Abaixo o Estado de Emergência e basta de repressão
Amanhece no Cairo, as forças de segurança se preparam para aplicar a ordem, ditada pelo Governo provisório e pelo Exército, de desconcentrar os manifestantes partidários da Irmandade Muçulmana e ativistas opositores ao governo cívico-militar que acampam em Rabaa al Adauwiya e na praça Al Nahda. Tratando de dispersar os congregados com gás lacrimogênio e balas de borracha, começava, na quarta-feira dia 14/8, uma nova jornada de repressão sangrenta com centenas de manifestantes mortos (os numeros são vários mas superam claramente o informe governamental que fala de 500 pessoas) e milhares de feridos.
Logo após a repressão aos acampamentos, os enfrentamentos se transferiram a várias ruas nas principais cidades do pais, barricadas, ataques a delegacias e instituições oficiais se propagaram nos arredores do Cairo, de Alexandria, Suez e outras. A resposta do Governo civil (um títere a serviço dos militares) foi declarar o estado de sítio durante um mês dando plenos poderes ao Exército e as forças de segurança para arrombar domicílios particulares e deter a população. Depois desta jornada, as ruas do Egito se encontram “tomadas” pelos militares, enquanto a Irmandade Muçulmana convoca a retomar a mobilização.
A brutal repressão abre uma nova crise no Egito
A tentativa do Exército e do Governo provisório de derrotar, mediante a repressão, as manifestações que vão contra o poder se transformou em uma jogada arriscada a uma nova crise. Quando se conhecia a notícia das mortes pela repressão, o vicepresidente ElBaradei anunciava sua renúncia com uma carta que, cinicamente, expressa seu repúdio ao violento despejo dos acampamentos (ElBaradei forma parte do governo desde a queda de Morsi e vinha aprovando as repressões ás mobilizações). Os governos europeus declaravam seu repúdio “a todo tipo de violência” e chamavam o governo a retomar o dialogo. As declarações mais significativas foram as da Casa Branca que chamam o Exército a deter a repressão, levantar o estado de sítio e convocar as eleições, ainda que o presidente Obama cuidou-se de remarcar o vital da relação com as Forças Armadas egípcias e seu papel para assegurar a paz com Israel, não fez referência a milionária ajuda militar que presta os Estados Unidos.
A renúncia de ElBaradei, as declarações dos distintos governos imperialistas com os Estados Unidos ã cabeça, são a mostra da preocupação de que a escalada repressiva do atual Governo e dos militares desencadeie uma crise maior. Os governos imperialistas continuam sustentando o Exército enquanto este lhes garante a aplicação dos planos de ajuste e a estabilidade na região. As forças liberais egípcias, como a Frente de Salvação Nacional que encabeça ElBaradei, foram fundamentais na hora de servir como cobertura civil ao golpe militar contra Morsi, que buscava garantir a continuidade do aparato estatal da ditadura de Mubarak e conservar o papel de árbitro e controlador de 40% da economia nacional; mantendo o país subordinado aos Estados Unidos e aos compromissos com o Estado de Israel.
Apesar da tensão que podem gerar, os militares se arriscam a lançar uma repressão brutal como a de ontem, apoiados no que consideram um “cheque em branco” cedido pela enorme mobilização de massas de final de junho sobre a qual montaram para remover Morsi por meio do golpe cívico-militar. Se bem que ninguém possa garantir uma “lua de mel” prolongada, menos ainda em meio a massacres e a um estado de sítio que faz recordar as piores épocas de Mubarak, o certo é que pelo momento o Exército não enfrentou ações massivas contra si por parte dos milhões que saíram a finais de junho a mobilizar-se contra Morsi.
Neste marco, a repressão aos acampamentos é parte do avanço antidemocrático do Exército e do Governo logo após o golpe contra Morsi e a usurpação da mobilização das massas.
As centenas de mortos da jornada de ontem se lhe somam os das manifestações anteriores. O discurso de “luta contra o terrorismo” e a necessidade de garantir a “segurança nacional” que levanta o Governo para reprimir a Irmandade Muçulmana, é o mesmo utilizado contra as organizações operárias, como aconteceu nas últimas semanas com a detenção dos dirigentes operários metalúrgicos de Suez.
É necessário chamar já o cessamento imediato do estado de emergência, a liberdade de todos os detidos e o fim da perseguição contra organizações políticas, religiosas e sindicais.
