As mobilizações ainda vigentes que permeiam o cenário nacional tem mantido no centro dos debates um dos mais comentados “atores de junho”: a tática Black Blocs. Hoje esse debate se insere na conjuntura de uma “ofensiva” da repressão, como vimos no Rio de Janeiro nos últimos atos, que em um deles terminou com centenas de detidos e 62 pessoas presas transferidas ao Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, num brutal ataque da polícia e os governos Paes e Cabral desde Junho; um dado que também se expressou em Minas Gerais, que além de dois mortos durante o último período, também tiveram pelo menos 11 presos transferidos ao Ceresp (presídio) acusados de formação de quadrilha e aliciamento de menores; já em São Paulo, foi sintomática a ofensiva de repressão de Alckmin contra os estudantes da USP, UNICAMP e os Black Blocs num dos últimos atos da mobilização das universidades, que marcou a volta das balas de borracha como instrumento de repressão, tudo embasado na reacionária “Lei de Segurança Nacional” promulgada em 1983 e utilizada para controlar a ferro e fogo a instabilidade insistente no pós-junho.
Nesse sentido, a imprensa burguesa (grande mídia) tem apresentado uma linha da classe dominante de centrar fogo na “criminalização dos mascarados” para criar uma outra conjuntura que legitime a perseguição a todos os lutadores.
A primeira tarefa, portanto, de toda a esquerda, partidos, sindicatos, organizações, movimentos sociais é defender incondicionalmente os jovens contra a repressão, prisões e toda a violência do Estado burguês.
A partir disso, e de todo esse contexto da repressão estatal que começa a retomar terreno, ajustar o debate com as ações no movimento, tendo em vista essa dinâmica da conjuntura, torna-se fundamental. Mas qual a discussão com os Black Blocs?
O “fenômeno” em junho e pós-junho
Para desenvolver o debate de estratégia com os Black Blocs, primeiro é necessário compreender a natureza do “fenômeno”. Logo no pós-junho, nós expressávamos que a caracterização do Black Bloc como um grupo fechado e delimitado era um equivoco, porque para além de alguns anarquistas já com uma visão mais acabada, em realidade expressava um “fenômeno” de algumas centenas de jovens, em diversos Estados, que extrapolavam a tentativa de “civilidade” que a burguesia tentou impor aos atos e que encontravam na tática de quebrar “símbolos do capitalismo” a sua forma de expressão da luta.
No entanto, passados alguns meses das grandes mobilizações de massa, o Black Bloc tem avançado (na experiência que esses jovens vieram adquirindo nesses três meses) em ganhar contornos mais de “grupo” em algumas cidades e, fundamentalmente, em manter as táticas isoladas do movimento de massa e mesmo de uma vanguarda que legitime as ações.
Assim, do ponto de vista do marxismo, o “fenômeno” Black Bloc é a expressão de uma juventude que busca formas de radicalizar sua luta e ódio contra as mazelas desse sistema e a repressão policial - em oposição ã prática rotineira, eleitoralista e sindicalista das organizações ditas de esquerda – mas uma tática que em geral incorre em ausência de uma perspectiva estratégica para se ligar aos trabalhadores e criar a força necessária para questionar de fato esse sistema, terminando por esvair esse “ódio” da “geração de junho” em ações isoladas ultraesquerdistas (ações por fora da correlação de forças e sem capacidade de se tornarem realmente ofensivas contra o sistema, que na prática se desvinculam de seus objetivos), especialmente num momento de refluxo dos atos de massa.
Qual o debate de estratégia com o Black Bloc?
Partindo da caracterização, é preciso perceber que fortalecer o debate de estratégias no movimento não pode passar por fora de pensar a conjuntura nacional: o interesse que a burguesia tem nesse momento em criminalizar pesadamente os mascarados é o enorme “perigo” que significou o apoio de amplos desses setores ã greve dos professores do Rio de Janeiro, que levou o SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro) a se posicionar a favor da participação dos Black Blocs nos atos, ainda que na categoria vemos distintas sensibilidades (fruto de incoerências do próprio Black Blocs). Mas não é em todos os casos (ou mesmo na maioria deles) que vemos uma aliança dos Black Blocs com setores da classe, expressando em diversas cidades ações isoladas ultraesquedistas por fora de qualquer luta operária e mesmo de um programa consequente para a juventude.
