando os termos do Acordo de Genebra de junho de 2012 que prevê uma transição pactuada com o próprio Assad, apesar de este carregar nas costas 70 mil mortos, ao segundo interveio com as bombas da OTAN. Vê-se claramente que alguns mortos valem mais que outros para o imperialismo e seus aliados.
Abaixo a ofensiva israelense sobre a Síria!
É precisamente por termos plena consciência de que ao imperialismo norte-americano pouco importa os civis e os assassinados, e de que estes atuam sempre em seu estrito interesse, que nunca acreditamos que a intervenção da OTAN na Líbia pudesse colaborar para que se desse “uma vitória das massas” com a queda de Kadafi, como alegaram diversos setores da esquerda. Que a única perspectiva progressista aos processos que se abriram no Magreb e no Oriente Médio deve se definir pela queda revolucionária dos regimes. Isso significa que seja pelas mãos dos trabalhadores e dos povos sublevados, sem nenhuma interferência do imperialismo, e de maneira independente ás burguesias locais, que por décadas levaram adiante uma política submissa, sem a qual a dominação imperialista e israelense jamais teria podido se estabilizar.
Defendemos também o cessar imediato dos ataques israelenses sobre o território sírio, bem como nenhum tipo de intervenção dos imperialismos. A guerra civil síria só pode ter uma saída pela positiva a partir da ação independente dos trabalhadores e do povo sírio, de maneira independente ás distintas direções burguesas, laicas ou islà¢micas, que buscam se assentar sobre o descontentamento do povo com o regime assassino de Assad para obter seus próprios interesses, e que não resolverão nenhuma das demandas mais sentidas da população, sendo em verdade os carrascos de amanhã.
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