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Egito: a marcha da classe operária para sua consciência política
por : Jacques Chastaing, militant du NPA à Mulhouse

22 Jul 2013 | No Egito e no mundo árabe – ou em qualquer outro lugar-, a auto-organização só pode inscrever-se na marcha das classes exploradas para sair da sua apatia política e no caminho de tomar consciência sobre seu próprio papel.

Por Jacques Chastaing - NPA

No Egito e no mundo árabe – ou em qualquer outro lugar-, a auto-organização só pode inscrever-se na marcha das classes exploradas para sair da sua apatia política e no caminho de tomar consciência sobre seu próprio papel.

A revolução no Egito (e Tunísia, Síria, etc.) é um grande abalo no mundo. Também é um fantástico desdobramento das mudanças recentes no planeta e os caminhos que, atualmente, tomam a consciência dos oprimidos para sua emancipação.

Estas revoltas não são apenas fenômenos “árabes” causados pelo desgaste dos regimes ditatoriais, senão que estão vinculadas ás alterações econômico mundiais dos últimos trinta anos. A crise tem levado o capitalismo a passar para frente o endividamento cujos efeitos vemos aqui hoje, mas também o tem levado ã busca tanto de novos mercados como de um novo proletariado de baixos salários; a competição entre os trabalhadores do mundo; uma nova geografia industrial planetária e a desregulamentação mundial da proteção social, pondo de cabeça para baixo muitas situações assentadas e estabelecendo as bases dos atuais levantamentos, desde Egito a Turquia, passando por Bangladesh.

As revoluções árabes tem dado passo a um período de desbarate e desdobramento destas novas mudanças econômicas e seu impacto na consciência.

Os fluxos estruturais da consciente para a autonomia

A liberalização econômica quebrou todo tipo de proteção, empurrou os pobres a buscar uma vida melhor nas principais cidades, conduzindo a uma urbanização desenfreada. O Cairo passou de ter 3 milhões de habitantes em 1960 a mais de 20 milhões atualmente. Surgiu uma grande quantidade de cidades médias e pequenas. Dos 100 milhões de habitantes do mundo árabe em 1950, 26% vivia nas cidades. Hoje em dia, tem mais de 66% de um total de 350 milhões. Alexandria conta com mais de 5 milhões de habitantes, Port Said, Suez, Mahalla, Mansoura, cidades que as lutas nos fizeram conhecer, superam os 500.000 habitantes cada uma. O Egito tem uma população de 85 milhões de pessoas, muito jovens (com uma idade em média de 24 anos); uma densidade de habitantes seis vezes superior a dos Países Baixos – a mais alta da Europa-; uma classe operária de 8 milhões de pessoas; a indústria mais desenvolvida no mundo árabe (24.000 empregados, por exemplo, em “Misr Spinning and Weaving” no local de Mahalla al-Kubra), e um setor “informal” de pequenos postos de trabalho do “dia a dia” que abarca entre 10 a 17 milhões de trabalhadores. Frequentemente, estes últimos são estigmatizados socialmente como delinquentes ou traficantes de drogas que não tem, por suposto, nenhuma proteção em caso de acidente ou enfermidade, não tem acesso ã aposentadoria e seus filhos tampouco se atrevem a dizer a o quê se dedicam seus pais. Contudo, é este setor do proletariado o que tem tido e segue tendo um papel central nas revoltas que sacudiram o país, mas que continua até o momento sem representação política. É esta contradição e a marcha em direção ã consciência dos explorados, a chave de todos os acontecimentos políticos dos últimos dois anos no Egito.

Esta contradição é a que se encontra na cidade-selva, a que sacudiu as tradições e destruiu a velha solidariedade, mas ao mesmo tempo destrói o que tem de mais pesado e coercitivo a própria tradição, criando um “espaço de liberdade” que minava a autoridade da antiga família patriarcal ou a religião. “A liberdade” sem dúvida de um proletariado feminino e infantil que tem sido explorado sem limites. Mas, ao mesmo tempo em que a cidade se converte em “selva”, mescla as tradições e faz os trabalhadores egípcios entrarem no proletariado mundial.

Estima-se em três milhões a quantidade de habitantes das vilas miséria do Cairo em condições de vida dramáticas. Um milhão de crianças são abandonadas a sua sorte nas ruas das cidades. “Gavroches” (nome de um personagem de “Os miseráveis”) dos tempos modernos, que frequentemente se encontram nas filas dos ultra ou na primeira linha dos enfrentamentos com a polícia. Ao mesmo tempo, tem 21, 7 milhões de usuários de Internet no Egito.

Com a cidade, suas liberdades, sua concentração e internet, o peso dos jovens tem multiplicado. Mas o mais surpreendente é a participação significativa dos homens maduros na revolução, que até esse momento, ao assumir a autoridade na família patriarcal e religiosa, jogavam um papel moderador.

