Debate estratégico na esquerda, conseqüências políticas e luta pela reconstrução da IV Internacional
O fio condutor da IV Conferência foi abordar a atividade teórica e política dos integrantes da FT-QI do ponto de vista da estratégia operária revolucionária e dos novos desafios que apresentam a situação do capitalismo em geral, e da classe operária em particular, neste início do século XXI. A partir deste ângulo, abordamos a principal discussão que se está desenvolvendo nas organizações que se reivindicam marxistas revolucionárias a nível internacional: "o retorno da questão político-estraté gica" como é chamada por Daniel Bensaïd, principal teórico da Liga Comunista Revolucionária (LCR) da França e do Secretariado Unificado (SU). Nos últimos números das revistas reórico-políticas da LCR (Critique Communiste) e do SWP britânico e sua corrente internacional (Internacional Socialism), vêm sendo publicados vários artigos de seus principais dirigentes (D. Bensaïd, A. Callinicos, F. Sabado, F. Sitel, A. Artous, etc) nos quais são formuladas diferentes hipóteses estratégicas "anticapitalistas", e em função disso são abordados os programas e os projetos atuais que estão levando a uma dura luta fracional na LCR
Na IV Conferência da FT-QI discutimos os artigos em questão, retomando uma polêmica que vimos desenvolvendo desde há vários anos a partir da revista Estratégia Internacional, que implicam uma ampla gama de questões de história das revoluções e da luta de classes (consideram perecida a estratégia insurrecional da Revolução Russa e da III Internacional de Lênin e Trotsky, colocando-a no mesmo nível da estratégia de "guerra popular prolongada" surgida das experiências da China e de Cuba; tomam a tática de "governo operário" da III Internacional para justificar a participação em governos burgueses de centro-esquerda) , de filosofia política (a questão da "cidadania" e da "vontade geral"), da teoria do Estado (relação entre organização soviética e sufrágio universal), de programa e de construção de partidos. Todos estes temas serão abordados em artigos das próximas edições de Estrategia Internacional. Aqui queremos somente assinalar que o ponto de vista que desenvolvemos parte de questionar a afimação comum tanto ã LCR quanto ao SWP de que "o antineoliberalismo conseqüente é anticapitalismo" sem apontar que os programas que se definem como "antineoliberais" respondem aos interesses de setores burgueses ou pequeno burgueses "marginalizados" pelos grandes monopólios, e são contrapostos aos interesses da classe trabalhadora. Esta posição responde ao fato de que estas organizações incluem em seus programas demandas desses setores em nome de buscar confluir com eles em "partidos amplos antineoliberais" (como o PSOL brasileiro), em frentes políticas permanentes (como RESPECT na Grã Bretanha, impulsionado pelo SWP), ou apoiando a Chávez na Venezuela. As teorizações sobre a "luta pela democracia até o final" ou considerando o "sufrágio universal" como um princípio democrático superior ás considerações de classe, são funcionais para deixar de lado nada mais nada menos que a luta revolucionária pelo poder para os trabalhadores, que implica destruir o Estado burguês. Quando a LCR retirou de seu programa a consigna de "ditadura do proletariado" há alguns anos não se tratou de uma "questão de forma", de como apresentar melhor uma estratégia revolucionária, mas sim do abandono da luta pela revolução operária que caracteriza o marxismo desde sua origem. Neste caminho, dirigentes como Bensaïd levantam a necessidade de construir um regime político onde se expresse a "vontade geral" através de instituições parlamentares baseadas no sufrágio universal, combinadas com instituições operárias como foram os Soviets ou Conselhos operários, sem considerar a diferenciação elementar que remarcava Lênin entre os órgãos da ditadura burguesa e os da revolução e do governo operário. Contra essa visão que dissolve os interesses do proletariado no conjunto da "cidadania", não lhe opomos uma estratégia "obrerista", corporativa, mas afirmamos que é necessário construir partidos operários revolucionários que lutem para que a classe operária seja capaz de levantar um programa que lhe permita unir suas fileiras e posicionar-se como classe hegemônica, que seja capaz de acaudilhar os demais setores oprimidos, começando pelas demandas democráticas das amplas massas.
Estamos assistindo a uma nova "onda liquidacionista" (de destruição de partidos) no movimento trotskista. Se a primeira levou ã dissolução de importantes seções nos Partidos Comunistas no segundo pós-guerra (aquilo que ficou conhecido como o "entrismo sui generis" do "pablismo"), e a segunda foi resultado das capitulações e adaptações que nos anos 1980 levaram ã desaparição de importantes partidos do SU como os PRT mexicano e espanhol, e de sua seção alemã, assistimos agora a uma nova onda liquidacionista em resposta ã pressão sobre as organizações que se reivindicam trotskistas vinda dos restos do reformismo europeu ou de pseudo nacionalistas como Chávez ou Evo Morales. O setor amplamente majoritário do SU no Brasil se integrou ao governo de Lula, enquanto uma minoria formou o PSOL (ver quadro).
Na IV Conferência da FT-QI reafirmamos a imperiosa necessidade de luta pela reconstrução da IV Internacional, tanto ideológica como politicamente. Como parte desta batalha, resolvemos fazer propostas ás correntes do movimento trotskista como a LIT, a CRCI-PO ou o POR da Bolívia que, por exemplo, têm criticado total ou parcialmente a subordinação ao chavismo. Para além das importantes diferenças políticas que possuímos, faremos todos os esforços para apresentar um pólo o mais forte possível que levante um programa de luta antiimperialista conseqüente e pela independência política dos trabalhadores, na perspectiva de um governo operário, alternativo ao pseudo nacionalismo burguês.
Os grandes problemas teóricos e políticos da atual situação que estão em questão no debate atual, devem ser abordados com o método de Lênin e Trotsky, que buscaram responder aos novos problemas partindo de uma estratégia revolucionária operária e socialista, sugerindo, por exemplo, distintas vias táticas para a construção de partidos operários revolucionários. Trotsky propôs aos trotskistas na França, nos EUA ou na Espanha, durante os anos 1930, que ingressassem nas fileiras dos partidos socialistas (nos quais entravam milhares de operários que giravam ã esquerda) ou impulsionar um Partido de Trabalhadores (nos EUA, no final da década de 30), lutando em seu seio por um programa revolucionário e contra o reformismo e o oportunismo. Isso mostra que os revolucionários não estamos contra, por princípio, a participação, como tática na construção de partidos revolucionários, em partidos "amplos" cujo programa e direção não sejam revolucionários (como pode ser por exemplo um Partido de Trabalhadores) , desde que o programa dos mesmos tenha um caráter de classe (proletário) e expressem em sua composição uma tendência real rumo ã esquerda de setores do movimento operário, dentro dos quais lutemos abertamente por um programa revolucionário e para formar uma ala conscientemente revolucionária. Por isso, desde a FT-QI impulsionamos a construção de um Partido Operário Independente na Venezuela, ou de um Instrumento Político dos Trabalhadores na Bolívia, onde os sindicatos combativos se comprometam a impulsionar uma organização política que no mínimo seja nitidamente classista.
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