Para buscar uma explicação mais apurada, nós distinguimos três níveis de ações: primeiro, as de resistência, que permeiam todo o movimento e são uma reação legitimada em todos os setores dado o nível de repressão da policia, sabendo que só sob a base de “muitas resistências” foi possível os acontecimentos de junho; depois as ações defensivas, uma série de táticas usadas no conflito de rua para manter o ato, incluindo métodos tradicionais da classe trabalhadora, como as barricadas, que também são respeitadas e inclusive foram aplicadas muitas vezes nos atos dos professores do Rio de Janeiro, tendo um papel importante; por fim, as ações “ofensivas” (que no caso dos Black Blocs tem sido quebras de bancos, lojas e outros “símbolos”), que num contexto de refluxo do movimento de massas acabam por atos isolados e, como colocamos, ultraesquerdistas, que além de impotentes podem ser contraproducentes e, quando construídos por fora de deliberações democráticas no movimento e na classe, expressam o burocratismo.
É preciso “distinguir e ordenar” os fatos, para que possamos debater com essas centenas de jovens: uma juventude deve se orientar estrategicamente para se ligar (ai sim de modo “radical”) ás lutas dos trabalhadores e contra as mazelas capitalistas, que impedem o direito ao trabalho, educação, saúde, lazer, arte etc. Nesse sentido, a juventude deve agarrar a bandeira de um programa revolucionário, que ligue as demandas mais mínimas sentidas na “pele” pela nova geração ás demandas transicionais, que se choquem contra o regime e o Estado burguês que não pode garantir nenhum futuro ã juventude. A única maneira de ganhar as massas da juventude trabalhadora e se ligar ao conjunto da classe é que seus métodos de organização sejam de auto-organização dos estudantes e jovens trabalhadores, se organizando democraticamente e deliberando sobre cada ação e perspectiva com o conjunto do movimento. Só assim a luta anticapitalista pode ser consequente até o final e verdadeiramente revolucionária.
Disputar a juventude radical de junho que quer “derrubar o capitalismo”
As críticas são fundamentais e a delimitação com algumas ações dos Black Blocs são necessárias; no entanto, foram catastróficos alguns comentários que queriam fazer uma “crítica pela esquerda” como do PSTU e PSOL ás ações ultraesquerdistas, abordando muitas vezes por fora de uma análise da conjuntura nacional e sem a preocupação de não endossar a “campanha” da burguesia. Assim, insistiram em errar sucessivas vezes (com algumas autocríticas posteriores no caso do PSTU), não pela necessária diferenciação com os Black Blocs, mas pelo sectarismo da crítica, por não politizar a análise, observar as particularidades dos “mascarados no RJ”e, mais grave de tudo, por não mostrar as massas, em cada crítica ao grupo, o que tinha por trás da furiosa campanha da grande mídia (burguesa) contra os Black Blocs. Portanto, não elevavam a discussão ao patamar da estratégia (para “explicar pacientemente”, como dizia Lenin) e terminavam em diversos “zig-zags” que estavam entre apontamentos críticos corretos até ã adaptação completa ao discurso burguês (como a ideia de que os Black Blocs “agem como provocadores da repressão policial”).
Nesse o mais importante é que não basta dizer em palavras que está contra qualquer ataque do Estado burguês aos militantes: é preciso construir uma grande campanha nacional contra a repressão aos lutadores e ã criminalização dos movimentos sociais. Não fazer uma campanha forte como essa e condenar veementemente as ações do Black Blocs, tratando como um grupo fechado anarquista que deve-se se combater “pela desconstrução que promovem ao movimento” é um sectarismo importante com um setor de jovens temperados nas mobilizações nos últimos quatro meses.
“Ser radical é tomar as coisas pela raiz”, dizia Karl Marx. Os jovens que querem se enfrentar com o capitalismo devem se munir de uma verdadeira estratégia revolucionária e uma perspectiva comunista de sociedade, sabendo que a juventude só pode ser revolucionária se estiver orientada estrategicamente para a aliança com os trabalhadores. Essa é a “verdadeira” discussão com os Black Blocs e cada um dos ativistas da “juventude de junho”.
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