No campo industrial, a abertura ã concorrência mundial tem levado ã privatização das produções do Estado mais tradicionais como a têxtil, que têm sido compradas frequentemente pelo capital indiano, com condições degradadas para os trabalhadores. A terra é tirada dos campesinos em favor dos grandes latifúndios. A “liberalização” da economia mundial tem implicado na industrialização, mas também no fechamento de empresas de propriedade estatal (4.600 fechamentos em 2012), assim como a destruição dos serviços públicos que causam o crescimento da pobreza por um lado, e da riqueza, por outro. A pobreza aumentou de 39% da população em 1990 para 48% em 1999 nas zonas urbanas, e de 39% a 55% nas zonas rurais. Hoje mais de 40% vive com menos de um euro por dia. De fato, tratando de escapar das velhas instituições ás quais foram confinados, massas de homens formaram ondas de imigração de uma magnitude sem precedentes na historia da humanidade. No mundo árabe, mais de 22 milhões tem emigrado, sobretudo aos países do Golfo, mas também para a Europa e inclusive, mais além. No desespero que assola esses países, não havia mais que uma saída: fugir ao estrangeiro, trabalhar ali, ir ã escola, sonhar com um lugar melhor. Mas grande parte dos migrantes nos Estados do Golfo tem regressado. Quando as fronteiras europeias são cada vez mais herméticas, isso não é nem um pouco assim nas revoltas atuais. A urbanização e a migração têm mostrado não só outro mundo, senão que também o tem feito penetrar, causando uma verdadeira revolução matrimonial que minava os cimentos das ditaduras, como as bases da religião tradicional, ambas baseadas na família patriarcal, o matrimonio com pouca idade e entre primos, a submissão das mulheres e uma alta taxa de fertilidade.

Em 30 anos no Egito – a tendência é similar nos países árabes- com considerável urbanização e a imigração em grande escala, muitas mulheres se puseram a trabalhar; a idade para contrair matrimonio que era de 17 a 18 anos para as mulheres aumentou para 23 anos, e 27 para os homens. Isso significa um período de celibato maior, e também de disponibilidade para a ação coletiva. A fertilidade diminuiu de 6 ou 7 crianças ao redor de 3. Estima-se que a taxa de contracepção é de quase 60%. O número de abortos, pese que ainda seja proibido, explode. A diferença de idade entre os cônjuges, tradicionalmente alta, diminui ã medida que se torna habitual o matrimonio endogâmico. A duração do matrimônio, bastante curto pela facilidade com que contam os homens para recusá-lo, se alonga. A poligamia quase tem desaparecido.

A violência atual do tradicionalismo religioso é uma reação a um mundo superado por esta evolução, o colapso eleitoral brutal da Irmandade Muçulmana encontra nela seus motivos. A praça Tahrir, onde convivem sem problemas homens e mulheres, tem dado um rosto a esta transformação, ao mostrar que estes arcaísmos não estão inscritos nas profundidades da “natureza humana”, se não que se assentam nestes regimes ditatoriais e ali que encontram seus fundamentos. A família, o matrimonio, a herança, as fronteiras nacionais, a educação, as formas de governo, a representação política, religiosa e a propriedade estão todos em crise.

O caminho dos explorados para a consciência política que faz entrar em pânico os possuidores

Contrariamente ao que se diz frequentemente, a revolução egípcia não tem sido sufocada por um chamado inverno islamita, nem se está apagando aos poucos pelo desgaste lento.

Como prova, o mês de abril de 2013, com 1.462 protestos identificados pelo Centro para o Desenvolvimento Internacional – 48 por dia- dos quais 62,4% tem um caráter econômico e social, não só rompeu todos os recordes da historia do Egito, se não que tem sido também o pico mundial deste mês. Ao comparar quantitativamente os meses que separam duas revoluções russas de 1917, parecem um longo e tranquilo rio. O mês de março foi agitado, com quase 1.354 protestos. De fato, desde a tomada do poder por Morsi e a Irmandade Muçulmana, em julho de 2012, o numero de conflitos tem mais que duplicado no mesmo tempo, só no ano de 2012 já contava com mais movimentos que os 10 anos anteriores juntos.

Milhões de egípcios ingressaram na cena política e estão fazendo sua própria experiência. Alguns pela primeira vez, ás vezes utilizados por seus patrões ou administradores para pressionar as autoridades. Mas outros já estão em sua quinta ou sexta greve em dois anos, para não falar da sua participação nos protestos nos bairros ou nas manifestações políticas. Todos direta ou indiretamente tem mais experiência e organização do que jamais tiveram; novos militantes se formam, em busca de alimentos ideológicos na praça Tahrir ou na universidade e todos os lugares de debate, deixando pouco a pouco seu estupor de explorados, mostrando-se capazes de ajudar a si mesmos e com cada vez mais peso sobre outras categoriais sociais.

