A ocupação haitiana pelas tropas da Minustah(Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), chefiada pelo Brasil, completa nove anos neste mês de junho. Desde 2004 quando se deu a queda do então presidente Jean Bertrand-Aristide o povo haitiano segue sob a ocupação das forças repressivas desta missão, que “de paz” como se alega ser, nada tem. Ao longo deste período foram recorrentes as denúncias de abusos e violências contra o povo haitiano protagonizadas pelas forças da Minustah, que além de ser chefiada pelo Brasil, é composta por efetivos da Argentina, Benim, Bolívia, Canadá, Croácia, Chile, Equador, Espanha, França, Guatemala, Jordânia, Marrocos, Nepal, Paraguai, Peru, Filipinas, Sri Lanka, Estados Unidos, e Uruguai. Com o terremoto de 2010 que matou mais de 300 mil pessoas, deixando milhões sem moradia, e agravando a já terrível situação de miséria da imensa maioria da população, vieram ã tona a atuação da Minustah, a partir da denúncia de estupros a jovens desabrigadas cometidos por soldados uruguaios. Combinou-se a isso a terrível repressão que as tropas da Minustah desferiram contra a população, quando pouco depois do terremoto o país se viu submerso em uma epidemia de cólera, que levou amplos setores da população a tomarem as ruas de Porto Príncipe exigindo atendimento médico aos doentes.
O relatório da Plataforma de Organizações Haitianas divulgado em 2012 revela que o clima de insegurança cresceu depois da chegada das tropas. Cita as atrocidades cometidas pelos militares, sobretudo, nos bairros mais pobres, como Cité Soleil, Bel Air e Martissant, onde houve diversas operações que mataram haitianos. De fevereiro de 2004 a dezembro de 2006, apenas na região metropolitana da capital, Porto Príncipe, 74 pessoas foram mortas nas intervenções da Minustah. O relatório cita ainda o enforcamento de Gerald Gilles no Cabo Haitiano, a violação de Johny Jean em Port-Salut e a de Roody Jean em Gonaives, e o assassinato de Widerson Gena, que foi vitimado quando participava de uma manifestação em Verettes.
Portanto, longe de serem admirados e queridos pela população, como quer fazer crer a propaganda do governo Lula e agora de Dilma, as tropas de ocupação são tidas como repressores e ocupantes estrangeiros pela população haitiana. Durante o terremoto, ficou claro a intervenção da Minustah foi demonstrando quão seletiva era a “ajuda humanitária” que excluía um amplo setor da população, tendo num primeiro momento sido prestada prioritariamente aos funcionários da ONU e ONGs atuantes no país.
Lula e Dilma no Haiti: exportação do projeto repressivo brasileiro
A atuação brasileira no Haiti é uma demonstração criminosa de que o discurso do governo petista de levar adiante uma política externa “progressista” é uma verdadeira falácia. A intervenção iniciada sob o comando de Lula, e continuada até hoje por Dilma, atendeu inicialmente ás pretensões do governo petista de colocar o Brasil numa cadeira do Conselho de Segurança da ONU, e projetar o país como sendo parte daqueles que seriam capazes de comandar missões internacionais. Apesar de muita demagogia, a maneira como as tropas brasileiras e a chefia da Minustah atuaram demonstra claramente que os interesses do governo petista passam longe da preocupação com as péssimas condições de vida da população haitiana, atendendo aos interesses da burguesia brasileira de projetar-se internacionalmente. Ligado a isso estão as grandes oportunidades lucrativas para a burguesia brasileira com a “reconstrução” do Haiti.
A Brasil Foods acaba de anunciar que irá construir um aviário no Haiti, alegando que isso é parte do esforço de “recolocar a indústria alimentícia do país em pé”. Ainda que tenha anunciado que os lucros do aviário seriam reinvestidos na indústria alimentícia haitiana, seguramente a Brasil Foods está plenamente consciente de que terá excelentes margens para ampliar sua presença neste setor da cadeia produtiva do país, que hoje sofre com a política que lhe foi historicamente imposta de ter que exportar grande parte dos alimentos. Novamente, apesar da demagogia, o que se tem aqui é uma busca de setores concentrados da burguesia brasileira por garantir sua parte no quinhão da “reconstrução haitiana”. Não ã toa nenhuma palavra foi dita por Dilma quando o ex-presidente norte-americano Bill Clinton convocou uma reunião de monopólios internacionais que seriam potenciais investidores, que atuando como verdadeiros abutres de olho na divisão do botim haitiano discutiram como dividir o lucro que obteriam mediante a “reconstrução” do Haiti.
Além disso, como demonstramos acima, o papel da atuação das tropas brasileiras no Haiti sempre foi a repressão, como não poderia ser de outra forma. Isso se demonstra na própria composição das forças que lá atuam. Atualmente o Exército possui 1.910 soldados, divididos em dois batalhões de infantaria e uma companhia de engenharia de 250 soldados. O Batalhão 1 é responsável por todas as funções repressivas na capital com 900 homens. O Batalhão 2, de ajuda humanitária, tem 769, e será trazido de volta ao Brasil pelo governo Dilma. Já o Batalhão destinado a repressão terá seu contingente aumentado para 1200 efetivos. Enquanto mais de 500.000 pessoas permanecem em acampamentos improvisados nas ruas; a epidemia de cólera causou 7.000 mortes e a insegurança alimentar atinge a 45% da população de 10 milhões de habitantes, as tropas de ocupação da Minustah custam anualmente cerca US$ 500 milhões, o que desde o início da ocupação atinge o volume de 4,5 bilhões de dólares. Como aponta o estudo da Plataforma de Organizações Haitianas: “O custo de sua operação deixa pressagiar um antagonismo flagrante entre a vontade de criar a estabilidade do Haiti em vista do desenvolvimento socioeconômico do país e do enriquecimento dos atores internacionais, deixando jogados na miséria uma grande proporção da população”.