Uma tentativa do Exército para impor a ordem por meio de um golpe “disciplinador”
A brutal repressão contra os acampamentos da Irmandade Muçulmana são, como declararam desde o Governo, uma tentativa de “terminar com uma situação anárquica no país”, e este golpe, junto com o estabelecimento do estado de sítio, constituem um precedente para atacar qualquer setor de vanguarda que saia a lutar por suas reivindicações ou se enfrente politicamente com o Exército. Não são apenas as mobilizações dos partidários do expresidente Morsi que constituem uma preocupação para o atual Governo e para o Exército. O movimento operário, que havia atuado diluído nas manifestações contra Morsi, começou nas últimas semanas a mobilizar-se. Em Mahalla, os trabalhadores da indústria têxtil realizavam há semanas uma greve reivindicando ao novo governo o aumento dos salários. Os trabalhadores da indústria do aço em Suez sofriam a repressão do Exército a uma de suas mobilizações, e foram encarcerados seus principais dirigentes.
O movimento operário egípcio vem desenvolvendo durante estes anos uma enorme experiência, desempenhando um papel destacado na queda de Mubarak, com o surgimento de novos sindicatos e mobilizando-se por melhores condições de vida. Por ora, o processo de mobilização operária se centra em demandas econômicas e não conseguiu aparecer como um ator político independente, ainda que não se possa descartar que, se continuam, tendem a se chocar com o plano que prepara o Exército para o país, submetendo ainda mais a economia egípcia aos desígnios do imperialismo, mantendo as medidas antipopulares do governo Morsi que levaram a um aumento dos custos dos bens de consumo básicos. É neste sentido que o golpe do Exército aos acampamentos da Irmandade Muçulmana, em nome da restauração da ordem, e uma mensagem preventiva e disciplinadora frente a qualquer emergência de descontentamento.
Perspectivas
Logo após a brutal repressão e a declaração do estado de sítio, as imagens parecem mostrar a volta ã calma baseada na militarização das ruas. Os relatos dos correspondentes no Egito não deixam de repetir que as medidas tomadas pelo Governo e pelo Exército fazem recordar a época de Mubarak. Muita água passou sob a ponte desde a queda da ditadura pela mobilização, e parece difícil que as conquistas logradas pela mobilização sejam arrebatadas sem novos combates.
O Exército parece querer manter o poder garantindo a restauração da ordem. Se a repressão contra a Irmandade Muçulmana não despertou um repúdio massivo é porque os militares se apoiam na legitimidade conseguida ao haver removido Morsi da presidência logo aos as mobilizações de dezenas de milhões contra o islà¢mico. A campanha contra o “terrorismo” dos movimentos muçulmanos, somado a que milhões não querem que Morsi volte ã presidência como pede a Irmandade Muçulmana, é o que permite ao governo provisório e aos militares justificar a repressão como necessária para manter a estabilidade no país. Mas as primeiras crises no governo, como mostra a renúncia de ElBaradei, combinado com a tentativa de manter o estado de emergência durante um mês, podem gerar um desgaste desta legitimidade do atual Governo e ser o detonador de novas mobilizações.
O imperialismo, com os ianques ã cabeça, têm clareza que a situação se torna altamente instável, pelo que pressionaram para ir a um novo desvio “democrático” com o chamado ás nova eleições para tratar de garantir um governo legitimado pelas urnas para aplicar os planos ditados pelo FMI. Os governos imperialistas temem que a polarização atual se converta numa guerra civil com repercussões regionais.
Esta situação demonstra que, até o momento, s tentativas da classe dominante, do exército e do imperialismo não puderam fechar o processo revolucionário aberto com a queda de Mubarak. Os setores que se enfrentam com as medidas repressivas do atual governo, e defendem uma “terceira posição”, diferenciando-se também da Irmandade Muçulmana, tem por ora pouca força. Para fortalecer uma saída independente, é necessário levantar uma política que chame a não confiar nas distintas variantes burguesas que foram parte do governo e que avalizam a repressão, partindo do rechaço as perseguições e assassinatos ã Irmandade Muçulmana e outras organizações, deixando claro que não será a volta de Morsi uma solução para a crise.
Uma política neste sentido permitiria que a classe operária e a juventude explorada e oprimida, que começam a mobilizar-se por suas reivindicações, possam aparecer como um novo ator na situação atual. Neste caminho os trabalhadores têm de desenvolver seus próprios organismos de autodeterminação e levantar um programa transicional que uma as reivindicações democráticas, sociais, e antiimperialistas e abra o caminho à luta pelo poder operário e popular.
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