Nos últimos 10 meses, desde que Morsi assumiu o governo, a revolução tem tomado a forma, em setembro e outubro de 2012, de amplos movimentos sociais centrados em fins econômicos ao redor de greves gerais de professores e médicos. Em novembro e dezembro, se converteu num grande movimento político em torno da exigência da queda do regime considerado uma nova ditadura. Na mobilização de 4 de dezembro, se reuniram quase 750.000 manifestantes nas ruas do Cairo e ao redor do palácio presidencial, o que obrigou a Morsi a fugir, mas foi salvado pela covardia da oposição que o acompanhou no desvio do movimento insurrecional para as urnas, com o referendum religioso e constitucional. Com a abstenção massiva durante estas eleições em dezembro, as pessoas tinham experiência de ter deixado em minoria o conjunto de seus partidos. Em janeiro, fevereiro e março de 2013, as cidades do canal de Suez insurretas desafiaram massivamente o estado de emergência e ridiculizaram a autoridade que o poder islà¢mico havia posto em seu lugar. Mas foram também os trabalhadores das cidades do delta do Nilo, como Mansoura e Mahalla, os que simbolizaram, frente todo país, o questionamento ã autoridade governamental, a polícia e os islà¢micos com numerosos edifícios do Partido da Liberdade e da Justiça (Irmandade Muçulmana), da polícia ou prefeituras, queimados ou saqueados. O grande aparato policial (4 milhões), militar (3 milhões), religioso (2 milhões de membros da Irmandade Muçulmana) que impuseram o terror, pareciam paralisados. Nas mesquitas, via-se os imanes denunciar o falso islà de salafistas e da Irmandade Muçulmana. Inclusive vimos uma jovem professora fazer apologia de ateísmo frente a uma multidão de curiosos. Nem sequer a universidade de Al Azhar, foco central do islà do Oriente Médio, escapou a desafio em toda a regra por seus estudantes.

Sob o governo do exército SCAF, de janeiro de 2011 a julho de 2012 e 9 eleições, os egípcios tem rompido com suas ilusões sobre o exercito e a democracia representativa. A partir do governo da Irmandade Muçulmana, romperam as ilusões no islà político e aprendem a fazê-lo com o FSN, frente aos partidos da oposição sob a direção dos liberais, democratas e socialistas nasseristas.

É por isso que temos visto aparecer a partir de janeiro de 2013, milícias de autodefesa, batizadas comumente pela imprensa como “Bloco Negro”, para se defender da extrema violência da polícia, rompendo com a tradição de não violência legal da oposição institucional. É por isso que também apareceram os inícios de autoorganização popular, conselhos da cidade de Mahalla e Kafr el Sheick, embrião de política popular, prisão para os Irmãos Muçulmanos e um esboço de educação tomada em suas mãos pela população de Port Said, dando conta de uma lógica da situação onde se levanta a questão da democracia direta.

Em março e abril, ao mesmo tempo em que assistíamos ao debate eleitoral dos islà¢micos durante o escrutínio para a representação eleitoral entre os estudantes e enquanto as universidades estavam cada vez mais perto de se tornar um foco de agitação política permanente, a revolução, em uma espécie de respiração, se deslocava para os assuntos econômicos. Começando por uma greve geral dos ferroviários, uma multidão de movimentos sociais atomizados, das fábricas e dos bairros estouraram contra os aumentos de preços, a escassez de combustíveis e os cortes de eletricidade. Quiçá antes que o rebaixamento dos subsídios nos produtos de primeira necessidade programados pelo governo para dentro de pouco unifiquem novamente o movimento em um mesmo terreno, mas agora brutalmente político. Através destas múltiplas experiências, vai tomando forma pouco a pouco a ideia de que a salvaguarda da revolução passa pela revolução social.

Teve um fato em abril que foi particularmente significativo. O grande jornal liberal Al Masry al Youmha fechava suas portas. Propriedade de homens de negócios, eles acharam que haviam feito sua parte em ajudar a queda de Mubarak, mas hoje quando era o momento de uma aliança entre islà¢micos e liberais, uma informação livre não podia mais que beneficiar a classe operária. Em resposta a sua última aparição, seus jornalistas fizeram um número especial explicando que não podia existir democracia real sem democracia econômica e justiça social, em suma, que o futuro era a revolução social!

A convergência atual entre a perda de ilusões e as lutas operárias com democracia direta, tendem a que emerjam publica e abertamente as mudanças subterrâneas que estão transformando as relações entre homens e mulheres, o tipo de família, o matrimonio, a herança, a educação, a religião e a propriedade: questões do socialismo e da revolução permanente.

Não é de outro modo que vivendo nesta consciência emergente de que os homens através de suas lutas podem se converter em atores de sua própria história, dando-a um objetivo aos organismos de contra-poder que começaram tomando os espaços públicos, continuaram construindo sindicatos e diversas organizações não governamentais, e poderiam continuar pondo em pé comitês de luta por fabrica ou cidades e suas coordenações e sua escala, e, porque não, atravessar fronteiras. Então, seu alcance será tanto maior quanto sua linguagem será comum ã humanidade.

 

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