Como se isso tudo não bastasse, a atuação brasileira no Haiti ainda está “exportando” o programa de ocupação das favelas chamado cinicamente de “pacificação”, implementado em algumas das favelas do Rio de Janeiro. No último dia 24 de maio foi firmado um convênio entre o governo do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral do PMDB, e o primeiro-ministro do Haiti, Laurent Lamothe em visita ao Brasil no último mês, que visa estabelecer uma parceria da Polícia Militar carioca com a polícia haitiana. Estão previstas visitas em julho de uma comissão da Polícia Nacional haitiana, para conhecer a ação do Bope, da Tropa de Choque e da PM carioca. Como relatou o jornal O Estado de S Paulo” de 24/04/13: “Uma das cláusulas do convênio prevê "promover o intercâmbio de experiências em promoção e estratégia de intervenção, pacificação e ordenamentos de zonas violentas, planejamento tático e ações de operações especiais, polícia de proximidade, policiamento com cães, controle de multidões, policiamento em grandes eventos culturais e esportivos, e outros assuntos de interesse".
Dessa maneira, será exportada ao Haiti a política de Sérgio Cabral apoiada pelo governo Dilma, que é o pilar de um projeto repressivo e corrupto que criminaliza a pobreza, e que todos os dias assassina os jovens e os trabalhadores que vivem nas favelas, além de desrespeitar os mais elementares direitos dos moradores que têm suas casas vasculhadas a bel prazer pela polícia que atua mediante “mandatos de busca coletivos”, levando-os a se manifestar em 2011 contra as UPPs com cartazes nos quais se lia “Sai o Comando Vermelho, entra o Comando Verde”. A polícia do Rio de Janeiro notoriamente citada em praticamente todos os relatórios de Direitos Humanos mais importantes como uma das mais violentas, corruptas e criminosas, cumprirá assim o papel de treinar as forças repressivas haitianas em formação, para que tal como fazem aqui massacrem sem hesitação a população haitiana.
Por sua vez, a miséria a qual os haitianos estão submetidos depois de 9 anos de ocupação, os efeitos do terremoto, mas acima de tudo, os efeitos gerados pela política implementada pelos seus governos burgueses entreguistas e corruptos, o imperialismo em especial estadunidense, e seus aliados como o governo brasileiro e os demais que compõem a Minustah, levaram a que milhares cruzassem as fronteiras e viessem para o Brasil. Quando chegam aqui não obtém nenhuma assistência do governo brasileiro, ficando em sua maioria acampados em alojamentos insalubres, sem trabalho ou perspectivas. E qual a política que eminentes parlamentares petistas como o senador Jorge Viana (PT-AC) defendem para lidar com os imigrantes haitianos? Novamente a repressão. Alegando querer “proteger” os imigrantes haitianos de um pretenso conflito com a população do Acre, onde se instalaram cerca de 1700 imigrantes, Jorge Viana reivindicou o envio da Força Nacional de Segurança. Entretanto, sabe-se que esta política está a serviço de conter mediante a repressão os imigrantes, que ali seguem amontoados sem nenhum tipo de atendimento, e se depender de Jorge Viana sem direitos de permanecer no Brasil por vias legais.
Dessa maneira, vemos como as “contribuições” do governo brasileiro ao Haiti são completamente orientadas contra os interesses e o bem-estar do povo haitiano, desmascarando a demagogia petista de atuação humanitária.
É preciso reforçar uma campanha pelo fim da ocupação do Haiti
Os acordos feitos com a ONU e o atual governo do Haiti preveem que a ocupação do país pela Minustah dure ate pelo menos 2016. É preciso, portanto, fortalecer uma campanha que envolva as organizações de esquerda, de juventude, sindicatos e de direitos humanos pela retirada imediata das tropas da Minustah do Haiti, começando por uma forte denúncia da política do governo petista de Dilma. Também é preciso que se levante uma campanha contrária ao reacionário convênio firmado com a PM, Tropa de Choque e Bope cariocas para a implantação de UPPs no Haiti! Esta política atentará contra a população e os trabalhadores haitianos, tal como se exerce no Rio de Janeiro hoje. Que a ajuda humanitária seja recebida e empregada pelas organizações do movimento operário e populares, e não pelas administrações corruptas realizadas por ONGs e organizações ligadas ao imperialismo e ás forças de ocupação. Da mesma maneira é preciso que a reconstrução do Haiti seja realizada por um plano de obras públicas, que esteja articulado a partir das necessidades da população, e não dos planos de saqueio do imperialismo.
É preciso também levantar a exigência a que os imigrantes haitianos que hoje cruzam a fronteira e chegam ao Brasil sejam recebidos com dignidade, e possam aqui contar com toda a assistência de que precisam para recomeçar suas vidas. Desde já nos colocamos contra toda e qualquer tentativa de repressão aos imigrantes haitianos!
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