Após 13 dias de tensão, em 4 de abril o governo do Irã decidiu libertar os 15 marinheiros britânicos aprisionados por um esquadrão da Guarda Revolucionária quando realizavam operações de inteligência no estreito de Shat al Arab, uma zona fronteiriça que historicamente tem sido motivo de disputa entre o Irã e o Iraque.
A situação gerada pela captura dos militares britânicos, que admitiram publicamente haver violdo a soberania iraniana e agradeceram pessoalmente ao presidente Mahmud Ahmadinejad por sua libertação, foi uma humilhação para Blair e seu amigo Bush e uma mostra eloqüente das conseqüências desastrosas da ocupação do Iraque para o imperialismo. A tal ponto que a imprensa o comparou com a tomada de reféns na embaixada norte-americana no Irã em novembro de 1979. Naquele momento, o resultado do "episódio marines" favoreceu o governo do Irã.
Ainda que a Inglaterra tenha negado, seus militares foram libertados como produto de um intercâmbio de prisioneiros, dado que o que abriu a boa "vontade do governo" iraniano foi a libertação de Jalal Sharafi, um alto diplomata da república islà¢mica sequestrado em Bagdá em fevereiro por agentes iraquianos ã serviço dos Estados Unidos. Recordemos que a crise se dá num contexto da disputa mais profunda sobre quem obtém uma correlação de forças melhor para uma eventual negociação política no Iraque ocupado, onde o Irã tem influência.
Os argumentos do governo britânico e as denúncias dos marinheiros de que suas declarações foram arrancadas sob tortura física e psicológica se debilitaram pela própria arrogância das tropas imperialistas. O capitão Chris Air, chefe dos marinheiros detidos, havia declarado ã televisão britânica alguns dias antes da captura, que a embarcação realizava tarefas de inteligência e espionagem e tinha como objetivo extrair informação dos pescadores do local sobre qualquer tipo de atividade iraniana na zona.
Para confirmar que desta vez havia começado com uma pequena vantagem, a somente poucos dias de concluído o incidente com a Inglaterra, Ahmadinejad anunciou em tom desafiador que Irã "está entrando no clube de nações que podem produzir combustível nuclear a escala industrial", reafirmando o direito de seu país de continuar com seu programa nuclear, apesar das sanções da ONU e da ameaça imperialista.
Fustigamento
Os Estados Unidos e o Estado de Israel, com o aval das Nações UNidas, vêm exercendo uma pressão crescente sobre o Irã com o objetivo de frear o desenvolvimento nuclear do país, implementando sanções econômicas e políticas cada vez mais duras, buscando isolar o regime iraniano e eventualmente gerar as condições para algum tipo de ação militar.
Os falcões mais decididos da administração Bush, o vice-presidente Dick Cheney e seu assessor Elliot Abrams e o Estado de Israel, vêem que a única forma de frear a "ameaça" iraniana é bombardeando suas capacidades nucleares e aos poucos debilitar a outras forças que resistem a ocupação imperialista no Iraque ou a inimigos do Estado de Israel como Hamas e Hezbollah. A existência do plano militar destes setores foi revelado com detalhes em um artigo recente pelo prestigioso jornalista Seymour Hersh, o mesmo que falou sobre as torturas na prisão de Abu Ghraib e a matança de My Lai durante a guerra do Vietnã.
Esta tendência guerreirista não só se debate abertamente dentro do governo, do Congresso e da imprensa estadunidense, mas também se apoia na concentração de forças navais norte-americanas e britânicas no Golfo Pérsico, muito próximo ao Irã, das que formava parte a patrulha interceptada pelos guardas iranianos. O objetivo desta força é aumentar a pressão contra o regime de Teherán, para que abandone o programa nuclear e deixe de apoiar com armamentos e treinamento militar as milícias aliadas no Iraque.
Segundo o diário The Guardian, inclusive "os Estados Unidos ofereceram empreender alguma ação militar pelos 15 marinheiros detidos no Irã". Entre as opções figurava "que aviões de combate norte-americanos patrulhem de forma agressiva as bases da Guarda Revolucionária Iraniana para ressaltar a seriedade da situação".
Mas nada disso ocorreu e Blair optou pela negociação, o que lhe rendeu críticas de setores da direita conservadora, assim como a atitude dos marinheiros que não resistiram ã detenção.
Ainda que não se possa descartar que o governo de Bush busque sair do pantâno no Iraque - e da situação cada vez mais complicada no Afeganistão - escalando o conflito contra o Irã, por hora esta saída parece pouco provável e o que até o momento prima é a ala mais "negociadora" da administração republicana da secretária de Estado Condoleezza Rice e o chefe do Pentágono Gates, partidários de manter uma pressão econômica e política sustentada sobre o regime de Teherán como forma de mantê-lo sob controle.
Fora o imperialismo do Iraque e do Oriente Médio
O incidente diplomático entre o Irã e a Inglaterra se dá em uma situação cada vez mais díficil para o domínio imperialista no Oriente Médio. O governo de Bush, repudiado internamente por sua política guerreirista, não encontra uma saída "digna" ao pântano da ocupação do Iraque. Apesar de haver incrementado o número de efetivos e da campanha para "liquidar a insurgência", as baixas imperialistas não deixam de aumentar - já chegam a quase 3.300 soldados - os combates não terminam e inclusivem se tornam mais violentos como o recente enfrentamento da cidade de Diwaniya, no sul do país, entre as tropas norte-americanas e milicias xiitas. O chamado pelo fim da ocupação tem tomado um novo impulso. No último 9 de abril, centenas de milhares de iraquianos, na sua maioria xiitas dirigidos pelo clérigo radical Muqtada al Sadr, - na clandestinidade desde fevereiro -, encheram as ruas de Najaf para exigir a retirada das tropas imperialistas no quarto aniversário da queda de Bagdá. Apesar dos sangrentos enfrentamentos inter-religiosos entre sunitas e xiitas que têm proliferado no último período, na mobilização participaram também setores sunitas. Segundo o jornal New York Times, esta foi "a maior mobilização em Najaf, o coração do poder religioso xiita, desde a invasão norte-americana em 2003". Neste marco, uma ação militar contra o Irã poderia ter conseqüências imprevisíveis.
Mais que nunca está colocada a unidade das massas exploradas e oprimidas do Iraque e do Oriente Médio e a mais ampla mobilização operária e popular em todo mundo para começar a derrota dos Estados Unidos, Inglaterra e seus aliados.
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