Uma contribuição essencial dos marxistas ã causa da revolução egípcia e árabe é ajudar a esclarecer os problemas que enfrenta e as vias para seu triunfo, o que põe sobre a mesa um problema central: como podem conquistar o pão, o trabalho, a liberdade, os povos árabes em luta? É possível uma democratização real, sem tomada do poder pelos trabalhadores? Lamentavelmente, setores da esquerda socialista imaginam uma fase de “revolução democrática”, prévia e separada da tomada do poder pelos trabalhadores, o que tem gravíssimas consequências políticas. Por exemplo, a LIT-QI, corrente liderada pelo PSTU, fala da “grande conquista das massas” – um grande passo adiante de sua “revolução democrática” – enquanto os militares dão um golpe, massacram, encarceram, impõem o estado de emergência e avançam em ataques que apontam não só contra a Irmandade Muçulmana, mas contra o conjunto do processo revolucionário.
Segundo a LIT, há um avanço da revolução “por mais que se coloque a contradição de que a cúpula militar reassuma diretamente as rédeas do governo, é uma nova vitória das massas populares, parcial mas importantíssima, pois ainda que não destrua o regime militar, desferiram-lhe um novo golpe”. Assim, “Apesar desta contradição, a queda de Morsi se configura como uma grande conquista das massas e um novo golpe ao regime, que perdeu seu segundo governo em dois anos e meio a partir da mobilização popular”. Como explica então a LIT que esta “grande conquista das massas” tenha levado ã imposição de um governo militar e aos piores massacres, que não se viam desde a época de Mubarak?
Seguindo esta lógica, a LIT-QI se situa no “campo democrático” em nome “da mais ampla unidade de ação” incluindo os políticos patronais liberais e laicos, contra os “bonapartistas”, sejam islà¢micos ou militares. Pela via desta vacilação ás forças “liberais” se dá o paradoxo de que a LIT, falando da revolução “democrática” termina concedendo aos militares e seu governo – aliados do imperialismo e de Israel – legitimidade para reprimir os islà¢micos. É insólito que uma organização que se reivindica de esquerda coloque que a repressão estatal foi “desenfreada e completamente desproporcional contra os militantes da Irmandade” (...) e que se o Exército quisesse reprimir a Irmandade Muçulmana, “Bastaria prisões massivas ou, como mínimo, de toda a sua cúpula. Tampouco seria necessário declarar um estado de emergência (de sítio), nem um toque de recolher, pois seria suficiente ilegalizar a Irmandade”. Ao mesmo tempo pede (aos militares? aos liberais aliados do imperialismo?) que não se conceda “nenhum direito democrático nem de expressão para a Irmandade e seus líderes políticos enquanto se mobilizem pelo retorno de Morsi” (sic). Parece incrível ter de recordar aos companheiros da LIT algo tão elementar para um revolucionário: que uma coisa é que as massas derrotem o governo reacionário de Morsi, e outra muito distinta é que quem o faça sejam as forças repressivas do estado capitalista, cujo objetivo é liquidar o processo de conjunto. Ao mesmo tempo, não deixa de chamar a atenção sua consigna de: “Eleições imediatas para a Assembléia Constituinte livre e soberana, sem a participação de militares nem da Irmandade!”, o que traduz sua adaptação ao campo das correntes burguesas laicas, liberais e nacionalistas. A política de “revolução democrática” já levou a LIT e outras organizações da esquerda internacional a considerar que a queda de Kadafi na Líbia, sob a direção da OTAN e seus colaboradores locais, era um “grande triunfo” das massas. Agora os leva, no Egito, a capitular aos “democratas” que encobrem o poder militar.
A dois anos e meio de convulsões e lutas de massas de todo tipo no mundo árabe e no Egito, demonstram que a utopia de uma fase de “revolução democrática” que mude o regime político sem que o poder passe das mãos da burguesia para as mãos da classe operária e dos oprimidos, é equivocada. Não há outra forma de satisfazer as demandas profundas das massas e resolver integral e efetivamente as tarefas nacionais e democráticas que não a tomada do poder pelos trabalhadores, ã frente da aliança operária, camponesa e popular.
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